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quinta-feira, 30 de junho de 2011

A "LEI DE FERRO DA OLIGARQUIA" DOS PARTIDOS


Vilfredo Pareto
A burocratização dos partidos políticos não é um fenômeno recente; há pelo menos cem anos estudiosos debruçam-se sobre o tema. O sociólogo e economista italiano Vilfredo Pareto (1848-1923) afirmava que toda sociedade, em qualquer época histórica, tem uma elite governante e uma maioria de governados. Para ele, nas organizações políticas, que refletem essa realidade, as elites dominantes se distinguem das massas por terem determinadas qualidades que lhes conferem superioridade material, intelectual e moral. A minoria que detém o poder monopoliza as funções políticas e a maioria é controlada por essa elite governante, tanto por meios legais quanto repressivos, dependendo do regime político. O Estado é visto como o instrumento de dominação das elites governantes sobre a maioria governada.


De maneira semelhante, Gaetano Mosca (1858-1941) afirma que esta regra da dominação da minoria sobre a maioria decorre do fato de que a primeira é organizada, enquanto que a segunda mostra-se incapaz disso, o que torna o domínio da minoria sobre a maioria inevitável. Mosca criticava a teoria marxista do advento inevitável da sociedade sem classes. Para ele, onde os comunistas fossem os administradores da coisa pública, tenderiam a se constituír em elite dominante agindo em benefício próprio. Bingo!

Gaetano Mosca

A teoria de Mosca mostrava que a ideia de soberania popular, esteio das democracias e que é expressa pelo sufrágio universal, não passa de um instrumento por meio do qual a minoria eleita legitima-se no poder. A participação do povo nas eleições não significa, efetivamente, que este dirija o governo, nem mesmo que escolha seus representantes. Significa apenas que algumas forças políticas obtêm mandato para controlar a atividades de outras. Não é o eleitor que escolhe seus representantes livremente; ele opta a partir de um conjunto que lhe é dado, de candidatos que representam grupos de minorias organizadas. O representante é que se impõe aos representados.

Mas foi o sociólogo alemão Robert Michels (1876-1936), ex-militante do Partido Social Democrata (SPD), que foi mais fundo na análise da oligarquização das organizações políticas. Suas teorias estão expostas no livro Os Partidos Políticos, que em 2011 completa cem anos. Para Michels, a posição privilegiada da elite provém de sua condição de minoria e de sua capacidade de organização. Se para Mosca a condição de elite dominante pressupõe sua capacidade de se converter em uma força coesa e homogênea, para Michels toda a organização, para preservar sua existência, necessita de uma liderança especializada.

Robert Michels

A teoria de Michels afirma que a tendência à oligarquização é uma dinâmica inevitável decorrente da necessidade de especialização técnica para a gestão das organizações em geral - aqui ele ecoa seu conterrâneo Max Weber. Por meio da especialização das lideranças ocorre um processo de transferência do poder de decisão das bases para a cúpula das organizações. Nesse processo, os representados perdem o controle sobre aqueles a quem transferem o poder. Nos partidos, o processo envolve os militantes (maioria) e os líderes (minoria que lidera). Esse fenômeno Michels chama de “a lei de ferro da oligarquia”.

À medida em que as organizações partidárias crescem e se tornam mais complexas, tende a declinar a democracia interna e a crescer o poder de decisão dos dirigentes. Desta forma, os processos de escolha dos dirigentes partidários vão, paulatinamente, se tornando cada vez mais indiretos, mesmo que seus líderes defendam publicamente um sistema de eleição direta e democrática das direções. Por trás das aparências está o controle, pela elite dirigente, dos mecanismos eleitorais de acesso ao poder. 

Estamos falando de partidos em partidos políticos de massa, com história, ideologia, bandeiras etc. Nada a ver com legendas de aluguel e coisas do gênero. O Partido dos Trabalhadores é um dos poucos partidos brasileiros a merecer este nome. Talvez por isso mesmo não escape da tendência à centralização e à burocratização descrita por Michels. Só isso pode explicar o absurdo da decisão tomada pela cúpula do PT de fechar questão, na reforma política, com a tese de voto proporcional em lista fechada. Num país onde milhões de pessoas foram às ruas, em 1984, para exigir “Diretas Já!”, os iluminados dirigentes petistas querem impingir um sistema que retira ao eleitor o direito de escolher seus representantes – e isso sem entrar na argumentação de Mosca sobre a falácia dessa prerrogativa. O argumento, pífio, de que esse sistema fortalece os partidos é insustentável e até os países que adotaram esse sistema na Europa estão revendo suas posições.

Caso o voto em lista fechada seja adotado aqui, caro eleitor, se você quiser votar num combativo militante do partido, mas ele for o último da lista elaborada pela cúpula partidária e o Antonio Palocci e o Delúbio, por exemplo, forem os primeiros, advinha quem será eleito? Aos eleitores restará apenas a tarefa de dar número para o coeficiente eleitoral do partido e referendar os nomes escolhidos pela cúpula. Depois disso, só falta aprovar o voto distrital e o restabelecimento da monarquia. 

É uma postura lamentável para um partido democrático e de massas que nasceu das lutas dos trabalhadores contra a ditadura militar e que, no poder, apesar dos pesares, implantou o maior programa de inclusão social que o Brasil já teve. Mas é a implacável "lei de ferro da oligarquia". Com perdão do trocadilho, Michels acertou na mosca...    

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A "SERVIDÃO VOLUNTÁRIA" DA NOSSA OLIGARQUIA

Várias informações desconcertantes, algumas vazadas pelo site WikiLeaks, mostram a completa falta de compromisso de determinados setores da sociedade brasileira com a soberania nacional:

1) Logo que assumiu o governo do estado de São Paulo em 2007, José Serra (sempre ele!) foi procurar o embaixador americano no Brasil, Clifford M. Sobel, para “pedir orientações” sobre como lidar com os ataques terroristas do PCC – comando do crime organizado de São Paulo.

O então governador Serra e o embaixador americano Clifford Sobel
Serra teria vários encontros com os americanos em busca de parcerias na área de segurança pública, negociando diretamente com o consulado dos EUA, sem comunicar o Governo Federal. Num desses encontros, Serra perguntou sobre a possibilidade de o DHS (Departament of Homeland Security) treinar fucionários do metrô e da rede de trens metropolitanos para enfrentar ataques e ameaças de bombas.


Nos meses seguintes, Serra voltou a se encontrar com representantes dos Estados Unidos e insistir em parcerias para lidar com o PCC, entre eles o subsecretário de Estado dos EUA para Negócios Políticos, Nicholas Burns. De acordo com relatório de 1º de março de 2007, falou no encontro sobre a “enorme influência” que a organização tem no sistema prisional no estado e pediu ajuda, incluindo tecnologia para “grampear telefones”.

Diante da sugestão de novas parcerias, o subsecretário Burns e o embaixador Sobel ressaltaram que seria importante obter aprovação do governo federal e destacaram que o Ministério de Relações Exteriores, o Itamaraty, “é às vezes sensível quanto a esses assuntos”.


