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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

CUBA LIBRE




Chan Chan, Buena Vista Social Club, na voz de Compay Segundo




ELLA É MAIS ELA



Ella Fitzgerald (1917-1996), a maior diva negra do jazz

Every Time you say goodbye (Cole Porter)
http://www.youtube.com/watch?v=OEonGrbao8A

Summertime (Porgy and Bess, de George Gershwin), com Louis Armstrong
http://www.youtube.com/watch?v=MIDOEsQL7lA

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A CERVEJA, A LOURA, A "BURRITSIA" E A CENSURA

O Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu três processos contra a campanha de lançamento da cerveja Devassa Bem Loura, da Schincariol. Numa das propagandas dessa campanha, a socialite americana Paris Hilton aparece em pose sensual na varanda de um apartamento à beira mar no Rio de Janeiro. Ela é clicada por um voyeur que (parece) está mais interessado na cerveja do que na loura.
http://www.youtube.com/watch?v=hG0Drkb4L38
Os processos foram abertos depois de denúncias da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), que considerou a propaganda “sexista e desrespeitosa” para com as mulheres. De fato, propagandas de cerveja no Brasil geralmente são peças apelativas feitas para debilóides. E isso num país que tem uma das publicidades mais sofisticadas do mundo. Mas daí a querer censurar uma campanha para “defender a mulher” é de uma estultice que seria cômica se não fosse trágica. Como se as mulheres fossem “coitadinhas” a serem “protegidas” de propaganda idiota. Mas há um aspecto mais grave: quem viveu a época da censura sabe a temeridade de um ato como este: começa-se vetando o apelo sexual de uma propaganda e termina-se fazendo censura política e ideológica. É isso que os defensores do “politicamente correto” não entendem. Pior: eles agem como polícia do comportamento mas se pretendem herdeiros do espírito libertário dos anos 60. Incapaz de propor políticas públicas efetivas para a emancipação da mulher, nossa colonizada burritsia (o oposto de intelligentsia) importa o “politicamente correto” dos Estados Unidos. Assim, esses stalinistas puritanos aplacam seu sentimento (cristão?) de culpa. Contra essa hipocrisia, nada melhor do que a verve iconoclasta de uma Camille Paglia, ela sim uma verdadeira herdeira daqueles anos rebeldes.

“Minha geração foi aquela que jogou tudo para o alto nos Estados Unidos e disse: ‘Chega de regras!’ Nós dissemos para as universidades: ‘Saiam das nossas vidas sexuais!’. E agora o feminismo de hoje é tão estúpido, quer figuras de autoridade de volta no sexo! (...) Isso é ridículo. As mulheres têm de assumir responsabilidade total pela sua sexualidade”

“Evidentemente que sou contra os violentadores e até ajudo a castrá-los se for preciso, mas detesto a ideia das feministas de que se devem criar regras para tudo, incluindo para os encontros entre rapazes e moças”

“A ideologia de vítima, uma caricatura de história social, bloqueia à mulher o reconhecimento do seu domínio na esfera mais profunda e importante”

“O que é mais repugnante sobre o corretismo político é que seus proponentes deram um jeito de convencer os estudantes e a mídia de que são autênticos radicais dos anos 60. A idéia é absurda. O politicamente correto, com seus códigos reguladores da expressão e regulamentos sexuais puritanos, apenas se traveste dos valores progressistas da década de 60”


"A Madonna é o futuro do feminismo" (*)
(*) Agora é a Daniela Mercury...

