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quinta-feira, 31 de maio de 2012

A VOLTA AO "CREIO PORQUE É ABSURDO"



Roland Barthes
Prestes a completar 94 anos, Billy Graham talvez seja o mais velho e famoso dos pastores evangélicos americanos. Sua prédica serviu de modelo para todas as denominações pentecostais e neopentecostais. Esse texto do semiólogo francês Roland Barthes, de 1957, revela como se operou o deslocamento do discurso religioso cristão, do racionalismo ao irracionalismo - um retrocesso ao "creio porque é absurdo" de Tertuliano - e como Graham é um fiel servidor do establishment americano. Não é à toa que ele se relacionou muito bem com quase todos os presidentes americanos desde Eisenhower – a exceção foi John Kennedy, que era católico.       


Billy Graham no Vel D’Hiv

Roland Barthes, em Mitologias

“Se Deus fala realmente pela boca do Dr. Graham, temos de reconhecer que Deus é surpreendentemente tolo: a Mensagem espanta pela sua chatice e infantilidade. Em todo caso, certamente, Deus abandonou o tomismo e demonstra uma nítida aversão à lógica: a Mensagem é constituída por uma infinidade de afirmações descontínuas lançadas ininterruptamente, sem espécie alguma de relação entre elas, cujo conteúdo é apenas tautológico (Deus é Deus). O mais insignificante irmão marista, e o pastor mais acadêmico fazem figura de intelectuais decadentes perto do Dr. Graham.

[...]
Billy Graham, o ovo da serpente do Edir Macedo 

O “gênero” Billy Graham rompe com toda uma tradição do sermão, católico ou protestante, herdada da cultura antiga, que só funcionava em termos de persuasão. O cristianismo ocidental sempre se submeteu, em seu método expositivo, ao quadro geral do pensamento aristotélico, sempre aceitando colaborar com a razão, mesmo quando se tratava de inspirar confiança no irracional da fé. Rompendo com séculos de humanismo (mesmo apesar de suas formas terem sido ocas e rígidas, a preocupação de um outro subjetivo esteve raras vezes ausente do didatismo cristão), o Dr.Graham apresenta-nos um método de transformação mágica, substituindo a persuasão pela sugestão: a violência e intensidade da declamação, a expulsão sistemática de todo conteúdo racional da proposição, a ruptura incessante dos encadeamentos lógicos, as repetições verbais, a designação grandiloquente da Bíblia erguida na ponta dos dedos como um abridor de latas universal de um camelô e sobretudo a ausência de calor humano, o desprezo manifesto pelo outro, todas estas operações fazem parte do material clássico da hipnose de music-hall: repito que não existe nenhuma diferença entre Billy Graham e o Grand Robert.

[...]

Tudo isso nos diz respeito muito diretamente: para começar, o “sucesso” de Billy Graham manifesta a fragilidade mental da pequena-burguesia francesa, classe na qual se recrutou, ao que parece, a maioria do público dessas sessões: a plasticidade de adaptação desse público a formas de pensamento alegóricas e hipnóticas sugere que existe em tal grupo social aquilo que se poderia chamar de uma situação de aventura: uma parte da pequena-burguesia francesa já nem é protegida pelo seu famoso “bom senso”, que é a forma agressiva da sua consciência de classe. Mas não é tudo: Billy Graham e a sua equipe insistiram fortemente, e por diversas vezes, no objetivo dessa campanha: “despertar” a França (“Vimos Deus fazer grandes coisas na América; um despertar de Paris teria uma influência imensa sobre o mundo inteiro” — “Nosso desejo é que alguma coisa aconteça em Paris, de modo que tenha repercussões no mundo inteiro”).

Obviamente tal ótica é idêntica à de Eisenhower nas suas declarações sobre o ateísmo dos franceses. A França existe para o mundo pelo seu racionalismo, sua indiferença à fé, pela irreligião dos seus intelectuais (tema comum na América e no Vaticano; tema, aliás, já muito batido): é deste pesadelo que se torna necessário arrancá-la. A “conversão” de Paris teria evidentemente o valor de um exemplo mundial: o Ateísmo abatido pela Religião no seu próprio covil. De fato, sabemos que se trata de um tema político: o ateísmo da França só interessa à América porque, para ela, ele constitui a primeira etapa para o Comunismo. “Despertar” a França do ateísmo é despertá-la do fascínio comunista. A campanha de Billy Graham foi apenas um episódio macarthista”.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

ESQUERDA NÃO RIMA COM EUGENIA

Leio que uma atriz pornô francesa, Celine Bara, de 33 anos, está se candidatando à Assembléia Nacional pelo MAL (Movimento Antiteísta e Libertino) pela região de Ariège, sul da França. A bela diz defender uma plataforma de extrema esquerda, LGBT, anti-fronteiras, antirreligião, a favor do aborto e da eutanásia. Uma Cicciolina (atriz pornô italiana que se tornou deputada nos anos 1980/1990) mais à esquerda, dizem. Beleza, penso eu. Candidaturas libertárias são sempre benvindas, embora poucas sejam viáveis. Lembro-me que em 1982 participei da campanha de Caterine Koltay à Câmara Muncipal. Ela tinha uma plataforma totalmente antiestablishment, que irritava os setores mais ortodoxos e stalinistas do PT. Defendia a liberação das drogas, o aborto. Seu slogan de campanha se resumia em um charmoso “desobedeça”. Não se elegeu, mas teve 33 mil votos. Nada mal, inclusive pensando-se na realidade de 30 anos atrás.
 