O relatório afirma que “o governo estadual talvez precise de ajuda para convencer o governo federal sobre o valor de ter os Estados Unidos trabalhando diretamente com o Estado”. Serra disse que ele gostaria de falar com a mídia sobre a necessidade dessa ajuda.


2) Grupos ambientalistas paulistas – um coletivo de 60 entidades – fizeram uma teleconferência com integrantes do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) por meio de um advogado para pedir a suspensão do financiamento às obras do Trecho Norte do Rodoanel. A construção dessa obra deverá custar R$ 6,1 bilhões e um terço desses recursos será financiado pelo BID. Os ambientalistas alegam que a obra provocará um grande impacto na mancha urbana e em áreas de proteção ambiental. O BID prometeu pronunciar-se sobre o pedido em uma semana.

3) Quando era diretor de Finanças Corporativas da Vale do Rio Doce, Guilherme Cavalcanti, atual Diretor-Financeiro e de Relações com Investidores da empresa, teria se queixado à embaixada dos Estados Unidos da “ingerência” do então presidente Lula, que queria obrigar a Vale a investir na construção de siderúrgicas e na exploração de cloreto de potássio – vital para fertilizantes – para agregar valor ao minério de ferro. Sobre esse assunto, o veterano jornalista Mauro Santayana escreveu um texto avassalador no Jornal do Brasil – “Os vassalos de Washington”, que reproduzo parcialmente:

“Se o presidente da República fez essa pressão, agiu dentro de sua responsabilidade, e em defesa dos interesses nacionais. É inconcebível que continuemos, como há quase um século, sendo dos principais fornecedores de minérios ao mundo, quando podemos exportar aço. Recorde-se que desde Júlio Bueno Brandão e Artur Bernardes, que governaram Minas há quase um século, uma das exigências dos mineiros era a de que devíamos reduzir o minério em fornos próprios. A Vale do Rio Doce surgiu ao mesmo tempo em que criávamos a Usina Siderúrgica Nacional. Quanto ao cloreto de potássio, trata-se de mineral necessário à produção de fertilizantes, indispensáveis à agricultura brasileira. O Brasil importa 90% de seu consumo, embora disponha de grandes reservas de exploração a céu aberto em seu território.

Alguns dirigentes da Vale vêem o Brasil como um imenso buraco...
Lula, além de exercer o direito de aconselhar esses investimentos, cumpriu seu dever. A Vale só foi privatizada com a salvaguarda de uma golden share, de que o Estado é portador, e lhe dá o direito de veto em decisões que possam comprometer o interesse soberano do Brasil. Assim, não houve ingerência, mas, sim o exercício de uma responsabilidade do presidente da República.


Além do episódio em si, há uma questão muito mais constrangedora para nós, brasileiros. Não é a primeira vez que – de acordo com o WikeLeaks e outras fontes, algumas delas norte-americanas – sabemos que brasileiros se prestam a levar informações sigilosas aos norte-americanos. Há casos em que ministros de Estado não se pejam de discordar dos rumos do próprio governo. O ministro Edison Lobão, segundo os documentos revelados por Assenge, disse aos diplomatas americanos que é partidário da privatização das empresas de energia elétrica. Ele deveria ser questionado pela Presidente da República: se é essa a sua posição, não pode continuar fazendo parte do governo.
Floriano Peixoto e a Revolta da Armada

Podemos tolerar tudo, menos traição. A democracia se faz na luta entre direita e esquerda, entre o capital e o trabalho, entre os neoliberais e os defensores do desenvolvimento autônomo do país. Mas progressistas ou conservadores, heterossexuais ou homossexuais, brancos ou negros, católicos ou protestantes, umbandistas ou budistas, todos os brasileiros temos o dever de fidelidade à Nação. Não podemos prestar vassalagem às potências estrangeiras, sob nenhum pretexto. O exemplo a seguir é o de Floriano Peixoto, que, no alvorecer da República, ameaçou responder à bala a 'ajuda' dos ingleses, na repressão à Revolta da Armada.


É natural que os diplomatas conversem com autoridades dos países em que atuam. Mas é necessário que, com toda a amabilidade, essas autoridades sejam discretas, e não façam revelações que comprometam a soberania nacional, nem o governo a que servem – a menos que o façam com o conhecimento prévio de seus superiores, e com propósito bem definido. É uma regra universal, e não devemos dela nos desviar.

Os acionistas da Vale do Rio Doce terão que chamar seu executivo às falas. É intolerável que admitam atos dessa natureza. São necessárias providências que os impeçam.


Registre-se, no final, que a remuneração dos oito diretores da empresa, incluído seu presidente, prevista para este ano é de mais de R$ 80 milhões. O minério que exportam pertence ao povo brasileiro.

E há quem se queixe dos proventos dos juízes de nossos tribunais superiores.”

terça-feira, 28 de junho de 2011

O RESGATE DE JOSUÉ DE CASTRO


José Graziano da Silva, novo diretor-geral da FAO
 A eleição de José Graziano da Silva como diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) tem todas as condições de se tornar um marco na história da organização. Se isso acontecer, Graziano terá resgatado a memória de Josué de Castro (1908-1973), médico e geógrafo pernambucano, autor de obras-referências sobre a questão: Geografia da Fome (1946) e Geopolítica da Fome (1951). Ele foi presidente do Conselho Executivo da FAO entre 1952 e 1956, onde tentou criar uma reserva internacional contra a fome que aproveitaria o excedente de alimentos das nações desenvolvidas. A falta de interesse dos países ricos fez com que a ideia de Josué de Castro nunca saísse do papel. “Não fomos suficientemente ousados, não tivemos a coragem suficiente para encarar, de frente, o problema e buscar as suas soluções”, disse o geógrafo em seu discurso de despedida do cargo. Perseguido pela ditadura militar, Josué de Castro exilou-se em Paris, onde morreu em 1973. 

Josué de Castro, autor de Geografia da Fome
Nos últimos anos, o Brasil tornou-se referência mundial em políticas públicas de combate à fome e redução da pobreza e é um dos novos atores do concerto das nações. Não à toa, Graziano foi eleito com apoio explícito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, derrotando o espanhol Miguel Ángel Moratinos, o candidato dos países ricos. Como postou o site Carta Maior, "o Brasil conquista assim seu primeiro posto de relevo entre as organizações internacionais. Graziano era o candidato dos países pobres que lutam contra o subdesenvolvimento e o poder neocolonial nos mercados mundiais, sobretudo de alimentos e matérias-primas. Não por acaso, pouco antes da votação, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, sem abrir o voto dos EUA, elogiou o candidato espanhol Miguel Ángel Moratinos, porta-voz da Europa e dos interesses dos países ricos. A vitória brasileira reposiciona o papel da FAO na política internacional. O que se espera agora é um organismo renovado que passe a ecoar, de fato, os interesses Sul-Sul, na luta pelo desenvolvimento, por segurança alimentar e justiça social. Graziano é um crítico da especulação financeira decorrente da desregulação do sistema bancário promovida pelo neoliberalismo. Ao contrário de seu adversário espanhol, em diversos pronunciamentos e artigos ele destacou a influência nefasta dos capitais especulativos na formação dos preços dos alimentos, gerando flutuações abruptas que asfixiam consumidores e produtores dos países pobres."

