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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A REPÚBLICA DOS TOGADOS

Juízes do Supremo: um governo de juízes?

Arvorando-se em interprete final e absoluto da Constituição Federal, o STF decidiu cassar os mandatos dos deputados condenados no processo do mensalão, passando por cima do artigo 55 da Constituição, que determina que essa prerrogativa é exclusiva do Poder Legislativo. 

Dessa maneira, o Judiciário, único poder não eleito da República, coloca-se acima dos demais poderes, ambos eleitos pelo povo, como se as leis e a política fossem coisa exclusiva de especialistas, como queria Platão em sua República oligárquica, e não do cidadão comum. 

Lembremos que a desqualificação da atividade política é o principal mote do discurso reacionário que os militares e sequazes usaram para justificar o golpe de 1964 e a ditadura. 

Aqui, trechos de um texto publicado no blog do Rodrigo Vianna, A quem interessa enfraquecer o Congresso?, do professor da UFMG e doutor em Direito Luiz Moreira.

[...]

Tão problemático quanto substituir as leis pela interpretação judicial é a tentativa de afastar dos Legislativos o homem comum, imprimindo a falsa impressão de que o político deveria ser substituído pela jurista. O que garante a pluralidade dos Parlamentos é a legitimidade das visões de seus membros que, por isso, representam os diversos segmentos que compõem a sociedade.

Neste cenário é que se insere o pós-constitucionalismo no Brasil, com seu pleito por supremacia judicial, consubstanciada nas seguintes teses:

(1) que a Constituição é um documento jurídico e, portanto, não político;

(2) se a Constituição é jurídica apenas, sua guarda cabe exclusivamente ao sistema de justiça em geral e ao STF, em particular;

(3) na primazia das sentenças sobre as leis, de modo que o controle de constitucionalidade é transformado de “método de compatibilidade sistêmica” em expressão de tutela do Judiciário sobre os Poderes Políticos;

(4) como a manifestação judiciária seria mais importante que a manifestação legislativa, o Juiz é o soberano para decidir ainda que contrariamente à lei, pois, como defendia o teórico nazista Carl Schmitt, “soberano é quem decide no estado de exceção”; e, finalmente,

(5) na criação de um artifício teórico para que o STF possa negar vigência ao próprio texto da Constituição. Para tanto, foi introduzido no Brasil um simulacro hermenêutico, com o qual normas constitucionais sofreriam mudanças em seu sentido, de tal modo a acarretar a revogação desse dispositivo constitucional, mas sem manifestação do Congresso Nacional. Esse simulacro é designado como mutação constitucional e ele é invocado para legitimar interpretações que não encontram respaldo no texto constitucional e tem como propósito desligar os Ministros do STF tanto de quaisquer limites interpretativos quanto de quaisquer parâmetros normativos. Em síntese, pretendem designar uma evolução no modo de interpretar um vocábulo para contornar uma obrigação constitucional e com isso estabelecer um governo dos juízes.

Parece não ser por acaso que a última vez que o STF decretou a cassação de um Deputado, sem o assentimento da Câmara dos Deputados, tenha ocorrido na ditadura militar. Naquela época o STF se valeu de artifício jurídico, o contido na Emenda Constitucional nº 1, justamente a outorgada pela Junta Militar em 1969, que emendou a Constituição de 1967, outorgada pelo General Castelo Branco. “Se a história se repete apenas como farsa”, será este o legado do STF?

*Luiz Moreira é Doutor em Direito e Mestre em Filosofia pela UFMG. Professor Universitário. Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

APESAR DE VOCÊS (ALIÁS, DELES)


Pesquisa divulgada domingo pelo Datafolha mostrou que 28% das pessoas entrevistadas não confiam na imprensa, enquanto que 51% “confiam um pouco” e 22% “confiam muito”. Na pesquisa anterior, esses números estavam invertidos, com 18% de pessoas que desconfiavam, 31% que confiavam muito e 50% que confiavam um pouco. No total, a pesquisa mostrou que hoje 78% dos brasileiros têm um pé atrás com a mídia.
Ao mesmo tempo, o Datafolha revelava que se Lula ou Dilma fossem candidatos hoje, seriam eleitos no primeiro turno com pouca diferença de votos – 56% e 57%, respectivamente. Os arautos da oposição, com Aécio Neves à frente, estariam patinando na intenção de votos. Tudo bem, pesquisa é pesquisa, voto é voto, como demonstraram as eleições de Dilma e Haddad. Mas importa saber que elas revelam uma tendência. Na sexta-feira, outra pesquisa, da CNI/Ibope, mostrou a presidente Dilma ostentando uma aprovação recorde: 78% – curiosamente a mesma porcentagem de pessoas que desconfiam da imprensa tupiniquim...    
O mais interessante é que essa pesquisa foi realizada em meio ao violento bombardeio midiático das últimas semanas, com denúncias quase que diárias contra o ex-presidente Lula e o PT. Como disse o Ricardo Kotscho, essas enquetes “revelaram o tamanho do abismo que existe hoje entre o mundo real dos brasileiros, que vivem melhor do que antes, e o noticiário dos principais meios de imprensa, que coloca o país permanentemente à beira do abismo, envolvido em crises sem fim”. Ou seja, a visão de classe de uma certa classe média reacionária, reverberada à exaustão pela imprensa conservadora, não é compartilhada pela maioria dos brasileiros.
Mais do que abismo, essas pesquisas confirmaram que a grande mídia deixou definitivamente de ser formador de opinião no país. Consolidou-se a tendência verificada a partir das eleições de 2006, em que, apesar do fogo cerrado da imprensa, Lula e o PT saíram vencedores, à exceção de rincões conservadores como São Paulo – que, agora, elegeu um prefeito petista.
Isso mostra que estão dadas as condições para se colocar na ordem do dia a quebra da “propriedade cruzada” – concentração de propriedade nos meios de comunicação. Não confundir, como fazem os barões da mídia, com cerceamento à liberdade de expressão. Os editores e muitos jornalistas da Folha, Estadão, Globo e Veja et caterva devem estar cortando os pulsos.
Mas eles podem dormir sossegados. Um governo que vem peitando banqueiros, sindicalistas e o Congresso não vai abrir outra frente com a grande mídia.     