Mas estou me desviando. Continuo lendo as propostas de Celine Bara. Levo um susto quando leio a declaração dela ao site operamundi: “Eu proponho a interdição total de todas as religiões, sem exceção, e acho que só um estado forte é capaz de impor essas medidas radicais capazes de mudar as mentalidades do sistema. Eu sou contra o secularismo francês (laïcité) e pela criação de uma república democrática francesa comunista e atéia”. Uau! Parece mais uma declaração de princípios do regime norte-coreano. Será que essa moça tem a mínima idéia dos estragos que o stalinismo provocou à causa socialista e mesmo progressista?

Parece que não. Segundo o operamundi, Celine Bara e o MAL se apresentam como uma resposta “neo-stalinista” ao nacionalismo de Marine Le Pen. Mas aí vem o pior: o partido propõe políticas de controle de natalidade, como a esterilização de doentes mentais com doenças genéticas e o fim de esportes violentos, como o rúgbi, paixão nacional francesa. Bom, parei por aqui. Se alguém minimamente informado acha que a defesa da eugenia – inventada por britânicos e americanos, mas aplicada em escala industrial pelos nazistas – pode ter alguma coisa a ver com um ideário progressista, não entendeu nada que a história ensinou nos últimos 100 anos. Se alguém considera que idéias de “aperfeiçoamento da raça” fazem parte da herança da esquerda, não tem a menor idéia do que foram o Iluminismo, a Revolução Francesa e o movimento operário e democrático.

O que me espanta é que se possa chamar uma candidatura que defende tais bandeiras como sendo de “esquerda”. OK, o MAL é antirreligioso, defende o aborto e a eutanásia, mas apenas isso não o qualifica como agremiação progressista. Afinal, fascistas e nazistas também defendiam bandeiras semelhantes. O que identifica um ideário de esquerda é sua pertença à herança iluminista, a defesa intransigente dos direitos humanos, da liberdade e da igualdade social. Quando um partido fala de proibir a liberdade de culto e de esterilizar deficientes mentais está muito mais para o lepenismo, o regime de Vichy e o III Reich do que qualquer outra coisa.

A atriz e deputada italiana Cicciolina
Coitada da Cicciolina. A pop star da política era excêntrica, meio maluca, às vezes confusa, mas jamais defendeu teses caras ao fascismo ou à extrema-direita xenófoba. Ela nunca foi do MAL...


   


segunda-feira, 28 de maio de 2012

JORNALISMO DE SARJETA


Jobim e Gilmar: de duas versões, parte da mídia só ouviu uma 

O Globo, que sempre puxou o saco do ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, escondeu de seus leitores a informação de este negou enfaticamente a denúncia que o ministro do STF Gilmar Mendes fez a Veja, de que o ex-presidente Lula teria lhe pedido para adiar o julgamento do mensalão. O encontro entre Lula e Gilmar ocorreu no escritório de Jobim em Brasília. E o mais inacreditável é que a grande mídia, com exceção do Estadão e da Zero Hora, comprou a versão da Veja de tal maneira que já tratam a acusação de Gilmar como fato provado e comprovado. A esse trabalho de propaganda chamam de jornalismo. Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, ficaria orgulhoso. 

Abaixo, a entrevista do ex-ministro ao Zero Hora.

 

 

“Não houve conversa nenhuma”,

Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa

 

Por Jorge Furtado, do Zero Hora

 

Anfitrião do encontro entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilar Mendes, o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim negou a Zero Hora que em algum momento o petista tenha pedido o adiamento do julgamento do mensalão. Segundo Jobim, a conversa entre eles durou cerca de uma hora, na manhã do dia 26 de abril, em seu escritório em Brasília. O ex-ministro foi enfático ao afirmar que o ex-presidente jamais fez qualquer proposta a Mendes envolvendo o mensalão e disse que negou à revista Veja que esse tenha sido o teor da conversa. Jobim falou com ZH ontem à tarde, por telefone, enquanto se dirigia ao aeroporto, no Rio, de onde regressaria a Brasília.
ZH – Lula pediu ao ministro Gilmar Mendes o adiamento do julgamento do mensalão?
Nelson Jobim – Não. Não houve nenhuma conversa nesse sentido. Eu estava junto, foi no meu escritório, e não houve nenhum diálogo nesse sentido.
ZH – Sobre o que foi a conversa?
Jobim – Foi uma conversa institucional. Lula queria me visitar porque eu havia saído do governo e ele queria conversar comigo. Ele também tem muita consideração com o Gilmar, pelo desempenho dele no Supremo. Foi uma conversa institucional, não teve nada nesses termos que a Veja está se referindo.
ZH – Por quanto tempo vocês conversaram?
Jobim – Em torno de uma hora. Ele (Lula) foi ao meu escritório, que fica perto do aeroporto.
ZH – Em algum momento, Lula e Mendes ficaram a sós?
Jobim – Não, não, não. Foi na minha sala, no meu escritório. Gilmar chegou antes, depois chegou Lula. Aí, saiu Lula e Gilmar continuou. Ficamos discutindo sobre uma pesquisa que está sendo feita pelo Instituto de Direito Público, do Gilmar. Foi isso.
ZH – Depois que Lula saiu, o ministro fez algum comentário com o senhor sobre o teor da conversa?
Jobim – Não. Não disse nada. Só conversamos sobre a pesquisa, para marcar as datas de uma pesquisa sobre a Constituinte.
ZH – Lula pediu para o senhor marcar um encontro com Mendes?
Jobim – Sim. Ele queria me visitar há muito tempo. E aí pediu que eu chamasse o Gilmar, porque gostava muito dele e porque o ministro sempre o havia tratado muito bem. Queria agradecer a gentileza do Gilmar. Aí, virou essa celeuma toda.
ZH – Há quanto tempo o encontro estava marcado?
Jobim – Foi Clara Ant, secretária do Lula, quem marcou. Lula tinha me dito que queria me visitar há um tempo atrás. Um dia me liga a secretária, dizendo que ele iria a Brasília numa quarta-feira (25 de abril) e que, na quinta, queria me visitar e ao ministro Gilmar. Ele apareceu lá por volta das 9h30min, 10h. Foi isso.
ZH – Se não houve esse pedido de Lula ao ministro, como se criou toda essa história?
Jobim – Isso você tem de perguntar a ele (Gilmar), e não a mim.
ZH – O senhor acha que Mendes pode estar mentindo?
Jobim – Não. Não tenho nenhum juízo sobre o assunto. Estou fora disso. Estou te dizendo o que eu assisti.
ZH – Veja disse que o senhor não negou o teor da suposta conversa. Por que o senhor não negou antes?
Jobim – Como não neguei? Me ligaram e eu disse que não. Eu disse para a Veja que não houve conversa nenhuma.