Curiosamente, num primeiro momento, a mídia nacional deu muito menos destaque à eleição de Graziano do que a mídia internacional, principalmente a europeia. Depois, passou a desqualificar o novo candidato, dizendo que o Fome Zero foi um programa fracassado. Ah, é claro, eu tinha me esquecido: nós não somos "caipiras"; somos "cosmopolitas". Fome é coisa de pobre... 

O INFERNO SÃO OS OUTROS?


Ludwig Feuerbach
Depois de ver uma tal "Marcha para Jesus", em que os participantes protestavam contra a possibilidade da aprovação de uma lei que criminalize a homofobia e contestavam a decisão do Supremo Tribunal Federal de garantir a união civil de pessoas do mesmo sexo; depois de ouvir uma ex-vedete-celebridade que virou católica carismática dizer que homossexualismo é pedofilia (ah, os padres pedófilos são homossexuais, é isso?), só mesmo recorrendo aos bons ofícios de um velho filósofo ateu como Ludwig Feuerbach para colocar a fé e os crentes em seu devido lugar:   

"A natureza da fé como tal é em toda parte a mesma. Essencialmente, a fé condena, dana. Toda bênção, tudo o que é bom, ela amontoa sobre si, sobre o seu Deus, como o amado sobre a sua amada; toda a maldição, toda desgraça e mal, lança ela à descrença. Abençoado, querido de Deus, participante da eterna felicidade é o crente; amaldiçoado, expulso de Deus e repudiado pelo homem é o descrente, pois o que Deus repudia o homem não pode aceitar, não pode poupar; isso seria uma crítica do juízo divino. Os maometanos aniquilam os descrentes com fogo e espada; os cristãos com as chamas do inferno. Mas as chamas do além já penetram no aquém para iluminar a noite do mundo descrente. Como o crente já antegoza aqui as alegrias do céu, então já devem também aqui, para antegosto do inferno, arder as chamas do atoleiro infernal, pelo menos nos momentos do mais alto entusiasmo de fé. [...] O princípio 'amai vossos inimigos' só se relaciona com inimigos pessoais, mas não com inimigos públicos, inimigos de Deus, os inimigos da fé, os descrentes. 

O Inferno de Dante, ilustração de Gustave Doré (1832-1883)

[...]   

"A fé é um fogo devorador implacável para o seu oposto. Este fogo da fé contemplado como um ser objetivo é a ira de Deus ou, o que dá na mesma, o inferno, pois o inferno tem notoriamente sua base na ira de Deus. mas a fé possui este inferno em si mesma, em seu juízo de condenação. As chamas do inferno são apenas as centelhas do olhar aniquilador e furioso que a fé lança sobre os descrentes.    

[...]

 "A fé só conhece inimigos ou amigos, nenhuma imparcialidade; ela só se preocupa consigo mesma. A fé é essencialmente intolerante - essencialmente, porque com a fé está sempre necessariamente ligada a ilusão de que a sua causa é a causa de Deus, a sua honra é a honra de Deus. O Deus da fé é em si somente a essência objetiva da fé, a fé que é objeto para si mesma. Por isso se identifica também no espírito e na consciência religiosa a causa da fé com a causa de Deus. O próprio Deus participa: o interesse do crente é o mais íntimo interesse do próprio Deus. 'Quem vos toca', lê-se no profeta Zacarias, 'este toca a sua (do Senhor) menina dos olhos'. O que ofende a fé ofende Deus, o que nega a fé, nega o próprio Deus." 

Ludwig Feuerbach, A essência do Cristianismo   

sexta-feira, 24 de junho de 2011

FRANKFURTIANAS II


Adorno e Horkheimer
Continuação do texto do prof. Renato Ortiz:


“Mesmo se tomássemos todas as precauções seria difícil escapar a uma comparação. A desconfiança com que os frankfurtianos vêem a massa encontra certamente um antecedente neste tipo de literatura. Por isso Galvano della Volpe irá classificar o texto sobre o Iluminismo como um escrito ‘tardo-romântico’. Nele reencontramos pontos que aparecem explicitamente em Ortega y Gasset. Sabemos que Adorno considera o ouvido como uma metáfora que simboliza o refúgio espiritual em relação ao processo de massificação. Entre todas as manifestações culturais ele escolhe sempre a música como exemplo a ser analisado. Contra Benjamin, que considera o olho como órgão privilegiado da sensibilidade moderna, Adorno afirma que o filme se adapta melhor ao nacionalismo burguês. ‘Comparado com o olhar, escutar é arcaico e permanece um passo atrás da tecnologia. Poderia se dizer que reagir com o ouvido inconsciente, no lugar da apreensão ágil do olho, é uma maneira de estar em contradição com a era industrial avançada’. Mas é com o mito de Ulisses, que a metáfora da audição, encontrada em Gasset, se explicita melhor. Ulisses, ao tapar os ouvidos dos remadores, ao ser atado pelos marinheiros ao mastro do navio, pôde escutar o canto das sereias sem ser enfeitiçado por elas. Adorno e Horkheimer o consideram portanto como um precursor do Iluminismo uma vez que ele recusa atender o chamado de uma outra ordem que põe em risco a racionalidade do seu próprio mundo. Na sociedade industrial nosso herói mítico não mais necessitaria de fechar seus ouvidos, ele seria incapaz de reconhecer a música das sereias. ‘Hoje a regressão das massas consiste na incapacidade de ouvir o que nunca foi ouvido, de palpar com as próprias mãos o que nunca foi tocado’ (Adorno & Horkheimer). O homem massa seria portanto aquele que se conforma com a sua pequenez e é incapaz de perceber o que se encontra além dele. 
Oswald Spengler


Não é suficiente apontar o que há de comum a duas tradições de pensamento, importa ainda entender como isto é possível. Quando a Escola se ocupa do Iluminismo ela encontra um terreno já ocupado pelos românticos e pela literatura conservadora. No entanto ela leva a sério essas críticas e procura integrá-las dentro de uma perspectiva marxista. Para que isto ocorra, é necessário que os autores se contraponham à corrente marxista clássica, dominante na política e nas análises da sociedade. Horkheimer afirma, por exemplo, que um dos erros de Marx é pensar que a consciência será livre com o avanço das forças produtivas; para ele Marx não percebe que a desintegração da sociedade ‘antecipa suas sombras e que dessa maneira os homens regressariam a um estado mais bárbaro, cruel e primitivo’. Contrariamente à perspectiva que privilegia o progresso e a evolução da humanidade, principalmente Adorno e Horkheimer, preferem se voltar contra o barbarismo que eles identificam no processo civilizatório.