   

1964 VERSÃO 2012


Concentrados em São Paulo – desde sempre o centro da reação conservadora no Brasil – os grandes financistas se articulam contra as medidas do governo que lhes tirou a vida mansa: os juros mais altos do mundo. Articulados com uma oposição cambaleante, a grande mídia conservadora e uma parte do Judiciário, os rentistas atiram para todos os lados, na tentativa de mudar na marra a política econômica do governo. A análise, como sempre arguta de Mauro Santayana, explica os mecanismos dessa articulação.  
As técnicas do golpe
Mauro Santayana, no Jornal do Brasil
Só os interessados podem desdenhar a operação de desconstrução do Estado — e não só do governo — que se encontra em marcha. Os indícios são claros. O julgamento da Ação 470 saiu dos autos, conforme indica o comportamento do procurador geral da República e de alguns juízes. Na véspera das eleições municipais, ele declarou, de forma explícita, a sua esperança de que o processo influísse no resultado eleitoral. Embora falasse de modo geral, pensava em São Paulo, e com razão. Como sempre ocorreu em situações semelhantes, São Paulo tem sido o centro de todas as conspirações conservadoras no país: é a sede do sistema financeiro e das grandes empresas estrangeiras que operam no Brasil. E são esses interesses que estão sendo contrariados pelo atual governo, mais do que Lula os contrariou.
O resultado do pleito mostra que o povo não se deixou conduzir pelo julgamento, como esperava o procurador, e votou no candidato à prefeitura de São Paulo indicado por Lula. Os grandes bancos não deglutiram a queda substantiva dos juros, imposta pelo governo, mediante a mobilização do setor financeiro estatal. A perda de lucros lhes está entalada na garganta. E no Brasil, como se sabe, os bancos são também controladores de grandes empresas, industriais, comerciais e de serviços.
Quando se toca nos bancos — e isso vem desde os tempos do Império — a reação pode ser esperada. Todas as vezes que isso ocorreu, fosse aumentando o recolhimento compulsório de depósitos à vista; fosse pretendendo reforma bancária, que separasse os bancos de depósitos dos bancos de investimento; fosse buscando  a limitação das remessas de lucros, para que parte deles se reinvestisse no país, o golpe se armou.
Isso não significa que os responsáveis pelos crimes de peculato,  de lavagem de dinheiro, de corrupção e extorsão, se tais delitos houve, estejam imunes à punição prevista no Código Penal. Só os néscios por opção, no entanto, não perceberam a sanha persecutória de alguns magistrados, que, em seus votos, deixaram o exercício da razão e, ao deixá-la, comprometeram até mesmo as decisões tomadas.
A menos que tudo não fizesse parte de um roteiro anterior, é difícil aceitar que o publicitário Marcos Valério recebesse uma sentença que nem os mais sanguinários assassinos em série costumam sofrer. Acossado e ameaçado de sofrer, na prisão, e de forma exacerbada, o que já experimentou no período de prisão provisória, ele procura, neste momento, envolver todos os que puder envolver, em uma trama que recria, para sua salvação. O enredo fantástico que imagina é o fio de Ariadne de que se vale para sair do lôbrego labirinto em que se encontra.
Todas as peças se encaixam para indicar uma conspiração contra o Estado Democrático. Como sempre, há o fomento de  crise entre dois dos Três Poderes Republicanos. Desta vez é entre o STF e o Congresso.
O Supremo, por 4 votos contra 4, por enquanto, se arroga o direito de cassar mandatos parlamentares, o que tem sido prerrogativa constitucional das duas casas do Congresso. Falta 1 voto para que se obtenha a maioria, para um caso ou outro.   Por isso mesmo, cabe ao presidente do STF convocar o novo ministro Teori Zavacki. Se ele se acha impedido de votar na Ação 470, de que não participou, nada o tolhe de votar nesse caso. Outros fossem os tempos, e a ação não se interromperia por causa da gripe de um ministro, sobretudo porque tem substituto natural  no mais recente integrante da Corte. E se Celso Mello se recupera rapidamente, melhor: serão dez juízes a decidir, em lugar de apenas nove.
Dilma, em Paris, reagiu, como tantas outras pessoas, contra as novas acusações de Marcos Valério. Enfim, é bom que o governo reaja, não em seu favor — dentro de menos de dois anos haverá eleições gerais — mas em defesa da República ameaçada.
O escritor italiano Curzio Malaparte 
Como disse Cúrzio Malaparte, em Técnica del colpo di Stato, há 81 anos, “da mesma forma que todos os meios são usados para suprimir a liberdade, também todos os meios são válidos para defendê-la”. E a liberdade que devemos defender é a de escolher os deputados, senadores, governadores de estado, além do presidente e do vice-presidente da República, em outubro de 2014. Se a oposição fosse inteligente, defenderia o Estado de Direito. Se está convencida de seus méritos, que espere o pronunciamento das urnas. Democracia é isso: não são os jornalistas nem os juizes que escolhem os governantes. É o povo, na base de um voto de cada eleitor. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

HUXLEY E A FELICIDADE COMPULSÓRIA



Aldous Huxley
"- Porque o nosso mundo não é o mesmo mundo de Otelo. [...] não se pode fazer uma tragédia sem instabilidade social. O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não têm medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice; não se acham sobrecarregadas de pais e mães; não têm esposas, nem filhos, nem amantes, por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se por acaso alguma coisa andar mal, há o soma. Que o senhor atira pela janela em nome da liberdade, Sr. Selvagem. Da liberdade... -  Riu.  

Espera que os Deltas saibam o que é a liberdade! E agora quer que eles compreendam Otelo meu caro jovem!

[...]

O Selvagem sacudiu a cabeça.

- Tudo isso me parece absolutamente horrível.

- Sem dúvida. A felicidade real sempre parece bastante sórdida em comparação com as supercompensações do sofrimento. E, por certo, a estabilidade não é, nem de longe, tão espetacular como a instabilidade. E o fato de se estar satisfeito nada tem da fascinação de uma boa luta contra a desgraça, nada do pitoresco de um combate contra a tentação, ou de uma derrota fatal sob os golpes da paixão ou da dúvida. A felicidade nunca é grandiosa.