VIÚVAS DE FHC


Mailson e Míriam Leitão: porta-vozes do fim do mundo

Quem ainda aguenta ler ou ouvir os comentários econômicos da Miriam Leitão, do Carlos Alberto Sardenberg e do Mailson da Nóbrega (a maior empulhação nacional, que arrota “sabedoria” mercadológica, mas, quando foi ministro da Economia do Sarney – imposto pelo Roberto Marinho – deixou o país com 85% de inflação), entre outros? Inconformados, eles sempre entoam a mesmo discurso catastrofista contra o governo, claramente porque este deixou de seguir a cartilha ortodoxa e os ditames da banca. Seriam eles porta-vozes da “mão invisível” dos mercados? Ou dos senhores de Wall Street? Ou talvez meros pretendentes a Bourbons dos trópicos, já que eles não perdoam, não aprendem e também não se enxergam?     

O Brasil resiste

Paulo Moreira Leite, em seu blog
Passamos os últimos dias ouvindo advertências em tom sisudo sobre a economia brasileira. Comentei ontem que não faltam consultores ligados à oposição que enxergam uma catástrofe do tamanho de seus interesses e não da realidade. Erraram de novo.

Os dados divulgados pelo IBGE mostram que o desemprego em abril ficou em 6%, uma taxa um pouco menor do que março e uma das menores da história.
Já a renda média do trabalhador sofreu uma contração de 0,4% em um mês, mas chegou a um patamar 6,2% superior ao de abril de 2011.

Estes dados mostram um país que resiste e não quer entrar em recessão. São números que devem ser levados em conta pelo governo, pela oposição e pela população em geral.

Embora num ritmo menor, o crescimento continua. Se há um consenso de que no início de 2011 o governo exagerou nas medidas macro prudenciais de combate à inflação e esfriou a economia sem necessidade, os números do IBGE mostram uma recuperação.

Nesse ambiente, as medidas de estímulo que vem sido anunciadas nos últimos dias têm chances de funcionar, para decepção dos comentaristas que se tornaram especialistas em ironizar os 4,5% de crescimento anunciados por Guido Mantega no início do ano.

Parece cada vez mais difícil que o país consiga crescer 4,5% em 2012. Mas a insistência dos adversários do governo em apresentar qualquer  número abaixo deste como uma derrota tem outra finalidade.

O objetivo é pressionar o governo para afastar-se dos compromissos que garantiram a aprovação popular de Lula e Dilma: crescimento e melhora na renda.

Em relação aos salários, nas seis maiores regiões metropolitanas a alta foi de 8%. O vencimento de empregadas domésticas subiu 11%, os chamados “outros serviços” cresceu 10% e no comércio a alta foi de 9%.

Quem acompanha o debate entre empresários, economistas e analistas em geral, já ouviu o argumento de que a situação chegou a um limite e que não é possível manter a mesma política. Acham que cederam demais. Já falam em mudar a legislação trabalhista sem oferecer contrapartidas aceitáveis para os assalariados.

Podemos aguardar pela nova fase do debate. Com sua popularidade recorde, Dilma será acusada de não tomar medidas impopulares para não perder apoio.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

UMA GERAÇÃO FRACASSADA?



O professor Vladimir Safatle
Recentemente o professor Vladimir Safatle, da USP, escreveu um artigo intitulado A geração que quebrou o mundo, no qual ele diz que, aos 40 anos, lembra que, quando tinha 20, ouvia dizer que não havia mais luta política, que o mundo estava globalizado e que o que valia era a eficácia, a capacidade de assumir riscos, de ser criativo, inovador, de preferência em alguma agência de publicidade ou departamento de marketing. Contestação era coisa da geração de 1968, completamente superada e defasada. Se assumissem essa “nova realidade”, diz Safatle, as pessoas entrariam num futuro radiante onde só haveria vencedores, raves e os que ficassem para trás teriam um “problema moral” pelo fato de não assumirem riscos e a necessidade de inovar constantemente. Não por acaso, Steve Jobs é o ícone dessa geração, que defendia uma autêntica sociedade da “destruição criativa” de que falava o economista Joseph Schumpeter, acrescento eu.

Muita gente que acreditou nesse discurso há 20 anos acabou indo trabalhar no sistema financeiro (e alguns na mídia, acrescento eu). Safatle diz que eles – a sua geração – simplesmente conseguiram quebrar a economia mundial em 2008. Como epígonos de Hayek e Milton Friedman, insistiam que “não havia alternativa” ao modelo neoliberal globalizado e que as manifestações populares de protesto eram meras relíquias do passado pré-globalização. Mas, quando veio a crise, saíram correndo em busca da salvação do Estado que eles queriam mínimo. E hoje, os bancos que há três anos estavam prestes a quebrar, principalmente na Europa, estão superavitários, enquanto que os Estados vivem uma grave crise fiscal. Mas os banqueiros e o sistema financeiro internacional querem que milhões de trabalhadores tomem doses cavalares de austeridade, percam o emprego e suas economias para que Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália paguem os juros da dívida e não afugentem os investidores. Não aprenderam nada.   