Não é por acaso que Adorno retoma o tema da regressão ao estado primitivo em seus comentários sobre Veblen; o que lhe interessa neste autor é perceber como ele denuncia o caráter bárbaro da cultura moderna. Mas é certamente nos comentários sobre a atualidade de Spengler e de seu livro A Decadência do Ocidente, que podemos discernir com clareza a posição dos autores. Mesmo divergindo de sua filosofia, Adorno enfatiza sua perspectiva de reversão do movimento histórico, como um antídoto ao otimismo liberal ou marxista. Adorno dirá em sua crítica ao marxismo: "para os adeptos do materialismo histórico, a ideologia liberal lhes parecia uma falsa premissa. Seus porta-vozes questionavam não a idéia de humanidade, liberdade e justiça, mas, sobretudo advogavam que a sociedade burguesa tinha realizado essas idéias. Para eles as ideologias eram mera aparência, mas aparências que continham verdades... Falar do crescimento dos antagonismos e admitir a possibilidade real da regressão ao barbarismo não era tomado suficientemente à sério... Conceitos como cultura continuam sendo aceitos no seu sentido positivo, sem que ninguém suspeite a dialética que o envolve, ou o fato que a categoria específica massa, é um produto da fase recente da sociedade, que transforma simultaneamente a cultura num sistema de arregimentação’ (Adorno). Em outro texto, Adorno retoma a mesma argumentação: ‘o irracionalismo da decadência denunciou a ausência da razão da razão subjugadora. Para ele a felicidade privada, arbitrária, privilegiada, é sagrada, porque é a única que garante o refúgio’. Não se trata, pois, de uma simples crítica ao progresso, a sociedade industrial é pensada como um retrocesso a um estágio inferior.”

FRANKFURTIANAS I

Uma profunda reflexão sobre a Escola de Frankfurt e o fenômeno das massas pelo professor Renato Ortiz, sociólogo e antropólogo da Unicamp:



Gustave Le Bon

O conceito de massa não é inventado pela Escola, ele vem marcado por uma herança em relação à qual muitas vezes os autores têm dificuldade de se diferenciar. Existe toda uma literatura que procura associar o advento da sociedade de massas ao tema da decadência. Gustave Le Bon (1913) e Ortega y Gasset são seus representantes mais expressivos. Le Bon foi talvez um dos primeiros a abordar o problema. Ele via na multidão moderna uma massa indiferenciada de pessoas na qual a vontade individual estaria completamente anulada diante do comportamento coletivo, o qual teria sua origem simplesmente no fato das pessoas estarem aglomeradas em um determinado espaço físico A multidão possuiria por assim dizer uma ‘alma coletiva’ na qual o heterogêneo se diluiria no homogêneo, fazendo com que todos agissem da mesma maneira. Le Bon associava ainda a multidão ao perigo de sublevação contra a ordem vigente e a vinculava à contestação do movimento operário do final do século. As massas seriam amorfas, elas não possuiriam vontade própria e necessitavam de ser conduzidas por um líder carismático. O livro de Le Bon, fiel a uma perspectiva cíclica da história termina de maneira apocalíptica: ‘A plebe reina e os bárbaros avançam. A civilização pode ainda parecer brilhante desde que ela conserve a fachada exterior criada por um longo passado, mas ela é na realidade um edifício verminoso que nada sustenta e que se destruirá com a primeira tempestade. Passar da barbárie à civilização em busca de um sonho, depois declinar e morrer desde que este sonho perca sua força, este é o ciclo da vida de um povo’ (Le Bon, 1913, p. 180).

Seria descabível dizer que o conceito utilizado pela Escola é o mesmo de Le Bon. Adorno e Horkheimer, quando contra-argumentam com o autor, apontam para o fato de ele muitas vezes esconder posições ideológicas de caráter nitidamente conservador em relação à classe operária. Eles também rejeitam a afirmação que a multidão se definiria por uma ‘alma coletiva’ que se constituísse numa espécie de segunda natureza do homem. Com relação a esse ponto os frankfurtianos opõem Freud a Le Bon, e mostram que o comportamento do homem na massa se origina não do fato deles estarem reunidos, mas só pode ser compreendido quando se toma a formação do ego dos indivíduos que compõem a multidão. Não obstante existem pontos em comum que serão retomados pela crítica frankfurtiana. O primeiro, não diz diretamente respeito ao nosso estudo sobre a cultura, mas é importante sublinhá-lo. A análise que Le Bon faz da sugestibilidade das massas e sua manipulação pelos líderes carismáticos encontra um paralelo nos estudos sobre o nazismo. O segundo, que associa a noção de massa à dissolução do heterogêneo no homogêneo, e o advento da sociedade de massas à barbárie, terão a meu ver uma influência importante nos autores da Escola. Para compreendê-los creio, no entanto, que deveríamos nos voltar para os escritos de Ortega y Gasset.

Ortega y Gasset, autor de "A Rebelião das Massas"

Quando Gasset publica na década de 30 seu livro sobre A Rebelião das Massas, ele amplia a definição proposta por Le Bon. Ao considerar a massa um fator psicológico, e não mais coletivo, ele passa da noção de multidão para a de homem médio. As mesmas características anteriores – mediocridade, falta de vontade própria, uniformidade – podem agora ser encontradas não mais nos aglomerados públicos, que para Le Bon eram fundamentais para se criar um clima de sugestão massiva. Vivendo no seu isolamento o homem massa reproduziria as qualidades negativas que fariam parte do próprio ser individual. A crítica de Gasset, como a anterior, possui um conteúdo político claro, e ao colocar o homem médio como produto histórico da democracia e do liberalismo, ele se contrapõe ao processo de democratização na sociedade liberal. Ela se apoia ainda na diferença entre uma minoria culta e uma maioria inculta. Reagindo contra a audácia desta maioria em se rebelar contra a sua própria natureza, o de ser comandada, daí o título de seu livro, Gasset dirá: ‘o característico do momento é que a alma vulgar tem o despropósito de afirmar o direito da vulgaridade e a impõe aonde quer’. O homem massa se caracterizaria portanto por sua vulgaridade e pela sua medianidade que uniformizaria as diferenças culturais na homogeneidade da massa; por isso o autor dirá que ele odeia o que não é ele mesmo. O diagnóstico elaborado é claro: ‘hoje o homem médio tem as idéias atualizadas sobretudo do que acontece e deve acontecer no universo. Por isso perdeu a capacidade de audição. Para que ouvir se já possui dentro dele o que faz falta? Já não há mais razão para escutar, mas ao contrário, de julgar, de sentenciar, de decidir’ (Ortega y Gasset). Novamente vamos encontrar o tema do retrocesso cultural que Le Bon tinha anunciado; a civilização atual seria a manifestação do espírito da barbárie e da decadência".

terça-feira, 21 de junho de 2011

A TINA OU A TIA?