[...] 
- No trabalho, nas diversões – aos sessenta anos, nossas forças e nossos gostos são o que eram aos dezessete. Os velhos nos tristes dias de outrora, renunciavam, retiravam-se, dedicavam-se à religião, passavam o tempo lendo e pensando – pensando!

[..]  
 
- Atualmente, tal é o progresso, os velhos trabalham, os velhos copulam, os velhos não têm um instante, um momento de ócio para furtar ao prazer, nem um minuto para se sentarem a pensar – ou se, alguma vez, por um acaso infeliz, um abismo de tempo se abrir na substância sólida de suas distrações, sempre haverá o soma, o delicioso soma, meio grama para um descanso de meio dia, um grama para um fim-de-semana, dois gramas para uma excursão ao esplêndido Oriente, três para uma sombria eternidade na Lua; de onde, ao retornarem, se encontrarão na outra margem do abismo, em segurança na terra firme das distrações e do trabalho cotidiano, correndo de um cinema sensível a outro, de uma mulher pneumática a outra, de um campo de Golfe Eletromagnético [...]"

Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo

O CONTO DA FONTE


Três grandes jornalistas – Paulo Nogueira, da Época, Janio de Freitas, da Folha de S. Paulo, e Leandro Fortes, da Carta Capital – se insurgem contra o coro dos contentes e escrevem contra o fato de a grande mídia nacional publicar as denúncias de um meliante – Marcos Valério – como se fossem verdades absolutas que não precisassem ser provadas. O objetivo é desmoralizar Lula, a quem não conseguem vencer nas urnas, e desqualificar o projeto de governo do PT. Já vimos esse filme.         

Sobre o retorno de Marcos Valério
Paulo Nogueira, em seu blog
Até quando será tolerado no Brasil que a mídia publique acusações graves sem nenhuma prova?
E lá vem ele de novo, Marcos Valério.
Pobre leitor.
Mais uma vez, o que é apresentado – a título de “revelações” – é um blablablá conspiratório e repetitivo em que não existe uma única e escassa evidência.

Tudo se resume às palavras de Marcos Valério. Jornalisticamente, isso é suficiente para você publicar acusações graves?

Lula já não é apenas o maior corrupto da história da humanidade. Está também, de alguma forma, envolvido num assassinato. Chamemos Hercule Poirot.

Se você pode publicar acusações graves sem provas, a maior vítima é a sociedade. Não se trata de proteger alguém especificamente. Mas sim de oferecer proteção à sociedade como um todo.

Imagine, apenas por hipótese, que Marcos Valério, ou quem for, acusasse você, leitor. Sem provas. Numa sociedade avançada, você está defendido pela legislação. A palavra de Valério, ou de quem for, vale exatamente o que palavras valem, nada – a não ser que haja provas.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ENCRUZILHADA DO SECULARISMO NA FRANÇA

A Noite de São Bartolomeu (1572): massacre dos huguenotes pelos católicos sob as ordens da monarquia

Durante séculos a França foi assolada por guerras de religiões – entre as quais a famosa Noite de São Bartolomeu, de 1572, em que católicos sob as ordens da coroa massacraram milhares de huguenotes (protestantes).

Com a Revolução de 1789, a Constituição Civil do Clero confiscou as propriedades da Igreja Católica, que se recusou a aceitar os valores da nova República. Os jacobinos foram mais longe e tentaram abolir o cristianismo e instaurar o Culto à Razão. Mesmo após a queda de Robespierre, consolidou-se, entre os líderes políticos franceses, a convicção de que o Estado precisava ser protegido da religião, principalmente da Igreja. 

Durante o século XIX, com as indas vindas de revoluções e contrarrevoluções, a Igreja Católica e o Estado francês viveram às turras. Incidentes também ocorreram também com outras denominações; o mais grave foi “caso Dreyfus”, que envolveu um oficial judeu do Exército falsamente acusado de traição e condenado ao degredo na Ilha do Diabo. O episódio rachou a França em dois lados irreconciliáveis: de um lado os católicos, monarquistas, antissemitas e militaristas reacionários, e de outro os republicanos, anticlericais, radicais, democratas e socialistas.

O ministro M. Bienvendu-Martin separa Igreja e Estado
Mas foi somente no dia 9 de dezembro de 1905 que o Parlamento francês finalmente estabeleceu a separação formal entre a Igreja e o Estado. O projeto, de iniciativa do deputado socialista Aristide Briand, pôs fim à Concordata napoleônica de 1801, que regia as relações entre o Estado e a Igreja Católica. A nova lei proclamou a liberdade de consciência e garantia o livre exercício dos cultos.

O Estado manifestava assim sua vontade de neutralidade religiosa, mas não se eximia de suas responsabilidades. Queria garantir a todos os cidadãos franceses os meios de exercer livremente sua religião, respeitando as dos demais. O Estado francês não queria limitar a liberdade de consciência, nem confinar a religião à esfera privada. Não se pretendia, por exemplo, proibir que os cidadãos usassem símbolos religiosos.

É que antes, na virada do século XX, os partidários do laicismo se dividiam entre os herdeiros da tradição jacobina, que esperavam erradicar a religião cristã ou a confiná-la ao domínio privado; e líderes como Jean Jaurès e Aristide Briand, que queriam afirmar a neutralidade do Estado em relação a todas as crenças e, de outra parte, garantir a liberdade de consciência em conformidade com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
 
Em nenhum outro país do Ocidente a divisão entre a Igreja e o Estado é aplicada de modo tão escrupuloso como na França. Nas escolas e repartições públicas é proibido o uso ostensivo de vestimentas religiosas, enquanto os funerais de Estado sempre ocorrem em igrejas não-consagradas. Uma saudação no estilo “Deus abençoe a França” no final de um discurso do presidente da República é completamente impensável. 

O conceito francês de “laicité” (laicismo) – um termo para o qual a palavra secularismo é uma tradução imperfeita – tornou-se parte integral da identidade da República Francesa. Já nos Estados Unidos, onde os primeiros imigrantes se instalaram fugindo de perseguições religiosas na Europa, a separação das Igrejas do Estado é percebida como um meio de alcançar um objetivo oposto, segundo Martine Barthélémy, especialista do Instituto de Estudos Políticos. 