OS SENHORES DAS ARMAS


O Conselho de Segurança da ONU mantém congelada uma hegemonia nascida da relação de forças de 1945. E, não por coincidência, EUA, China, Rússia, Reino Unido e França são os maiores vendedores de armas do planeta.  


Anistia Internacional defende tratado sobre comércio de armas e critica Conselho de Segurança


ONG questiona membros permanentes do Conselho, que são grandes exportadores de armamentos

Do Operamundi

A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional cobrou nesta quarta-feira (23) a aprovação de um tratado para regular o comércio de armas de fogo durante conferência da ONU, que será realizada no próximo mês de julho na sede das Nações Unidas em Nova York.Em seu relatório anual O Estado dos Direitos Humanos no Mundo, que compila violações cometidas em 155 países e territórios no ano de 2011, a organização não-governamental afirma que somente com aprovação de um tratado “realmente robusto”, os países-membros sinalizarão “levar a sério suas responsabilidades como atores internacionais”.

As discussões sobre um tratado que regule o comércio global de armas convencionais – que incluem desde navios de guerra e tanques até jatos e metralhadoras – tiveram início em 2006, quando a Assembleia Geral da ONU solicitou que os países-membros apresentassem propostas sobre o tema.

Três anos depois, eles concordaram em realizar em 2012 uma conferência para “elaborar, nos padrões internacionais mais altos, um instrumento legal para a transferência de armas convencionais”.

No documento, a AI defende a aprovação de um tratado que impeça a transferência de todos os tipos de armamentos. Ela inclui armas de pequeno porte, leves e munição, para países onde existam suspeitas de que elas possam ser usadas para cometer violações aos direitos humanos.

Para que isso ocorra, na visão da organização, seria necessário que governos fizessem avaliações rigorosas da situação dos direitos humanos em determinados países antes de emitirem licenças para que empresas exportem armamentos.

“Isso seria uma demonstração de que os governos dão mais valor aos direitos humanos e à paz e à segurança internacionais do que aos seus interesses políticos e aos lucros obtidos com o comércio de armas”, diz o relatório.

Interesses

Embora defenda a aprovação de um tratado amplo que restrinja de maneira significativa o comércio global de armas, a organização afirma que ele possivelmente sofreria resistência por parte dos membros-permanentes do Conselho de Segurança da ONU, grupo formado por Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.

 “Juntos, esses países responderam por, pelo menos 70% de todas as grandes exportações de armas em 2010: os EUA com 30%, seguido pela Rússia (23%), a França (8%), o Reino Unido (4%) e a China (3%)”, diz o relatório.

“Em todo o mundo, o fluxo irresponsável de armas vindas desses países provocou inúmeras mortes de civis, bem como outras graves violações dos direitos humanos”.

A atuação do Conselho de Segurança da ONU é alvo de outras críticas por parte da Anistia Internacional.

Para a ONG, o fato de os países-membros não terem conseguido aprovar uma resolução contra o que classifica como “crimes contra a humanidade” cometidos pelo governo sírio, demonstra um “déficit de liderança que faz o Conselho de Segurança da ONU parecer abatido, fora de sintonia e cada vez mais incapaz de cumprir sua função”.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

SERVIDÃO VOLUNTÁRIA?

“Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade, mas a servidão”
Etienne La Boetie, Discurso sobre a servidão voluntária

Enquanto não passarmos a limpo a nossa história, continuaremos a conviver com os fantasmas do passado, como a França, onde até hoje o tema do colaboracionismo provoca polêmica e mal-estar. Abaixo, o texto do prof. Francisco Carlos Teixeira.   

Resistências, resistências

O acesso aos novos arquivos - na Rússia, na Alemanha, por exemplo - e o ressurgimento do fascismo enquanto movimento de massas, aceleraram as pesquisas sobre as ditaduras europeias contemporâneas e ampliaram as perguntas dos historiadores.

As grandes transformações havidas no cenário político internacional - o fim da Guerra Fria, a Derrubada do Muro de Berlin (1989) e o fim da URSS (1991) e, nos nossos dias, a crise global do capitalismo – permitiram a emergência, por quase toda a Europa, de novos(?) grupos (neo)fascistas. Na Noruega, Grécia, Irlanda, Alemanha até, culminando, na expressiva votação do Front Nationale, na França. Um claro caso de um partido que nega a existência do Holocausto ou defende a validade do uso extenso da tortura pelo exército francês na Guerra da Argélia.

Tais fatos, incontestáveis em si mesmos, implicam no reconhecimento – duro, difícil e resistíamos a fazer – que a extrema direita, em especial em épocas de crise ( como no final dos anos de 1920 e agora ) possuem um amplo auditório ( quase 19% do eleitorado francês ou 7% na Grécia ). O pior de tudo é que não estamos nos referindo a velhinhos decrépitos lembrando seus tempos passados nas SS ou na Juventude Hitlerista. São, no momento, jovens como o terrorista norueguês ou a massa que acompanha o partido “Aurora Dourada”.


O "Duce" também era amado pelas massas italianas
Repensar as ditaduras
Esta presença, com apoio popular, da extrema direita, ditatorial e violadora de todos os direitos, civis ou humanos, da sociedade moderna, nos obrigada a rever teses clássicas sobre os fascismos e as ditaduras do século XX. Em especial, nos obriga a pensar se, de fato, os fascistas de então (na Europa) ou os militares dos anos de 1960 (na América Latina) eram, de fato, uma minoria. Seria bom, apaziguador, pensar que apenas uma minoria apoiou as ditaduras. Contudo, uma análise de jornais de época – como já foi exposto aqui na Carta Maior – de documentos de empresários, sindicatos, manifestos de professores e das Igrejas mostram que uma parcela não desprezível da sociedade deu seu apoio aos regimes ditatoriais.

