Néstor Kirchner (1950-2010) |
O noticiário recente sobre os Kirchner é amplamente negativo, mas é preciso saber ver toda a floresta, e não apens uma árvore. A História se lembrará de Néstor Kirchner por duas grandes iniciativas de seu governo (2002-2006): a recuperação de uma Argentina devastada pela mais grave depressão econômica de sua história e o resgate dos direitos humanos, com o fim da lei de obediência devida, permitindo que os militares criminosos voltassem ao banco dos réus e à cadeia. Numa dimensão histórica, portanto, ficarão menores as suspeitas de enriquecimento ilícito, as acusações de manipulações estatísticas, o estabelecimento de uma “dinastia presidencial” e o cerceamento à mídia argentina. Principalmente este último ponto porque, ao que tudo indica, lá também os oligarcas da grande mídia não admitem qualquer restrição aos seus poderes e privilégios e tendem a acusar quem tenta restringi-los como “inimigo da liberdade”.
Menem e Domingo Cavallo |
Kirchner assumiu um país arrasado depois de 10 anos de neoliberalismo selvagem da dupla Carlos Menem-Domingo Cavallo. A crise deixou o PIB em queda livre (quase 20% em dois anos), com uma dívida externa que representava nada menos que 160% do PIB, o desemprego superando os 20% e quase 50% da população do que já foi o país mais rico da América do Sul abaixo da linha de pobreza. O esgarçamento econômico levou à implosão do sistema político e cinco presidentes se sucederam entre 1999 e 2002. No poder, Kirchner negociou a saída da moratória com os credores internacionais. Impulsionado pela expansão das commodities, a economia argentina voltou a crescer, a taxas de 8% ao ano, o desemprego caiu para 10% e os pobres hoje são 30% - ainda um escândalo para padrões argentinos. O importante é que Kirchner fez um desvio de rota para um novo desenvolvimentismo, enterrando o ciclo menemista-cavallista.
Os facínoras Emilio Massera (à esq.) e Jorge Rafael Videla |
Mas o grande feito de Néstor Kirchner foi o resgate democrático da Argentina. As feridas de um país traumatizado por uma ditadura militar facínora (cerca de 30 mil “desaparecidos” entre 1976-1983), que tinham começado a cicatrizar com os processos contra os militares nos anos 1980, foram reabertas com a “lei de obediência devida”, de Raúl Alfonsín, e o indulto de Carlos Menem em 1990 aos comandantes. Incorporando a bandeira de grupos de direitos humanos como as Madres de la Plaza de Mayo, Kirchner reforçou a decisão da Justiça de enterrar a “lei de obediência devida” e anular o indulto. Assim, assassinos psicopatas como o ex-general-presidente Jorge Rafael Videla, o almirante Emílio Massera e o capitão de corveta Alfredo Astiz voltaram à barra dos tribunais e às prisões – ainda que domiciliares, no caso de alguns decrépitos.
Cristina Kirchner |
Poucos países fizeram tão completa lavagem de roupa suja. As manifestações de apreço por ocasião da morte de Kirchner mostram que os cidadãos argentinos compreenderam o legado deixado pelo último líder peronista. A presidente Cristina Kirchner tem pela frente o desafio de impulsionar este compromisso democrático, aliado ao projeto desenvolvimentista. Não é tarefa fácil, mas, ao contrário do que muitos pensam, ela não tem vocação para Isabelita Perón, que jogou a Argentina no abismo do Armagedon depois da morte do marido-presidente.
Don't cry for me, Argentina (Sinead O'Connor)
Agora a presidenta tem que provar e honrar sua competência.Espero que o país siga crescendo, a America Latina tem que dar um tapa de pelica no resto do mundo que se diz superior, sinceramente acho que não vai demorar muito...
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