Para ela, essa separação serve para proteger a religião do Estado. “Todos nós temos os nossos mitos fundadores”, diz ela. “O nosso mito fundador é o ideal republicano, e o laicismo é uma parte essencial deste ideal. Nos Estados Unidos, a liberdade religiosa é uma parte importante dos americanos – é por isso que nós, de vez em quando, não entendemos os americanos, e vice versa”.

Uso do véu: polêmica em que a direita usa as vestes republicanas
A situação se complicou muito no século XX com a imigração em massa de muçulmanos para a França, principalmente oriundos das ex-colônias. A tradição de laicidade faz com que, hoje, a proibição do uso do véu pelos muçulmanos seja vista por muitos franceses como uma proteção em relação à pressão que essas garotas muçulmanas sofrem em casa. Na base dessa convicção, além da defesa do secularismo, está a suposição, difícil de ser comprovada, de que as muçulmanas preferem ir à escola sem véu. 

Barthélémy diz que falar em liberdade de expressão para defender o uso do véu pode ser utilizado por radicais islâmicos para exigir outras concessões que entram em confronto com a tradição secular da França, tais como a separação de moças e rapazes nas aulas de natação e de esportes, ou que as meninas sejam retiradas das aulas de biologia – exigências presentes em colégios na Alemanha e no Reino Unido. Mas há muitos setores, inclusive democratas e progressistas, que dizem que a proibição do uso do véu é uma violação dos direitos de cidadão, um dos valores mais caros da República Francesa.

Trata-se de uma discussão complexa, que não pode ser reduzida a posições maniqueístas. Tendo a concordar com a proibição, não do véu, mas de todo e qualquer símbolo religioso em nome da laïcitè, mas é impossível não ver a mão da direita xenófoba e islamofóbica por trás das vestes de Madeleine.  

Com informações do site Opera Mundi

A "GUERRA DE POSIÇÕES" DA DIREITA

As trincheiras da Primeira Guerra: "guerra de posições"
As sucessivas derrotas eleitorais levaram os setores conservadores a suspender temporariamente a “guerra de movimento” – ação agressiva para impor uma derrota rápida e irreversível ao inimigo, como a campanha “Cansei”, de 2006. Agora, eles adotaram, em vez disso, a tática de “guerra de posição”, para tentar impingir ao governo desgastes pontuais, mas constantes, como água mole em pedra dura. (Esses conceitos foram “importados” da doutrina militar para a sociologia por Antonio Gramsci). O colunista Luis Nassif preferiu a metáfora enxadrista para descrever a evolução da tática dos opositores. Leia abaixo:       
Para entender o xadrez da política
Por Luis Nassif, em seu blog 
Há um jogo em que o objetivo maior é capturar o rei – a Presidência da República. O ponto central da estratégia consiste em destruir a principal peça do xadrez adversário: o mito Lula.
Na fase inicial – quando explodiu o “mensalão” – havia um arco restrito e confuso, formado pela velha mídia e pelo PSDB e uma estratégia difusa, que consistia em “sangrar” o adversário e aguardar os resultados nas eleições presidenciais seguintes.
A tática falhou em 2006 e 2010, apesar da ficha falsa de Dilma, do consultor respeitado que havia acabado de sair da cadeia, dos 200 mil dólares em um envelope gigante entrando no Palácio do Planalto, das FARCs invadindo o Brasil  e todo aquele arsenal utilizado nas duas eleições.
A partir da saída de Lula da presidência, tentou-se uma segunda tática: a de construir um mito anti-Lula. À falta de candidatos, apostou-se em Dilma Rousseff, com seu perfil de classe média intelectualizada, preocupações de gestora, discrição etc. Imaginava-se que caísse no canto de sereia que jogaram tantas criaturas contra o criador.
Não colou. Dilma é dotada de uma lealdade pessoal acima de qualquer tentação.

O “republicanismo”

Mas as campanhas sistemáticas de denúncias acabaram sendo bem sucedidas por linhas tortas. Primeiro, ao moldar uma opinião pública midiática ferozmente anti-Lula.
Depois, por ter incutido no governo um senso de republicanismo que o fez abrir mão até de instrumentos legítimos de autodefesa. Descuidou-se na nomeação de Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), abriu-se mão da indicação do Procurador Geral da República (PGR) e descentralizaram-se as ações da Polícia Federal.
Qualquer ação contra o governo passou a ser interpretada como sinal de republicanismo; qualquer ação contra a oposição, sinal de aparelhamento do Estado.
Caindo nesse canto de sereia, o governo permitiu o desenvolvimento de três novos protagonistas no jogo de “captura o rei”.
STF
Gradativamente, formou-se uma bancada pró-crise institucional, composta por Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, e  Luiz Fux, à qual aderiram Celso de Mello e Marco Aurélio de Mello. Há um Ministro que milita do lado do PT, José Antonio Toffolli. E três legalistas: Lewandowski, Carmen Lucia e Rosa Weber.
O capítulo mais importante, nesse trabalho pró-crise, é o da criação de um confronto com o Congresso, que não terá resultados imediatos mas ajudará a alimentar a escandalização e o processo reiterado de deslegitimação da política.
Para o lugar de César Peluso, apostou-se em um ministro legalista, Teori Zavascki. Na sabatina no Senado, Teori defendeu que a prerrogativa de cassar parlamentares era do Parlamento. Ontem, eximiu-se de votar. Não se tratava de matéria ligada ao “mensalão”, mas de um tema constitucional. Mesmo assim, não quis entrar na fogueira.
Procuradoria Geral da República (PGR)
Há claramente um movimento de alimentar a mídia com vazamentos de inquéritos. O último foi esse do Marcos Valério ao Ministério Público Federal.
Sem direito à delação premiada, não haveria nenhum interesse de vazamento da parte de Valério e seu advogado. Todos os sinais apontam para a PGR. Nem a PGR nem Ministros do STF haviam aceitado o depoimento, por não verem valor nele. No entanto, permitiu-se o vazamento para posterior escandalização pela mídia.
Gurgel é o mais político dos Procuradores Gerais da história recente do país. A maneira como conquistou o apoio de Demóstenes Torres à sua indicação, as manobras no Senado, para evitar a indicação de um crítico ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), revelam um político habilidosíssimo, conhecedor dos meandros do poder em Brasília. E que tem uma noção do exercício do poder muito mais elaborada que a do Ministro da Justiça e da própria Presidente da República. Um craque!