Em alguns casos, e não foram poucos, membros da sociedade civil, profissionais estabelecidos, como no caso da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, delataram, intrigaram, mentiram para incriminar colegas, organizando e fornecendo aos órgão de repressão listas de colegas de trabalho. Este foi, também, o caso da FIOCRUZ, o chamado “Massacre de Manguinhos”.

E então? Serão só os militares a serem chamados? Serão eles os únicos culpados? Esqueceremos os médicos-legistas, os psiquiatras, os enfermeiros que acompanhavam as torturas para que as vítimas não morressem antes da hora? E os políticos, alguns em cargos de direção da República, ontem e (pasmem!) hoje, e que sabiam das torturas e usaram seus mandatos para defender os torturadores?


A Itália neofascista mostra seus dentes
Resistências?
Tais questões provocaram mudanças substantivas nas análises das ditaduras europeias contemporâneas. O acesso aos novos arquivos - na Rússia, na Alemanha, por exemplo - e o ressurgimento do fascismo enquanto movimento de massas, aceleraram as pesquisas sobre o tema e ampliaram as perguntas dos historiadores. Assim, a natureza policial das ditaduras contemporâneas - a própria imagem do Estado SS ou do complexo policial no fascismo - veio à tona. O surgimento na cena histórica das resistências internas e das oposições passivas abriu caminho para o questionamento de várias análises clássicas sobre a coesão e a amplitude da aceitação das ditaduras contemporâneas [1].

O traço comum no conjunto destes trabalhos - seja no Brasil, seja na Europa - é a irrupção de novos personagens na cena histórica, para além das determinações estruturais de caráter econômico que marcaram por mais de quarenta anos a maioria dos trabalhos sobre o tema (como as teses sobre relação onipresente entre Vargas e a industrialização ou fascismo e grande capital) ou de caráter político (as teses sobre Estado Novo e o atrelamento da classe operária e atrelamento dos trabalhadores) [2]. Assim, ora a multidão anônima, ora os indivíduos e as formas alternativas de participação e resistência, são chamados para contar sua história, o dia a dia frente à violência e o poder de “sedução” – expresso em ganhos materiais, no afastamento de rivais ou no afã de prestar serviços ao poder - das ditaduras modernas. No caso dos fascismos desempenhou importante papel nesta reinterpretação os trabalhos dos historiadores voltados para a chamada “Alltagsgeschichte” e, para a história das ditaduras sul-americanas, trabalhos de historiadores como Maria Helena Capelato, Denilse Rollemberg, Samantha Quadrat e Jorge Ferreira.

No quadro do estudo dos fascismos a irrupção de uma história cotidiana sob a ditadura – a chamada “Alltagsgeschichte” – trouxe à luz os pequenos atos, a resistência passiva, a desobediência como formas de agir político, mesmo quando não resultando numa clara opção pela rebeldia. Entretanto, os historiadores não são acordes quanto ao uso, e o conteúdo, dos conceitos em questão, em especial na definição do que seria “resistência”. Para alguns, chamados de “fundamentalistas”, só poderíamos falar em “resistência” (“Widerstand”, em alemão) quando se tratava de ações organizadas de superação do regime. Neste sentido, restritivo, “resistência” teria sido um fenômeno histórico de muito menor alcance no Terceiro Reich (e em praticamente todas as ditaduras). Outros, chamados de “tendência societal”, identificam como “resistência” todo fenômeno de dissidência ou dissentir (no sentido de “dissent in everyday life”) praticado sob uma ditadura. Para Martin Broszat, importante historiador alemão, por exemplo, deveríamos distinguir, numa escala crescente entre “dissidência”, “oposição” e “resistência” (“Resistenz”) em vista de um melhor entendimento da capacidade de convencimento, ou repressão, das próprias ditaduras [3].

No caso italiano desempenhou um papel extremamente relevante o trabalho de Vitoria di Grazia ao relacionar convencimento, resistência e as organizações de lazer do fascismo italiano[4].


Marcha da Família com Deus: classes médias apoiam o golpe de 64 
Resistência e colaboração
Entre nós um grupo importante de pesquisadores da UFF, com Daniel Aarão Reis, Samantha Viz Quadrat, Denise Rollemberg após revisar minuciosamente as temáticas da relação ditadura versus resistência, passaram a colocar maior ênfase no fenômeno da colaboração/aceitação pela sociedade civil dos regimes ditatoriais e, dessa forma, abriram novas perspectivas para o debate das relações entre sociedade civil e estado, em especial na América latina.

No caso brasileiro, o debate sobre a autonomia da “comunidade de informações”, as disputas no interior da burocracia de Estado – a percepção, por funcionários públicos e arrivistas de todos os tipos, de que as ditaduras representavam a “hora do acerto de contas” para velhas disputas de poder local ou institucional ( que antecediam a própria ditadura ) ou mesmo um atalho para a promoção e o sucesso na carreira – como foi o caso na UFRJ -, eliminando rivais mais habilitados –, o recurso a delação como forma de resolver litígios não-políticos ou ideológicos, e mesmo uma forma de premiação, seria um dado importante para estudar a colaboração nos regimes ditatoriais.

O problema aqui seria superar tradições arraigadas neste tipo de estudo: de um lado, a insistência de heroicizar o conjunto da sociedade como vítima do Estado – enquanto boa parte da sociedade, como a grande mídia, em verdade apoiaram e celebraram o golpe - e nivelar todos como “heróis da resistência”. 