TINA - "There is no alternative" (não há alternativa) era a palavra de ordem empunhada por Margaret Thatcher e os neoliberais há mais de 20 anos. O fim da Guerra Fria e a globalização reforçaram a crendice livre- cambista que tinha sido enterrada pela Grande Depressão de 1929 e a Segunda Guerra Mundial. A grave crise econômica que vem assolando o planeta desde 2008 colocou em xeque o Consenso de Washington, mas os mercados financeiros continuam agarrados às velhas fórmulas, sangrando países e povos para manterem suas margens de lucros. Enquanto isso, jovens protestam nas ruas da Europa contra a submissão dos governos ao deus-mercado. Quando pedem "democracia real, já" indicam que, em vez da TINA, querem a TIA: There is an alternative (há uma alternativa). Abaixo, um artigo sobre o tema publicado no jornal francês Libération:        


Uma contra-revolução silenciosa em curso na Europa


“A nova Governança Europeia visa colocar sob maior vigilância os orçamentos nacionais para reforçar as sanções contra os estados em déficit excessivo e limitar o crescimento dos gastos públicos. O pacto para o euro visa aumentar a flexibilidade do trabalho para evitar aumentos de salários e reduzir os gastos com a proteção social. A Grécia está no seu terceiro plano no espaço de um ano e viu a sua dívida e o seu déficit crescerem ao ritmo do empobrecimento da população. O mesmo destino aguarda a Irlanda, Portugal e Espanha. O artigo é de Thomas Coutrot, Pierre Khalfa, Verveine Angeli e Daniel Rallet.

Thomas Coutrot, Pierre Khalfa, Verveine Angeli e Daniel Rallet

Está para ser aprovado no Parlamento Europeu um pacote de seis propostas legislativas para uma nova política econômica da União Europeia. Enquanto isso, os governos europeus subscreveram em março um ‘pacto para o euro.’

Do que se trata? A nova Governança Europeia visa colocar sob maior vigilância os orçamentos nacionais para reforçar as sanções contra os estados em déficit excessivo e limitar o crescimento dos gastos públicos. Uma medida já tomada completa o dispositivo, o"semestre europeu", que pretende apresentar ao Conselho e à Comissão os orçamentos dos estados antes mesmo de serem discutidos pelos parlamentos nacionais. O pacto para o euro, seguindo a proposta Merkel-Sarkozy de estabelecer um pacto de competitividade, visa, nomeadamente, aumentar a flexibilidade do trabalho, para evitar aumentos de salários e reduzir os gastos com a proteção social.

Essas medidas são tomadas em nome de um argumento de aparente bom senso. Os Estados não podem pedir ajuda à União se não houver regras. Mas, na ausência de qualquer debate democrático sobre as políticas econômicas a adoptar, as atuais medidas acabam por enfraquecer os parlamentos nacionais em benefício dos Ministérios das Finanças e da tecno-estrutura europeia. E de que ajuda se trata? Os montantes emprestados pela União são obtidos nos mercados a juros relativamente baixos e emprestados aos Estados que estão em dificuldades a taxas de juros muito mais elevadas. É o povo que paga o preço mais alto com a implementação de planos de austeridade drástica, arruinando qualquer hipótese de recuperação econômica. Prova disso é o exemplo patético da Grécia, agora no seu terceiro plano no espaço de um ano, que viu a sua dívida e o seu déficit crescerem ao ritmo do empobrecimento da população. Enquanto isso, os bancos podem continuar a refinanciar-se junto do Banco Central Europeu (BCE) com taxas ridículas, e a emprestar aos estados com juros muito mais altos. Assim, em fevereiro, as taxas a dois anos para a Grécia ultrapassaram os 25%. Não são as pessoas que recebem ajuda, são os bancos e os bancos europeus, em particular!

O mesmo destino aguarda agora a Irlanda, Portugal e a Espanha. Mas todos os países europeus são confrontados com o mesmo tratamento. Os governos, o BCE, a Comissão e o Fundo Monetário Internacional (FMI) usam a purga social como os médicos de Molière usavam a sangria. Numa Europa de economias totalmente integradas, onde os clientes de uns são os fornecedores de outros, tais medidas levam a uma lógica recessiva e, portanto, a uma redução das receitas fiscais que vai alimentar ainda mais os déficits. Socialmente desastrosas, são economicamente absurdas.

Mas, dizem-nos, não havia outra opção. É preciso ‘assegurar os mercados.’ Reconhecemos aqui o argumento final, o famoso ‘Tina’, que foi, a seu tempo, empregue por Margaret Thatcher: ‘There is no alternative.’ Na verdade não há alternativa, se continuarmos a submeter-nos aos mercados financeiros. Este é o ponto cardeal e o ponto de partida de qualquer política. Como tal, para a votação do Parlamento Europeu marcada para junho, esperamos que os partidos da esquerda europeia se recusem claramente a votar em propostas com consequências dramáticas para a população.

É possível – e hoje é indispensável – uma verdadeira ruptura: ela vai consistir não em ‘tranquilizar os mercados’, mas organizar o seu desarmamento sistemático, começando por lhes retirar o primeiro instrumento de chantagem, a possibilidade de especular com as dívidas públicas. Antes da crise, a origem da dívida estava na queda de receitas devida aos benefícios fiscais feitos às famílias mais ricas e às empresas. No momento da crise financeira, os Estados foram forçados a injetar quantidades maciças de liquidez na economia para evitar que o sistema bancário entrasse em colapso e que a recessão se transformasse em depressão. A explosão dos déficits tem, portanto, as suas raízes no comportamento dos operadores financeiros que são a causa da crise.

As dívidas públicas são, em grande parte, ilegítimas e, portanto, uma auditoria pública da dívida permitirá decidir o que será reembolsado ou excluído. O BCE deverá poder, sob supervisão democrática europeia, financiar os déficits públicos conjunturais. Uma reforma fiscal ampla, tanto em nível nacional como europeu, permitirá encontrar espaço de manobra à ação pública. Tais medidas requerem, portanto, vontade política para romper com o domínio dos mercados financeiros sobre a vida econômica e social. Esta vontade política, de momento, não existe. Será preciso impô-la. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, falou de uma ‘revolução silenciosa’ a propósito das medidas tomadas pela União Europeia. Preferimos falar de contra-revolução, mas, ao passo que Durão Barroso rejubila, nós só podemos lamentar o quase-silêncio, especialmente da França, sobre estas questões que são, no entanto, capitais. Como gritam os manifestantes da praça Puerta del Sol: ‘Não é uma crise, é uma ladroagem.’ Essas políticas encostam a União Europeia à parede: está na hora de inventar outra coisa.”

(*) Thomas Coutrot é co-presidente da Attac França; Pierre Khalfa, co-presidente da fundação Copérnico; Verveine Angeli, sindicalista; e Daniel Rallet, sindicalista. Artigo originalmente publicado no jornal francês Libération, em 7 de Junho de 2011.

Publicado no esquerda.net

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O BRASIL É O CANAL?