INTERESSES ESTRATÉGICOS DE QUEM?


No Brasil o pensamento dominante diz que o Estado está proibido de se imiscuir em áreas estratégicas da economia, mesmo se essas áreas digam respeito à soberania nacional. Na maioria dos países desenvolvidos, contudo, essas áreas estão sob rígida tutela do Estado e eles jamais cogitaram abandoná-la. Abaixo, artigo do Mauro Santayana sobre o tema:     

 

As estatais estrangeiras e o mercado nacional

 

Por Mauro Santayana, no site Carta Maior


O avião de transporte EADS-Casa da Força Aérea Brasileira (FAB) 
Com a intenção de “normalizar e simplificar a governança estratégica” do gigantesco grupo de armamentos EADS, “assegurando, ao mesmo tempo, que a Alemanha, a França e a Espanha, protejam os seus legítimos interesses estratégicos”, os governos dos três países acabam de fechar acordo para manter 24% das ações nas mãos dos estados francês e alemão e 4% sob propriedade do estado espanhol. Mantêm, assim, o domínio do grupo, que controla, direta e indiretamente, várias empresas prestadoras de serviços na área de defesa, no Brasil, como é o caso da Cassidian.

Enquanto no Brasil é pecado o Estado meter-se em outras áreas que não sejam segurança, saúde e educação, países admirados por muitos como paradigmas de capitalismo avançado e do livre-mercado, asseguram a propriedade do Estado em áreas estratégicas da economia – e nem por isso o mundo vem abaixo.

Vamos aos fatos. A participação da Espanha no capital da EADS (abreviatura da denominação, em inglês, da European Aeronautic Defense Space Company), mediante a CASA (Construcciones Aeronauticas S.A) deve ser conhecida. Embora tenha nascido da iniciativa privada, em 1923, a empresa foi sendo absorvida pelo estado espanhol, a partir de 1943, e, desde 1992, a participação estatal é de 99,2%.

Além da construção aeronáutica, o Estado espanhol comanda as empresas ferroviárias, de construção, navais e de armamento. É com essas empresas que a Espanha quer invadir o mercado brasileiro, aproveitando o financiamento farto e barato no BNDES.

O instrumento dessa operação é uma instituição chamada SEPI (Sociedade Estatal de Participações Industriais) – e atentem bem para a palavra estatal. A SEPI – a exemplo de organizações congêneres como as existentes na Alemanha, na França, ou na Itália, com o IRI – não está presente apenas como sócio temporário, mas exerce sua tarefa permanente de controle nacional dos setores estratégicos da atividade econômica.
Um caça francês Rafale sobrevoa o porta-aviões Foch (atual São Paulo)
No Brasil, esse é um assunto tabu. O BNDES pode financiar empresas estrangeiras, e até mesmo estatais, como é o caso da DCNS, que constrói o estaleiro onde serão construídos os submarinos que compramos à França. No entanto, não admitem que o Brasil possa ter uma empresa estatal para assegurar diretamente a presença do Estado onde ela é necessária, seja como controlador, seja como indutor do processo de desenvolvimento, como ocorre lá fora.
O temor da opinião dos “analistas” do “mercado” e de certa parcela dos meios de comunicação, já totalmente entregue aos interesses estrangeiros, chegou a um ponto que nos humilha.

É o caso, por exemplo, da projetada concessão operacional do Aeroporto do Galeão. Uma empresa controlada pelo Estado francês, a ADP (Aeroports de Paris) disse, claramente, que só entra no negócio se a INFRAERO (ou seja, o estado brasileiro) estiver em posição minoritária. E o governo brasileiro, como mostra a mudança no formato do modelo, obedece.

É preciso definir o modelo correto, para que o Brasil possa se desenvolver em ritmo acelerado e garantir sua autonomia, agora e no futuro, o respeito aos princípios de não alinhamento e não ingerência nos assuntos internos de qualquer nação. 

Ao contrário do que aconteceu no passado, o BNDES só deve financiar empresas autenticamente brasileiras. Os estrangeiros que quiserem entrar no Brasil, principalmente no filé das obras de infraestrutura, que se submetam às nossas leis e condições - e tragam o seu próprio dinheiro.
Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A FORÇA DE UM GESTO


Primeiro chanceler social-democrata da Alemanha Ocidental, Willy Brandt trabalhou como jornalista na Guerra Civil Espanhola (1936-1939). Expulso da Alemanha nazista, viveu em Estocolmo até o fim da Segunda Guerra. Eleito chanceler em 1969, seu governo se caracterizou pela Östpolitik (abertura para os países do bloco soviético), uma tentativa de relaxar as tensões da guerra fria. O gesto de se ajoelhar no monumento às vítimas do Levante do Gueto de Varsóvia, massacrado pelos nazistas em 1943, foi um dos pontos altos dessa política. Brandt foi sem dúvida um dos grandes estadistas do século XX. Que diferença com seus sucessores...    

1970 – Em gesto de reconciliação, chanceler alemão fica de joelhos na Polônia
Willy Brandt foi criticado internamente, mas ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1971
Do Opera Mundi
O dia 7 de dezembro de 1970 foi a data em que um gesto ajudaria a normalizar as relações entre Alemanha Ocidental e Polônia. Na ocasião, o chanceler alemão, Willy Brandt, caiu de joelhos diante do Memorial aos Heróis do Gueto de Varsóvia.

Nesta visita, Brandt assinou formalmente o Tratado de Varsóvia. Por esse acordo, a República Federal da Alemanha reconhecia a fronteira germano-polonesa dos rios Oder-Neisse, imposta pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial.

Esse reconhecimento seria confirmado e completado em Moscou em 12 de setembro de 1990 pelo tratado conhecido como 2+4, firmado entre a República Federal da Alemanha, República Democrática Alemã e as quatro potências que ocuparam a Alemanha nazista após o fim da Segunda Guerra Mundial: União Soviética, Grã Bretanha, Estados Unidos e França.