Logo após a derrubada ou colapso das ditaduras, e uma quase regra histórica, dá-se uma imensa corrida para perfilar o maior número de pessoas como “resistentes”. É comum, mesmo, que o próprio poder emergente se recuse a distinguir entre resistentes e colaboradores, na tentativa de evitar “novas divisões”, criar uma ampla frente de “unidade nacional”, recobrindo a história com uma pátina de chumbo.

Muitos, desavergonhadamente, ainda bradam contra o “revanchismo”.

Foi assim na Europa: a curta desnazificação alemã ou o limitado recurso a julgamentos dos “collabos” na França ou a total ausência de desfascistização na Itália, ou o “esquecimento” buscado pelas elites alemães e a resistência dos tribunais espanhóis em reconhecer os crimes do franquismo – emergindo daí a visão do conjunto da “nação, vítima e combatente” [5]. 

Jean-Marie e Marine Le Pen: quase 20% dos votos na França
Os resultados são terríveis: a re-emergência dos fascismos, as acusações contra as vítimas, a busca de encobrimentos e, no limite, a justificação da tortura e de genocídios ( do tipo “era uma guerra” ). Da mesma forma, é inadimissivel que um conhecimento “pré-pronto” ( do tipo “foram os militares” encubra a delação e a colaboração de segmentos importantes da sociedade civil). Assim, nós, vamos acusar tão somente os protagonistas? Enquanto, aqueles que lucraram, ganharam e participaram ativamente das ditaduras como delatores e “fabricantes de dossiês” ficaram, ainda uma vez no anonimato?

NOTAS
[1] Além do já citado texto de Ayçoberry poderíamos destacar, nesta nova perspectiva, os seguintes trabalhos: SANDVOb, Hans-Rainer. Widerstand in einem Arbeiterbezirk (Resistência em um bairro operário). Berlin, Gedenkstätte Deustscher Widerstand, 1987; BUSCHAK, Willy. Arbeit in kleinsten Zirkel ( Trabalho em Pequenos Círculos ). Hamburg, Ergebnisse Verlag, 1993; AYAb, Wolfgang. Asoziale im Nationalsozialismus ( Marginais sob o Nacional-socialismo ).
Stuttgart, Klett-Cotta, 1995; REICHEL, Peter. La fascination du nazisme. Paris, Jacob Editions, 1993 e HAASE, Norbert. Das Reichskriegsgericht u. der Widerstand gegen die Nationalsozialistische Herrschaft. Berlin, G. D. W., 1993.

[2] Na historiografia sobre o fascismo esta discussão foi travada em torno da superação das teses, na maioria marxistas, de “Primazia da Economia” na explicação do fascismo ( leia-se, as interpretações que afirmavam ser os fascismos mera ferramenta do grande capital ).

[3] Ver DEFRASNE, Jean. Histoire de La Colaboration. Paris, P.U.F., 1982.

[4] DE GRAZIA, Victoria de. Consenso e cultura di massa nell'Italia fascista. Roma/Bari, Laterza, 1981.

[5] Tais visões da “nação resistentes” e “vítima” foram popularizadas no pós-Segunda Guerra Mundial por grandes produções de cinema que popularizaram o “heroís00mo” coletivo e a “unidade” contra o inimigo. Esta é a versão, por exemplo, do mito gaulista em “Paris está em chamas?” ( Paris brûle-a-til?), de René Clement, 1966 ou da Itália vitimada pelos nazistas e fascistas em “Roma, cidade aberta” ( Roma, città aperta), de Roberto Rosselini, 1945.

(*) Professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

terça-feira, 22 de maio de 2012

CIDADE PEQUENA


Smal Town
(cidade pequena)

Lou Reed


Quando você cresce numa cidade pequena

Quando você cresce numa cidade pequena

Quando você cresce numa cidade pequena

Você diz que ninguém famoso veio aqui

Quando você cresce numa cidade pequena

E está tendo um colapso nervoso

E acha que nunca vai escapar

De você mesmo ou do lugar onde mora

De onde veio Picasso?

Nenhum Michelangelo veio de Pittsburgh

Se a arte é a ponta do iceberg

Eu sou a arte afundada debaixo d’água


Quando você cresce numa cidade pequena

Pele feia, vista fraca – gay e gordinho

As pessoas olham esquisito para você

Quando você está numa cidade pequena

O meu pai trabalhava com construção civil

Eu não sirvo para isso

Ah – e pra que é que você serve?

Sumir daqui


Eu odeio ser esquisito numa cidade pequena

Se é pra ficarem olhando que fiquem olhando em Nova York

Esse pintor albino de olhos cor de rosa

Até onde poder ir minha fantasia?

Eu não sou um Dali de Pittsburgh

Nem um Capote de encantador cicio

Meu herói – ah, você acha que podia encontrar com ele?

Eu era capaz de acampar na frente da casa dele


Só tem uma coisa boa em uma cidade pequena

Só tem uma coisa boa em uma cidade pequena  

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Você sabe que quer sair


Small Town Lou Reed e John Cale in Songs for Drella

segunda-feira, 21 de maio de 2012

A GUERRA CONTRA OS FRACOS NASCEU NOS EUA


Os Estados Unidos são tidos como um dos países onde a democracia nasceu e criou raízes. Isso é verdade, mas frequentemente se esquece que essa mesma democracia, que garantiu as liberdades individuais e civis, tinha aspectos oligárquicos. Tanto que o país conviveu com a escravidão por quase cem anos e depois disso com uma política de apartheid nos estados sulistas que duraria até os anos 1960 do século passado. Mas há uma coisa que poucos sabem: durante 74 anos, a democracia americana tinha leis que autorizavam a esterilização compulsória de pessoas consideradas “incapazes” ou “inferiores” – fossem negros, deficientes mentais ou mulheres. A isso se dá o nome de eugenia, prática de “purificação racial” hoje condenada e que normalmente é associada ao nazismo, mas que nasceu na Inglaterra e foi aplicada nos EUA e – pasmem! – na Suécia. Nos EUA, cerca de 60 mil cidadãos americanos foram esterilizados entre 1929 e 1979 e muitos sequer foram informados de que estavam sendo submetidos a essas operações. Entre eles, 48% eram mulheres e 40% negros ou indígenas. A progressista Califórnia foi o estado que mais adotou essa medida, esterilizando cerca de 20 mil – um terço do total.  