Análise publicada pelo site Carta Maior:  

“Em abril, o Brasil se tornou o maior comprador mundial de títulos públicos dos EUA. A China ainda é a maior detentora desses papéis, mas a Rússia, que já foi a 2º do ranking, está reduzindo suas posições; hoje tem US$ 125 bi, contra US$ 207 bi do Brasil. A contrapartida da ascensão brasileira é a valorização da moeda nacional, que acumula alta de 40% nos últimos dois anos, com os estragos sabidos: deslocamento de empregos e encomendas ao exterior, via importações crescentes, sobretudo de produtos industrializados. Investidores tomam dinheiro emprestado nos EUA e Japão a taxas próximas de zero e despejam seus recursos em títulos públicos brasileiros que pagam 12,25%. A contrapartida é irônica, se não fosse trágica em suas consequências de curto, médio e longo prazo: sem alternativa diante da valorização cambial que isso acarreta, o BC nativo compra esses dólares para... aplicá-los a juro zero no Tesouro americano, que por sua vez os reintroduz no sistema financeiro de onde retornam ao colosso brasileiro em busca de rendimentos notáveis e que devem aumentar ainda mais, para 12,5% até o final do ano, se depender dos conselhos ortodoxos. Com o espectro do calote rondando a Europa e a recessão persistente nos EUA, não há melhor negócio no mundo. O Brasil é o canal. A economia gerou 252.067 novos empregos em maio; a agência de risco Moody's elevou a sua nota de segurança para o país; somos confiáveis e estamos indo bem. Por essas e outras, o ingresso líquido de moeda estrangeira (em transações comerciais e financeiras) chegou a US$ 39,5 bi neste ano - US$ 15,5 bi superior ao total registrado em todo o ano passado. O BC já comprou US$ 35,8 bi até meados de junho. É mais que o dobro dos US$ 14 bi adquiridos no mesmo intervalo do ano passado. As reservas internacionais cresceram 16% e acumulam US$ 336 bi. Na superfície, a coisa vai de vento em popa. A engrenagem subterrânea, porém, emite rangidos preocupantes. Até quem está lucrando acha que a coisa passou do ponto: 'O país tem que fazer algo para evitar que a moeda se valorize ainda mais. Essa é a realidade', diz Kevin Daly, que ajuda a administrar US$ 6,5 bi aplicados em mercados emergentes na londrina Aberdeen Asset Management (com informações Bloomberg).”


(Carta Maior; 3º feira,21/06/ 2011)

REFÉNS DO CAPITALISMO RENTISTA

A incapacidade política da União Europeia em encontrar uma saída para a crise econômica diferente do receituário monetarista clássico, que premia os especuladores e pune os cidadãos e os países, revela que os centros de poder europeus - estejam eles nas mãos de conservadores ou de socialistas - estão completamente sequestrados pelos interesses do capitalismo financeiro e rentista. Este artigo do economista americano Robert Kuttner, traduzido aqui para o espanhol, mostra como esse comportamento repete a postura suicida do Tratado de Versalhes, de 1919, que privilegiou os interesses do grande capital financeiro, arruinou a Europa e abriu as portas para o fascismo e a II Guerra.     



LA CÁRCEL DE LA DEUDA EN UN CAPITALISMO
EN MANOS DE RENTISTAS IMPRODUCTIVOS

Robert Kuttner (*)
La historia económica está llena de borracheras de euforia financiera seguidas luego de penosas resacas mañaneras. Cuando las naciones se despiertan achacosas por deudas contraídas en guerras financieras, fallidos episodios de especulación o faraónicos proyectos que revelados inútiles, tienen dos opciones. O bien prevalece la clase de los acreedores, a expensas de todos los demás; o bien los Estados encuentran la manera de reducir la carga de la deuda, de manera que la capacidad productiva de la economía consiga recobrarse.


Los acreedores – la clase rentista, en el léxico clásico – son normalmente los ricos y los poderosos. Los deudores, casi por definición, disponen de pocos recursos y de escaso poder. La ‘cuestión monetaria’ en los EEUU del siglo XIX – la cuestión de si el crédito debía ser caro o barato – fue también una batalla entre el crecimiento y la austeridad.


La clase acreedora ve las cosas así: cualquier cosa que no pase por la plena reintegración de lo debido lleva inexorablemente al colapso de la civilización económica. Lo cierto, sin embargo, es que, a menudo, las deudas no son plenamente satisfechas. En el siglo XX, los especuladores perdieron fortunas a causa de que decenas de naciones dejaron de honrar sus deudas. En el siglo XIX, muchos estados federados y muchos municipios norteamericanos quebraron. Los perdedores de guerras y de revoluciones raramente pagan sus deudas. (Los viejos bonos zaristas carecen de valor, salvo en las subastas de antigüedades.) El Plan Brady de fines de los 80 del siglo pasado pagó a los tenedores de bonos de los deudores quebrados del Tercer Mundo 70 centavos por dólar, a fin de que el crecimiento económico pudiera reemprender su curso.


A veces, simplemente, las deudas no pueden ser pagadas. Por eso era ruinosa la idea de la cárcel por deuda (salvo disuasoriamente). La cuestión real es cómo reestructurar la deuda cuando es imposible devolverla. No se trata sólo de una pugna entre quienes tienen y quienes no tienen, sino entre los derechos del pasado y el potencial del futuro.

La deuda puede reducirse o aun anularse de maneras constructivas. O puede sumarse al caos. La inflación, por ejemplo, es una forma de erosionar la deuda, una forma arriesgada. Puede haber una quiebra calamitosamente súbita (Lehman Brothers), o una reestructuración cuidadosa y benéfica (General Motors).


La bancarrota suministra de modo ingenioso un alivio ordenado de la deuda pasada, de modo que la empresa productiva no necesariamente resulta destruida. Un juez valora los activos, los pasivos y la viabilidad de un negocio insolvente. Si se considera viable, no se permite a los acreedores vender la maquinaria, pero se les paga varios centavos por dólar, y la empresa termina siendo recuperada para usos constructivos.


El mundo de los negocios valora en EEUU el sistema de bancarrota conforme a sus propios objetivos, aunque los inversores sufran con él, de vez en cuando, más de un revolcón. Pero esa misma elite empresarial ve con recelo el que otros – propietarios de viviendas, pequeñas naciones, el entero sistema econômico – busquen alivio al castigo económico que representa una deuda perversa. No por casualidad, uno de los más sagaces críticos del modo en que el colapso financiero ha terminado por privilegiar a los acreedores a expensas de todos los demás es también uno de los mayores expertos en procesos concursales y de bancarrota: la profesora Elisabeth Warren.

John Maynard Keynes

Los dos mayores ejemplos históricos sobre el modo de lidiar con deudas insostenibles se dieron tras las dos guerras mundiales: uno, extremadamente negativo; muy positivo, el otro. En la Conferencia de Versalles celebrada en 1919, prevaleció la mentalidad acreedora, y la recuperación europea de postguerra se abortó. Gran Bretaña y Francia imaginaron que podían sangrar a la derrotada Alemania, a fin de pagar sus propias deudas de guerras, inmensas (contraídas, sobre todo, con los EEUU). Gran Bretaña practicó también una política de rigor monetario para mantener el valor de su propia moneda en niveles de preguerra, a fin de proteger a su propia clase acreedora. Esa política destruyó a la economía alemana y mantuvo el desempleo británico en tasas del 10% durante dos décadas. El gran crítico de la locura británica fue John Maynard Keynes, entonces consejero del Tesoro británico. El libro publicado por Keynes en 1919, Las consecuencias económicas de la paz, alertó proféticamente de que la política de estrujar a Alemania hasta que “crujan las pepitas” causaría la depresión y una segunda guerra mundial.