Após a assinatura, o chanceler Brandt se dirigiu ao memorial da resistência judaica no Gueto de Varsóvia, a fim de depositar uma coroa de flores. Recolhe-se, inclina a cabeça e, em seguida, para surpresa geral e contra todas as normas protocolares, dobra as pernas e se põe de joelhos. Durante longos minutos, permanece nesta postura de humildade pouco usual aos homens de Estado, cumprindo um ato de contrição em nome do povo alemão.

Esse gesto e, mais genericamente, sua política de abertura para o Leste lhe valeriam um ano mais tarde o Prêmio Nobel da Paz.

Ao se ajoelhar diante do Memorial aos Heróis do Gueto de Varsóvia, o então chanceler alemão protagonizou um gesto que entraria para a história como um símbolo da busca alemã pela reconciliação no pós-guerra.

"Sempre me perguntaram o que eu queria com esse gesto, se ele havia sido planejado. Não, ele não foi", escreveu Brandt anos mais tarde em suas memórias.

Os nazistas haviam encurralado meio milhão de judeus no Gueto de Varsóvia. Até que, em abril de 1943, aconteceu o levante, reprimido violentamente pelas tropas de Hitler. Poucos sobreviventes restaram para contar a história.

O cair de joelhos do chefe de governo Brandt, o primeiro chanceler social-democrata do pós-guerra, e o silêncio que se seguiu – interrompido apenas pela chuva de flashes fotográficos – repercutiram no mundo como um símbolo de arrependimento, pedido de perdão e tentativa de reconciliação da Alemanha.

Dentro do país, entretanto, Brandt foi até xingado. Grande parte da população considerou a atitude exagerada. Os conservadores chegaram a acusá-lo de traidor e entreguista, de estar entrando no jogo dos soviéticos, que pretendiam açambarcar também o lado ocidental da Alemanha.

Brandt, por seu lado, justificou que seu gesto foi completamente espontâneo, levado pela consternação de não poder expressar em palavras o que sentia no momento.

A coragem e espontaneidade de Willy Brandt naquele 7 de dezembro foram apenas um dos motivos que lhe valeram o Prêmio Nobel da Paz do ano seguinte. Um caso de espionagem em seu gabinete causou sua renúncia, em 1974. Na opinião de John Dew, autor de um projeto da peça A Queda de Joelhos em Varsóvia, Brandt tornou-se figura-guia na história do pós-guerra, por ter expressado o desespero, a tristeza e a sensação de impotência das pessoas naquele momento histórico. “Brandt teve visão e esta visão ajudou a superar a Guerra Fria", conclui Dew.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

NIEMEYER OU O BRASIL EM CURVAS



"Não é a linha reta, dura e inflexível, feita pelo homem, que me atrai. O que me chama a atenção é a curva livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas de meu país, nas margens dos seus rios, nas nuvens do céu, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida"

"Baudelaire disse que a surpresa e o espanto são as características básicas de uma obra de arte. É o que penso. Camus diz em O Estrangeiro que a razão é inimiga da imaginação. Às vezes, você tem de botar a razão de lado e fazer uma coisa bonita”
Oscar Niemeyer
  
Oscar Niemeyer, um dos últimos gênios brasileiros do século XX, morreu ontem a dez dias de completar 105 anos.  Sua obra maior, Brasília, provoca polêmica até hoje. Para o escritor e ministro da Cultura de De Gaulle, André Malraux, trata-se nada menos que a invenção arquitetônica mais importante desde as colunas gregas. Para os críticos, Brasília e outras obras como o Memorial da América Latina revelam uma concepção stalinista de urbanismo, com divisões por setores, prioridade para automóveis e quase nenhuma acessibilidade.

Seja como for, ninguém pode negar o caráter revolucionário da obra arquitetônica de Niemeyer, nem a coerência de sua militância política.       

Niemeyer, sua mulher, Anita, Vinícius de Moraes, Tom Jobim
Ca­rio­ca do bair­ro das La­ran­jei­ras, Os­car Ri­bei­ro de Al­mei­da Nie­me­yer nas­ceu em 15 de dezem­bro de 1907, sim­bo­li­ca­men­te pou­co tem­po de­pois da exe­cu­ção dos pla­nos de urba­ni­za­ção do Rio pro­mo­vi­dos pe­lo pre­fei­to Pe­rei­ra Pas­sos. Fi­lho de fa­mí­lia tra­di­cio­nal – seu avô foi mi­nis­tro do Supremo Tri­bu­nal Fe­de­ral e ho­je é no­me de rua no Rio – Nieme­yer pri­meiro come­çou a tra­ba­lhar co­mo ti­pó­gra­fo, au­xi­lian­do o pai. Em 1929, entrou pa­ra a Es­co­la Na­cio­nal de Be­las Ar­tes, on­de formou-se en­ge­nhei­ro ar­qui­te­to em 1934.

A par­tir daí, a tra­je­tó­ria pro­fis­sio­nal de Nie­me­yer se cru­za de ma­nei­ra fundamental com a do tam­bém ar­qui­te­to Lú­cio Cos­ta. Foi no es­cri­tó­rio que Cos­ta di­vi­dia com Car­los Leão que Nie­me­yer co­me­çou sua car­rei­ra, em 1935. Mes­mo pre­ci­san­do de di­nhei­ro pa­ra susten­tar uma fa­mí­lia em for­ma­ção, Nie­me­yer co­me­çou tra­ba­lhan­do de gra­ça, com o ob­je­ti­vo de se aper­fei­çoar.

Se­ria ali que, no ano se­guin­te, na equi­pe que par­ti­ci­pou do pro­je­to da se­de do Mi­nis­té­rio da Edu­ca­ção e Saú­de, Niemeyer co­nhe­ce­ria ou­tros dois no­mes im­por­tan­tes pa­ra sua for­ma­ção: o mi­nis­tro Gus­ta­vo Ca­pa­ne­ma e o ar­qui­te­to suí­ço Le Cor­bu­sier, o pa­pa do mo­der­nis­mo arqui­te­tô­ni­co. 