Em 2004 fiz uma resenha para a IstoÉ de um livro, A Guerra contra os Fracos, de Edwin Black, que retrata essa tragédia 

As raízes do Holocausto 
Adolf Hitler copiou de eugenistas americanos política que eliminava "raças inferiores" 

Cláudio Camargo
Algumas palavras ficaram tão associadas a crimes aberrantes que simplesmente desapareceram do vocabulário corrente. É o caso da “eugenia” ou “higiene racial”, um movimento racista e pseudocientífico surgido no início do século XX que classificava as pessoas segundo a hereditariedade, esterilizando os “incapazes” (doentes mentais, epilépticos, alcoólatras, criminosos comuns, deficientes visuais, pobres, mas também negros, judeus, poloneses...) com o objetivo de preservar e ampliar a “raça superior”, branca e nórdica. Embora tenha sido aplicada em escala industrial e genocida apenas na Alemanha nazista, a eugenia tomou corpo e ganhou forma e robustez nos EUA. Os epígonos de Hitler apenas copiaram e universalizaram o modelo. Essa incrível história, pouco conhecida, é contada agora, num minucioso relato, em A guerra contra os fracos – a eugenia e a campanha norte-americana para criar uma raça superior, do jornalista americano Edwin Black. 

Nos domínios de Tio Sam, berço da democracia moderna, a eliminação de grupos étnicos indesejáveis não foi perpetrada por sinistras tropas de assalto, como no III Reich, mas por “respeitados professores, universidades de elite, ricos industriais e funcionários do governo”. Criada na Inglaterra no século XIX pelo matemático Francis J. Galton, a eugenia (composta do grego “bem nascido”) atravessou o oceano e encontrou campo fértil em terras americanas. Sob a batuta do zoólogo Charles Davenport, o movimento eugenista obteve apoio de instituições renomadas, como a Carnagie Institution – que montou a primeira empresa de eugenia em Long Island –, da Fundação Rockefeller e de uma plêiade de acadêmicos, políticos e intelectuais. 

O movimento cativou tanto a elite americana da época que, a partir de 1924, leis que impunham a esterilização compulsória foram promulgadas em 27 Estados americanos, para impedir que determinados grupos tivessem descendentes. Uma vasta legislação proibindo ou restringindo casamentos também foi criada para barrar a miscigenação. Confrontada com tamanha violação dos princípios da Constituição americana, a Suprema Corte deu sua bênção à eliminação dos mais fracos. “Em vez de esperar para executar descendentes degenerados por crimes, a sociedade deve se prevenir contra aqueles que são manifestadamente incapazes de procriar sua espécie”, disse o juiz Oliver Wendell. Entre os anos 1920 e 1960 pelo menos 70 mil americanos foram esterilizados compulsoriamente – a maioria mulheres.
 
Edwin Black, que ficou famoso em 2001 com o best-seller A IBM e o Holocausto, lembra que a cruzada eugenista de Tio Sam não foi apenas um crime doméstico. “Os esforços americanos para criar uma superraça nórdica chamaram a atenção de Hitler.” Antes da guerra, os nazistas praticaram a eugenia com total aprovação dos cruzados eugenistas americanos. Não sem uma ponta de inveja, claro: “Hitler está nos vencendo em nosso próprio jogo”, declarou em 1934 Joseph DeJarnette, superintendente do Western State Hospital, da Virgínia. 

Desmascarado pelo genocídio hitlerista, o antes arrogante movimento eugenista baixou a guarda. Mesmo assim, entre 1972 e 1976, hospitais de quatro cidades esterilizaram 3.406 mulheres e 142 homens. Muitas mulheres pobres foram ameaçadas com a perda de benefícios sociais ou mesmo a guarda dos filhos. 

Condenada pela comunidade acadêmica em 1977, a eugenia escondeu o rosto e buscou refúgio nos cromossomos da engenharia genética. Mas, assim como no passado a eugenia contaminou causas sociais, médicas e educacionais importantes, hoje ela pode inocular o vírus da intolerância em projetos científicos fundamentais, como o genoma e o processo de clonagem para fins terapêuticos. Afinal, é sabido que, ao brincar de Deus, o homem costuma fazer a obra do diabo. 

JORNALISMO OU MÁ FÉ?


Publico abaixo um esclarecedor artigo do jornalista e ex-preso político Celso Lungaretti sobre mais uma tentativa da Folha de S. Paulo de igualar os atos de resistência à ditadura às práticas de torturas e assassinatos cometidos pelos agentes do Estado.  



O JORNAL DA DITABRANDA VENDE

O MESMO PEIXE PODRE PELA 2ª VEZ!

Celso Lungaretti 


Sempre que estão em evidência no noticiário as atrocidades e execuções perpetradas pelo regime militar, as  viúvas da ditadura  requentam os mesmíssimos episódios de vítimas dos grupos armados, apostando na desinformação dos brasileiros.

Orlando Lovecchio Filho


Realmente, por aqui poucos  sabem que, através dos tempos, TODAS as vezes em que cidadãos comuns pegaram em armas contra tiranias registraram-se erros e acasos infelizes, sem que isto descaracterizasse o fundamental: o fato de uns estarem utilizando a violência DESMEDIDAMENTE para manter o despotismo e outros SELETIVAMENTE para o combater. E a indústria cultural tudo faz para que tal conhecimento continue restrito a minorias.