Tras la II Guerra Mundial, la historia ofreció a Keynes la ocasión para hacer las cosas correctamente. Su sistema de Bretton Woods puso el énfasis en la recuperación interna, tanto de las potencias perdedoras como de las vencedoras, y creó un sistema monetario global en el que se negaba a los especuladores financieros privados toda capacidad para forzar a las naciones a emprender cursos deflacionarios. Nuestra propia Reserva Federal combinaba entonces políticas monetarias laxas con una regulación estricta, de modo que los bajos tipos de interés pudieran financiar la colosal deuda bélica sin invitar a una especulación destructiva. Dinero barato e inversión expansiva previnieron la recaída de Norteamérica en la depresión.


Hoy, esa lógica expansiva ha sido vuelta del revés, y los acreedores vuelven a ser hegemónicos de nuevo. Los bancos quieren dinero barato para sí mismos, y términos draconianos para los demás. Una Unión Europea afligida por los banqueros está castigando a Grecia, en vez de buscar un camino para que el país heleno crezca. En los EEUU, se niega todo alivio a los propietarios de vivienda con el agua al cuello, porque los contratos de deuda son sagrados, aunque esa política prolongue la agonía. Por doquiera se publicita la austeridad presupuestaria como la vía al crecimiento, siendo, en cambio, de toda evidencia que esa política niega a la economía su potencial productivo.


Y se habla de esas cuestiones como si fueran o inaccesiblemente técnicas o simplemente indiscutibles. Ni una cosa ni otra. Necesitamos democratizar, una vez más, la cuestión del dinero.


(*) Robert Kuttner es un economista norteamericano, cofundador y actual editor de la revista The American Prospect, creada en 1990. Fue durante 20 años columnista de Business Week, y es uno de los 5 cofundadores del Economic Policy Institute, un think tank de izquierda que cuenta, entre otros prestigiosos investigadores, con el economista Dean Baker, bien conocido por los lectores de SinPermiso.

Traducción para http://www.sinpermiso.info/: Leonor Març

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sexta-feira, 17 de junho de 2011

ENTRE A BARBÁRIE E A CIVILIZAÇÃO


José Claudio e Maria do Espírito Santo, dois dos assassinados

De repente, não mais que de repente, somos despertados do sonho de país civilizado pelos assassinatos de camponeses no Pará e em Rondônia. O sinistro script se repete há décadas: jagunços – seria sofisticado demais chamá-los de “sicários” – a serviço de grandes proprietários de terra matam, com requintes de crueldade – cortar orelhas, por exemplo –, pequenos camponeses e líderes extrativistas que defendem suas propriedades ou se opõem ao desmatamento selvagem promovido por alguns setores do agronegócio. Voltam à cena as cenas dantescas de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando 19 sem-terras foram barbaramente assassinados por PMS, ou da missionária Dorothy Stang, morta em 2005.

Desmatamento promovido por grileiros e grandes proprietários 

E, como sempre, a impunidade. Nos últimos 30 anos, ocorreram nada menos que 219 assassinatos no campo no Pará e apenas quatro resultaram em processos. Não foi por outro motivo que a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) defendeu a federalização de crimes contra os direitos humanos na região amazônica. Para eles, as mortes em série indicam que não se trata de fatos isolados, mas de uma contínua e grave violação dos direitos humanos. “A ocorrência de mortes de líderes extrativistas e trabalhadores rurais mostra que é preciso trazer respostas eficazes para romper a contínua e destemida ação de violência”, diz a Ajufe. Para a entidade, se a violação de direitos humanos fosse transformada em crime federal, os magistrados estariam livres de pressões locais e poderiam julgar esses crimes com mais celeridade, assegurando inclusive o cumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais.

O recurso a forças federais, aliás, não é apanágio de países emergentes com déficit democrático em suas instituições. Nos Estados Unidos, nos anos 1950 e 1960, face à inação ou mesmo oposição dos governos estaduais, a União mandou tropas federais para garantir a integração racial nas escolas e inclusive para processar autoridades locais acusadas de crimes ou cumplicidade com violações de direitos humanos.

Super Tucano, caça turboélice da FAB que atua na Amazônia

Como bem lembrou o jornalista Mauro Santayana, a repetição dos assassinatos na Amazônia tem um componente mais grave, a questão da soberania nacional. A impunidade desses crimes é mais um pretexto para que, na Europa e nos EUA, aumente a pressão pela internacionalização da Amazônia, sob o argumento de que não temos condições de manter a ordem e proteger a floresta amazônica da destruição do meio ambiente provocada pelo desmatamento. “Se não somos capazes de impedir o assassinato da floresta e de seus defensores, os que cobiçam nossas riquezas se sentirão estimulados a intrometer-se em nossos assuntos internos, sob o estribilho que precedeu a invasão de muitos países, o da defesa dos direitos humanos”.

Tropas da Brigada de Infantaria de Selva da Amazônia

O Brasil precisa então ocupar efetivamente a Amazônia, criar um sistema eficiente de defesa de fronteiras – acelerando o deslocamento de tropas do Exército para os pelotões de fronteira, equipando a Marinha e a Força Aérea –, promover o desenvolvimento sustentado e proteger sua população civil. Ou então ficaremos permanentemente estacionados num estágio intermediário entre a barbárie e a civilização.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

BLOOMSDAY - 16 de junho

Hoje, 16 de junho, é o "Bloomsday" - o dia em que se passa o romance Ulisses, de James Joyce - a obra seminal da literatura moderna, muito comentada e pouco lida. Por todo o mundo, admiradores do escritor irlandês estão twittando trechos do livro. O romance narra um dia na vida de Leopold Bloom, um homem comum, mas que interiormente é devastado por um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Joyce recria a saga do lendário heroi grego Odisseu (Ulisses em latim), que tenta voltar para casa em Ítaca e rever a esposa, Penélope. Bloom é o Ulisses contemporâneo, mas os valores são outros - são os valores da "sociedade líquida" (Bauman). E o personagem joyceano não é um heroi clássico; apenas um homem moderno; portanto, sem qualidades. Repleto de elementos autobiográficos, o próprio Bloom pode ser identificado com o Joyce maduro, enquanto que Stephen Dedalus (o mesmo personagem de "Retrato do Artista Quando Jovem") com o Joyce da juventude. "Ulisses" é um monumento dos tempos modernos; nele estão presentes todos os elementos do terrível século XX: o antissemitismo, o cientificismo, a falsidade das relações sociais. Abaixo, um trecho da obra:

"Majestoso, o gorducho Buck Mulligan apareceu no topo da escada, trazendo na mão uma tigela com espuma sobre a qual repousavam, cruzados, um espelho e uma navalha de barba. Um penhoar amarelo, desamarrado, flutuando suavemente atrás dele no ar fresco da manhã. Ele ergueu a tigela e entoou:
- Introibo ad altare Dei.


Parado, ele perscrutou a escada sombria de caracol e gritou asperamente:


- Suba, Kinch! Suba, seu temível jesuíta!
Solenemente ele avançou para a plataforma de tiro. Olhou à volta e seriamente abençoou três vezes a torre, o terreno à volta e as montanhas que despertavam. Em seguida, avistando Stephen Dedalus, ele se inclinou em direção a ele e fez cruzes rápidas no ar, gorgolejando na garganta e sacudindo a cabeça. Contrariado e sonolento, Stephen Dedalus apoiou os braços no último degrau da escada e olhou friamente para o rosto sacolejante e gorgolejante que o abençoava, para a cabeça eqüina e os cabelos claros sem tonsura, tingidos e matizados como carvalho descorado.