Le Cor­bu­sier foi uma das pou­cas in­fluên­cias de­cla­ra­das de Nie­me­yer, mas com o tempo o bra­si­lei­ro foi de­sen­vol­ven­do seu pró­prio es­ti­lo e dis­tan­cian­do-se dos câ­no­nes es­ta­be­le­ci­dos pe­lo suí­ço. Foi Cor­bu­sier quem pri­mei­ro diag­nos­ti­cou a ob­ses­são de Nieme­yer por cur­vas com uma ob­ser­va­ção me­ta­fó­ri­ca. 

— Vo­cê tem as cur­vas dos mor­ros do Rio na re­ti­na.

Gus­ta­vo Ca­pa­ne­ma não era ar­qui­te­to, mas foi o res­pon­sá­vel pe­lo que o pró­prio Nie­me­yer con­si­de­ra­va o mar­co ini­cial de sua arqui­te­tu­ra. Foi Ca­pa­ne­ma quem, em 1940, apre­sen­tou o ar­qui­te­to ca­rio­ca ao então pre­fei­to de Be­lo Ho­ri­zon­te Jus­ce­li­no Ku­bits­chek. A es­sa al­tu­ra, Nie­me­yer já ha­via de­sen­vol­vi­do pro­je­tos no Rio e em par­ce­ria com Lú­cio Cos­ta na Fei­ra Mun­dial de No­va York, mas foi com a Pam­pu­lha, na ca­pi­tal mi­nei­ra, que seu no­me ga­nhou pro­je­ção. Ali, o pró­prio arqui­te­to des­co­briu seu es­ti­lo de for­mas le­ves e si­nuo­sas de con­cre­to.

— Sem a Pam­pu­lha não te­ria ha­vi­do Bra­sí­lia — re­co­nhe­cia Nie­me­yer.

A par­tir do su­ces­so da pri­mei­ra par­ce­ria en­tre am­bos, Nie­me­yer se­ria pro­cu­ra­do qua­se duas dé­ca­das mais tar­de por Ku­bits­chek, ago­ra pre­si­den­te, pa­ra de­sen­vol­ver so­bre o pla­no-pi­lo­to do ami­go Lú­cio Cos­ta a no­va ca­pi­tal da Re­pú­bli­ca, no meio do cer­ra­do. Brasí­lia se­ria o pal­co pa­ra al­gu­mas das mais ra­di­cais ex­pe­ri­men­ta­ções de Nie­me­yer — a mais sim­bó­li­ca as co­lu­nas do Pa­lá­cio da Al­vo­ra­da, acla­ma­das pe­lo mi­nis­tro da Cul­tu­ra de De Gaul­le, An­dré Mal­raux, co­mo a "in­ven­ção ar­qui­te­tô­ni­ca mais im­por­tan­te des­de as co­lu­nas gre­gas".

Ob­ce­ca­do pe­la no­vi­da­de e pe­la bus­ca de so­lu­ções ori­gi­nais, Nie­me­yer dei­xou em mais de 70 anos de ati­vi­da­de cer­ca de mil pro­je­tos, mais da me­ta­de já exe­cu­ta­dos. Sua mais re­cen­te obra ain­da em exe­cu­ção é o cha­ma­do Ca­mi­nho Nie­me­yer, na ci­da­de de Ni­te­rói, um com­ple­xo de cons­tru­ções e es­cul­tu­ras as­si­na­das pe­lo ar­tis­ta em uma área que se ini­cia na Es­ta­ção das Bar­cas, no cen­tro de Ni­te­rói, e ter­mi­na no Mu­seu de Ar­te Con­tem­po­râ­nea — tam­bém pro­je­ta­do pe­lo ar­qui­te­to —, na praia da Boa Via­gem.

As curvas de um revolucionário
Complexo da Pampulha
En­tre 1940 e 1944, Nie­me­yer pro­je­tou no bair­ro da Pam­pu­lha, em Be­lo Ho­ri­zon­te, um cas­si­no (ho­je Mu­seu de Ar­te da Pam­pu­lha), um res­tau­ran­te, um clu­be náu­ti­co, a igre­ja de São Fran­cis­co e a Ca­sa de Bai­le. O pro­je­to mar­ca o es­tá­gio em que ele aban­do­na o ân­gu­lo re­to em fa­vor das cur­vas — a igre­ja que lem­bra um han­gar é um exem­plo.

Sede das Nações Unidas em Nova York
Em 1946, jun­to com ou­tros 10 ar­qui­te­tos, Nie­me­yer foi con­vi­da­do a orien­tar o pro­je­to da no­va se­de da ONU em No­va York. O de­se­nho fi­nal do edi­fí­cio com­bi­nou dois pro­je­tos: o que ha­via si­do apre­sen­ta­do pe­lo an­ti­go mes­tre de Nie­me­yer, Le Cor­bu­sier, e o pla­no do pró­prio Nie­me­yer.

Museu de Arte Contemporânea
Mu­seu em for­ma de na­ve es­pa­cial ou um cá­li­ce pou­sa­do so­bre um ro­che­do à bei­ra mar na Praia da Boa Via­gem, em Ni­te­rói, pro­je­ta­do por Nie­me­yer em 1996. Foi es­co­lhi­do por uma das re­vis­tas de tu­ris­mo mais con­cei­tua­das do mun­do uma das se­te no­vas mara­vi­lhas do mun­do.

Brasília
Em 1956, Jus­ce­li­no Ku­bits­chek, en­tão pre­si­den­te da Re­pú­bli­ca, en­co­men­dou ao ar­quite­to um pro­je­to pa­ra a cons­tru­ção da no­va ca­pi­tal. Nie­me­yer su­ge­riu que fos­se aber­to con­cur­so na­cio­nal pa­ra o pla­no da ci­da­de. Lú­cio Cos­ta ga­nhou e Nie­me­yer pro­je­tou, sem­pre em bus­ca da li­ber­da­de cria­ti­va, os prin­ci­pais pré­dios pú­bli­cos da ci­da­de. En­tre eles, o Pa­lá­cio da Al­vo­ra­da, a ca­te­dral de Bra­sí­lia, o Pa­lá­cio do Pla­nal­to, o Su­pre­mo Tri­bu­nal Fe­de­ral, Mi­nis­té­rio da Jus­ti­ça, Con­gres­so Na­cio­nal, a ca­te­dral, o Tea­tro Na­cional e a Pra­ça dos Três Po­de­res

Memorial da América Latina
O em­preen­di­men­to pro­je­ta­do por Nie­me­yer em 1989 foi cria­do com o ob­je­ti­vo de reu­nir as mais ex­pres­si­vas ma­ni­fes­ta­ções cul­tu­rais do con­ti­nen­te no me­mo­rial em São Pau­lo. Se­gun­do o ar­qui­te­to, o que fez com mais pra­zer foi a es­cul­tu­ra de con­cre­to com se­te me­tros de al­tu­ra, com o ma­pa do con­ti­nen­te de on­de es­cor­re san­gue. A obra significaria, se­gun­do Nie­me­yer, um pro­tes­to con­tra a Amé­ri­ca La­ti­na sa­cri­fi­ca­da. 