No Brasil, para contrapor às muitas dezenas de episódios chocantes protagonizados pelas bestas-feras da ditadura, a extrema-direita utiliza invariavelmente os casos de Mario Kozel Filho e Alberto Mendes Júnior –lamentáveis, sem dúvida, mas CIRCUNSTANCIAIS, enquanto os carrascos abrigados no aparelho de estado implementaram uma política DELIBERADA de extermínio dos guerrilheiros, repetindo em menor escala a  solução final  dos nazistas para os judeus.


Em março/2008, o jornalista Elio Gaspari, na Folha de S. Paulo e em outros jornais nos quais sua coluna é publicada, colocou em evidência um terceiro episódio: o do jovem Orlando Lovecchio Filho, que teve a perna amputada depois de atingido pela explosão de uma bomba que a ALN deixou em março/1968 no estacionamento do Conjunto Nacional (av. Paulista), diante do consulado estadunidense em São Paulo.


Na ocasião, ficou esclarecido que Gaspari não só atribuíra o atentado à organização errada (culpava a VPR) e às pessoas erradas (nomeou quatro mas duas eram inocentes, tendo uma delas, Dulce Maia, sido vitoriosa na ação que moveu contra o acusador leviano), mas também que Lovecchio PERDEU A PERNA PORQUE A REPRESSÃO DA DITADURA, SUSPEITANDO QUE ELE PUDESSE SER TAMBÉM UM PARTICIPANTE DO ATENTADO, INTERROMPEU O SOCORRO MÉDICO PARA INTERROGÁ-LO E, QUANDO O LIBEROU, HORAS MAIS TARDE, A GANGRENA JÁ SE ESTABELECERA.


Lovecchio levou à Justiça um dos verdadeiros autores da ação, Sérgio Ferro, e PERDEU!


A derrota judicial se deveu aos relatórios médicos que Ferro apresentou em sua defesa: o primeiro informando que o ferimento de Lovecchio era grave, mas existia possibilidade de recuperação. O segundo, que quando o atendimento foi retomado, horas mais tarde, sua perna já havia gangrenado, o que tornou obrigatória a amputação.


Inacreditavelmente, quatro anos mais tarde o jornal da  ditabranda, neste domingo (20), bate novamente na mesma tecla e  esquece  o que ficou evidenciado em 2008: A CRIMINOSA INTERRUPÇÃO DOS CUIDADOS MÉDICOS A UM FERIDO QUE, AINDA QUE FOSSE UM GUERRILHEIRO ATINGIDO PELA PRÓPRIA BOMBA, DEVERIA TER SIDO SOCORRIDO ANTES DE INTERROGADO.


A nova manipulação jornalística tem o título de Vítima de bomba também espera receber reparação. E gasta muitas palavras para recapitular a explosão, menos o detalhe fundamental que levou a Justiça a rechaçar a acusação de Lovecchio contra Ferro. Constatem:


“…Era 1h30 do dia 19, avenida vazia, lojas fechadas, consulado idem, quando o DKW desceu a rampa do estacionamento. Lovecchio estava com um primo e um amigo de Santos, que o visitavam. Lovecchio estava com um primo e um amigo de Santos, que o visitavam.


Um cano tampado com papel kraft. Saída do prédio. Fumacinha. Acabam aí as lembranças. Lovecchio não ouviu nada, não viu clarão.


Quando acordou, estava deitado no chão, cercado por pessoas perguntando-lhe isso e aquilo. Achou estranho que a sola do sapato estivesse ‘olhando’ para ele.


Os jovens foram os primeiros suspeitos do atentado. Nos jornais dos dias seguintes, a polícia avisava: a explosão podia ser um ‘acidente de trabalho’. Os três do DKW entraram na mira da Polícia do Exército e do Dops.


Internado no Hospital das Clínicas, Lovecchio lutou para controlar a infecção na perna dilacerada. Os pais dele recusavam-se a aceitar a hipótese de amputação. ‘Mas já estava gangrenando’”.


Para quem quiser recapitular a polêmica de 2008, eis os artigos que então lancei, aqui, aqui e aqui.


A narrativa folhetinesca e choramingas, calibrada para indispor os leitores com os antigos resistentes, admite que Lovecchio foi inicialmente tido como suspeito, omite o restante e ainda registra sem comentar que o atentado se deu em plena madrugada, num estacionamento quase vazio.


Ou seja, tanto quanto o carro-bomba lançado contra o QG do II Exército, FOI UMA DESNECESSÁRIA E CONDENÁVEL DEMONSTRAÇÃO DE FORÇA, MAS O PRÓPRIO HORÁRIO ESCOLHIDO ATESTA QUE HAVIA A INTENÇÃO DE NÃO FERIR NINGUÉM.

Mário Kozel Filho


Ignoro se a ALN reconsiderou a conveniência de tais ações, mas a VPR o fez, no Congresso de Mongaguá, em abril de 1969, do qual participei. E dou meu testemunho: a morte do recruta Kozel era bastante lamentada pelos companheiros de origem militar, que estimavam –e muito!– os subalternos. Até por quase todos serem antigos sargentos e cabos, acostumados a ZELAR pelos recrutas, um ano depois continuavam cheios de remorsos.


Sentimento de pesar compartilhado pelo próprio Lamarca, que ainda não ingressara na VPR quando o atentado ocorreu: embora tivesse chegado a capitão, ele identificava-se mesmo é com a soldadesca, afirmando amiúde que se diferenciava dos outros oficiais por ser filho de sapateiro, e não de famílias burguesas ou de classe média.