Buck Mulligan espreitou por um instante por baixo do espelho e depois cobriu a tigela rapidamente.


- De volta pro quartel! - disse implacavelmente.


E acrescentou em tom sacerdotal:


- Pois isto, meus bem-amados, é a verdadeira cristina: corpo e alma e sangue e feridas. Música lenta, por favor. Fechem os olhos, senhores. Um momento. Um pequeno problema com esses corpúsculos brancos. Silêncio, todos.


Ele olhou de soslaio para cima e soltou um longo e lento assobio de chamada, depois fez por um momento uma pausa em atenção enlevada, com seus dentes iguais e brancos brilhando aqui e ali pontilhados de ouro. Crisóstomo. Dois fortes assobios estridentes responderam através da calma.


- Obrigado, meu velho - gritou vivamente. - Isto é o bastante. Desligue a corrente, está bem?


Saltou fora da plataforma de tiro e olhou seriamente para o seu observador, juntando em volta das pernas as dobras soltas de seu penhoar. A cara rechonchuda e sombria e a queixada oval e taciturna lembravam um prelado, patrono das artes na idade média. Um sorriso agradável desabrochou em seus lábios.


- A ironia das coisas! - disse ele alegremente. - Seu nome absurdo, um grego antigo!

Ele apontou com o dedo num gesto amigável e se encaminhou para o parapeito rindo consigo mesmo. Stephen Dedalus se aproximou, acompanhou-o e a meio caminho cansado se sentou na beira da plataforma de tiro, observando-o enquanto ele apoiava o espelho no parapeito, molhava o pincel na tigela e passava a espuma na face e no pescoço.


A voz alegre de Buck Mulligan prosseguia.


- Meu nome também é absurdo: Malachi Mulligan, dois dátilos. Mas soa helênico, não soa? Saltitante e radioso como o próprio cervo. Nós precisamos ir a Atenas. Você vem se eu conseguir que a tia me dê vinte libras?


Ele pôs o pincel de lado e, rindo com prazer, gritou:


- Será que ele vem? O jesuíta subnutrido!


Parando, ele começou a fazer a barba com cuidado.


- Diga-me, Mulligan - falou Stephen tranqüilamente.


- Sim, meu anjo?
- Quanto tempo Haines vai ficar nesta torre?


Buck Mulligan mostrou um rosto barbeado por cima do ombro direito.
- Meu Deus, ele não é horrível? - disse francamente. - Um saxão enfadonho. Ele não acha que você seja um cavalheiro. Meu Deus, esses malditos ingleses! Estourando de dinheiro e indigestão. Porque ele vem de Oxford. Você sabe, Dedalus, você tem o verdadeiro estilo de Oxford. Ele não consegue entender você. Ó, meu nome para você é o melhor: Kinch, a lâmina-de-faca.


Ele raspou cautelosamente o queixo.


- A noite inteira ele esbravejou em sonho a respeito de uma pantera negra - disse Stephen. - Onde é que está o estojo da arma dele?


- Um miserável lunático! - disse Mulligan. - Você ficou apavorado?


- Fiquei - Stephen disse energicamente e com um medo crescente. - Aqui no escuro com um homem que eu não conheço esbravejando e ameaçando aos gemidos atirar numa pantera negra. Você salvou homens de afogamento. Porém eu não sou um herói. Se ele ficar aqui eu estou fora.


Buck Mulligan franziu a testa ao olhar para a espuma em sua navalha. Ele saltou de seu poleiro e começou a dar apressadamente uma busca nos bolsos de sua calça.


- Droga! - bradou guturalmente.


Ele veio para a plataforma de tiro e, enfiando a mão no bolso superior de Stephen, disse:


- Faça-nos empréstimo de seu traponasal para limpar minha navalha.


Stephen suportou que ele puxasse para fora e exibisse erguido por uma das pontas um lenço amarrotado e sujo. Buck Mulligan limpou a lâmina da navalha cuidadosamente. Em seguida, lançando um olhar por cima do lenço, disse:


- O traponasal do bardo! Uma nova cor artística para os nossos poetas irlandeses: verdemeleca. A gente quase pode sentir o gosto, não é?


Ele subiu no parapeito novamente e lançou um olhar à volta por sobre a baía de Dublin, com seu cabelo louro de carvalhopálido ligeiramente alvoroçado.

- Ó Deus! - disse tranqüilamente. - Não é que o mar é aquilo que Algy chama de uma grande e doce mãe? O mar verdemeleca. O mar escrotocompressor. Epi oinopa ponton. Ah, Dedalus, os gregos! Eu preciso lhe ensinar. Você precisa os ler no original. Thalatta! Thalatta! Ele é a nossa grande e doce mãe. Venha ver.


Stephen se levantou e se encaminhou para o parapeito. Apoiando-se nele olhou para a água embaixo e para o barco-correio desafogando a entrada da enseada de Kingstown.


- Nossa mãe toda-poderosa! - disse Mulligan.


Ele voltou abruptamente do mar para o rosto de Stephen seus olhos cinzentos inquisitivos.


- A tia acha que você matou a sua mãe - disse ele. - É por isso que ela não quer me deixar ter nada a ver com você.


- Alguém a matou - disse Stephen sombriamente.


Marilyn Monroe, quem diria, leu Ulisses
- Que droga, Kinch, você podia ter se ajoelhado quando sua mãe agonizante pediu - disse Buck Mulligan. - Eu sou hiperbóreo tanto quanto você. Mas pensar em sua mãe rogando no seu último suspiro que você se ajoelhasse e rezasse por ela. E você recusou. Existe alguma coisa sinistra em você...


Ele se interrompeu e passou espuma de novo ligeiramente na face. Um sorriso tolerante crispou seus lábios.


- Mas um mímico encantador! - murmurou consigo mesmo. - Kinch, o mais encantador de todos os mímicos!


Seriamente e em silêncio ele fez a barba com tranqüilidade e cuidado.


Stephen, com o cotovelo repousando no granito pontudo, encostou a palma abaixo da sobrancelha e olhou para a extremidade da manga de seu casaco preto lustroso que começava a puir. Uma dor, que ainda não era a dor do amor, agitou seu coração. Silenciosamente, em sonho, ela viera até ele após a sua morte, seu corpo gasto dentro de largas roupas tumulares marrons, exalando um odor de cera e pau-rosa, seu sopro, que se curvara sobre ele, mudo, reprovador, um fraco odor de cinzas molhadas. Através do punho puído ele viu o mar saudado como uma grande e doce mãe pela voz bem alimentada ao seu lado. A orla da baía e o horizonte continham uma massa líquida verde opaca. Uma tigela de porcelana ficara ao lado do leito de morte dela contendo a bile que parecia uma lesma verde arrancada de seu fígado apodrecido em seus ataques de vômito e de altos gemidos."