Contradições generosas de um gênio moderno
Ao lon­go de qua­se 70 anos de ati­vi­da­de, o gê­nio de Os­car Nie­me­yer equi­li­brou as pró­prias con­tra­di­ções tão bem co­mo as for­mas que saíam de sua pran­che­ta se equilibravam no ar em cur­vas ou­sa­das.

Em Nie­me­yer vá­rios per­so­na­gens con­vi­viam no mes­mo ho­mem: o ateu mes­tre em pro­je­tar igre­jas, o co­mu­nis­ta fer­vo­ro­so que tra­ba­lhou es­trei­ta­men­te com vários go­ver­nos ca­pi­ta­lis­tas e até o ho­mem que via no ca­sa­men­to uma ilu­são bur­gue­sa, mas que vi­via des­de 1928 com a mes­ma mu­lher, An­ni­ta Bal­do.

Nie­me­yer era um co­mu­nis­ta ortodoxo, a pon­to de se des­li­gar do Par­ti­do Co­mu­nis­ta Bra­si­lei­ro em 1990, quan­do es­te renegou suas origens depois da implosão do bloco soviético. Ain­da as­sim, al­gu­mas de suas obras mais mar­can­tes fo­ram dese­nha­das por en­co­men­das de governos do Oci­den­te ca­pi­ta­lis­ta — ele só foi contratado pa­ra um pro­je­to em Mos­cou de­pois da que­da do co­mu­nis­mo. Bra­sí­lia foi ape­nas o exem­plo mais sig­ni­fi­ca­ti­vo — e tam­bém o mais irô­ni­co, já que ape­nas qua­tro anos depois de inau­gu­ra­das, as sa­las que Nie­me­yer ha­via pro­je­ta­do pa­ra abri­gar o poder presi­den­cial pas­sa­ram a ser ocu­pa­das por go­ver­nan­tes mi­li­ta­res que se sen­ti­ram mui­to à von­ta­de na no­va Ca­pi­tal. Gra­dual­men­te, o ar­qui­te­to se viu im­pe­di­do de tra­ba­lhar no Bra­sil a aca­bou mu­dan­do-se pa­ra Pa­ris. 

Nas suas de­cla­ra­ções pró-so­cia­lis­mo, Nie­me­yer era um so­nha­dor, o que con­tras­ta­va com o prag­ma­tis­mo pro­fis­sio­nal que ma­ni­fes­ta­va ao fa­lar de sua pró­pria atua­ção co­mo ar­qui­te­to con­tra­ta­do. Di­zia que a clien­te­la pa­ra seu tra­ba­lho eram "a clas­se do­mi­nan­te e o pró­prio Es­ta­do".

— Na me­sa de de­se­nho, nós, ar­qui­te­tos, na­da po­de­mos fa­zer nes­se sen­ti­do... a ta­re­fa úni­ca é pro­tes­tar con­tra a mi­sé­ria e a opres­são e jun­tos lu­tar­mos por um mun­do me­lhor e mais jus­to — es­cre­veu em A Ar­qui­te­tu­ra Mo­der­na no Bra­sil.
— Sou rea­lis­ta e sei mui­to bem co­mo as coi­sas são pre­cá­rias e ilu­só­rias dian­te do tem­po que tu­do vai di­luir e es­que­cer — jus­ti­fi­ca­va.

Com informações do jornal Zero Hora

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

DAVID "DAVE" BRUBECK (1920-2012)

Theodor Adorno
Theodor Adorno, um dos pilares da Escola de Frankfurt, afirma (in Moda Intemporal – sobre o jazz e Fetichismo na música e a regressão da audição) que o jazz é um mero produto da indústria cultural, um “fenômeno de massa” sujeito a todas as limitações das artes – na verdade, espetáculos, como cinema e fotografia – dentro do capitalismo.

O pensador alemão desvaloriza as improvisações características do gênero, que diz serem afetadas pela “estandardização, a exploração comercial e o enrijecimento do meio”. Para ele, as improvisações jazzísticas não passam de “embustes”.

Meu amigo jornalista e profundo conhecedor de música João Batista Natali minimiza a crítica, alegando que quando Adorno escreveu tudo isso, em 1943, a palavra “jazz” significava muita coisa, inclusive o rock-balada medíocre que fazia sucesso durante a Segunda Guerra. Já o crítico Peter Townsend, em Adorno on Jazz: Vienna versus the vernacular, diz que a falta de conhecimento do mestre frankfurtiano sobre o jazz era simplesmente espantosa.  

Dave Brubeck, ao piano, com seu famoso quarteto
Seja como for, Adorno não deve ter ouvido David "Dave" Brubeck, jazzista morto hoje às vésperas de completar 92 anos. Além de se tornar conhecido por quebrar convenções desse gênero musical, Brubeck também ficou famoso por seu ativismo político, integrando-se com músicos negros em concertos em diversos clubes de jazz negros no sul dos Estados Unidos numa época vigorava o apartheid em vários estados sulistas.

Como pianista, David Brubeck também aplicou ao jazz as influências clássicas de seu professor, o francês Darius Milhaud, tocando com um estilo considerado uma antítese ao norte-americano. Nos anos 1950, Brubeck levou concertos às universidades, quebrando o preconceito de que o jazz não tinha lugar no meio acadêmico.

O genial e erudito Adorno não entendia de jazz - ninguém é perfeito. Mas se este gênero fosse mesmo “regressão da audição”, como classificar techno, sertanejos, axé e pancadões de hoje?