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

A DITADURA DE PEDRA

A morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo depois de 85 dias de greve de fome é mais uma demonstração do caráter brutal e reacionário da ditadura castrista. E o silêncio ensurdecedor de boa parte da esquerda latino-americana durante todo esse tempo em que ele protestava contra suas péssimas condições carcerárias é sintomático. Zapata – o nome é evocativo! – era operário e fazia parte dos 78 dissidentes condenados em 2003 a penas de seis a 28 anos de prisão. O “crime” que eles cometeram foi o de ter trabalhado por uma transição pacífica e democrática em Cuba. E eles o fizeram de maneira aberta e legal, não clandestinamente, nem em aliança com os "gusanos" de Miami. Integram o grupo o poeta e jornalista Raúl Rivero e os economistas Oscar Espinosa Chepe e Marta Beatriz Roque, condenados a 20 anos de prisão, e um dos organizadores do Projeto Varela, Héctor Palacios, condenado a 25 anos. O Projeto Varela colheu legalmente onze mil assinaturas em favor da democratização pacífica de Cuba. Orlando Zapata era considerado "prisioneiro de consciência" pela Anistia Internacional.
A questão não é, como insiste a mídia de direita, a posição do Itamaraty e do governo brasileiro em relação a Cuba. As relações internacionais são, por excelência, o lugar do realismo político; então, se for do interesse do Estado nacional negociar com Ahmadinejad, Netanyahu, com o papa ou com Satanás, assim deve ser feito. O problema é quando partidos, líderes e a intelligentsia de esquerda, mesmerizados pela mitologia da Revolução Cubana, fecham os olhos às barbaridades da ditadura castrista em nome de seu suposto papel na luta “anti-imperialista”. Ora, ou se aceita que a democracia é um valor universal - embora ela possa ser ampliada -, como faziam os comunistas italianos, ou vamos continuar contemporizando com tiranias rotuladas de "progressistas". E dando, de bandeja, argumentos para a direita reacionária.
Felizmente, essa postura não mais é unânime, como mostra o manifesto assinado por intelectuais de esquerda, quando os dissidentes foram condenados, em 2003:
“Se o projeto [Varela] se inscreve, e por boas razões, contra as manobras de auto-eternização do poder autocrático, seria bom lembrar que ele também contraria a política dos defensores do embargo e os planos nada pacíficos da imigração de extrema-direita. Apesar das aparências, denunciar a violência dos poderes despótico-burocráticos de direita ou de pseudo-esquerda não leva água para o moinho da política expansionista dos falcões de Washington. A erradicação das ditaduras de direita ou de pseudo-esquerda está longe de ser a verdadeira razão da política dos ultra, e, mais do que isso, a existência das ditaduras conforta essa política; tanto no plano ideológico, como no plano prático. Viu-se como é impossível organizar a resistência popular contra uma agressão externa (a fortiori, quando esta se faz em nome da ‘‘democracia’’) lá onde não existe um verdadeiro governo democrático. A condenação dos dissidentes cubanos é tão ilegítima quanto o tratamento que dá o governo americano aos seus prisioneiros em Guantánamo, tratamento contra o qual também protestamos”.
Entre os signatários estavam Ruy Fausto, Renato Janine Ribeiro, Gildo Marçal Brandão (morto recentemente), Caterina Koltai, Luis Felipe Alencastro, Olgária Mattos e Claudio Willer

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

DE QUE MATÉRIA SÃO FEITOS OS SANTOS?

Em março de 2010 completam-se 30 anos do assassinato de dom Óscar Romero, arcebispo de San Salvador, ocorrido enquanto ele oficiava uma missa na capital salvadorenha. Alinhado à Teologia da Libertação, crítico feroz das injustiças sociais e da violação de direitos humanos por forças militares e paramilitares de seu país, dom Romero tombou fuzilado por pistoleiros dos esquadrões da morte de extrema-direita. Esses grupos foram criados pelo major Roberto D'Aubuission, descrito como "psicopata assassino" pelo próprio embaixador americano em El Salvador na época, Robert White.

O papa João Paulo II foi o pontífice que, sozinho, canonizou mais santos do que todos os papas anteriores juntos (483 entre 800). Mas com dom Romero, ele fez corpo mole. Não só nunca denunciou o crime ou exigiu sua punição como adiou o processo de canonização o quanto pôde. Já notórios reacionários viraram santos ou beatos (um estágio anterior à santidade) quase que da noite para o dia. João Paulo II santificou vários fascistas espanhóis, como o monsenhor José María Escrivá de Balaguer, fundador da Opus Dei e aliado da ditadura franquista. Ele morreu em 1975 e foi canonizado em 1992. Karol Wojtyla também beatificou o cardeal croata Aloysius Stepinac (à dir.), que durante a II Guerra Mundial abençoou o governo pró-nazista da Ustashi na Croácia, responsável pelo genocídio de 700 mil sérvios, judeus e ciganos.
Sem falar na madre Tereza de Calcultá, beatificada em 2003.
Ah, mas essa era mesmo uma santa, muitos dirão. Talvez, dependendo do ponto de vista sobre a matéria da qual os santos são feitos.
Ela se dizia pobre, mas recebia polpudas somas de dinheiro do banqueiro trapaceiro Charles Keating, por quem intercedeu perante a Justiça dos EUA. O juiz pediu que a madre devolvesse o dinheiro recebido de Keating, porque ele era roubado; ela ficou de bico calado. Outro que também "ajudava as obras" de madre Tereza era o ex-ditador do Haiti, Jean-Claude (Baby Doc) Duvalier, que surrupiava o dinheiro dos cofres públicos do país. E, ao receber o Prêmio Nobel da Paz (sim, outro equívoco da academia!) em 1979, a pia alma disse que o maior inimigo da paz era o aborto! (na época estavam em curso guerras devastadoras no Afeganistão, no Camboja e na África). Durante sua cruzada pelo mundo contra o aborto, o divórcio e o controle da natalidade, a santa mulher chegou a dizer que a Aids era um castigo divino enviado aos que tinham conduta sexual "imprópria".

Pensando bem, tendo em vista as companhias, é melhor que dom Romero não seja mesmo canonizado. Sua memória será mais dignificada se ele permanecer apenas no panteão dos cristãos engajados na luta contra a opressão e a injustiça, como Georges Bernanos (à esq.), dom Helder Câmara e Tristão de Athayde.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O GRANDE FARSANTE

O Dalai Lama sempre aparece nas manchetes ocidentais como um velhinho sábio, simpático e corajoso. Há décadas, Tenzin Gyatso – esse é seu nome; "dalai lama" é um título religioso, como "papa" –, é incensado por governos, instituições e celebridades como apóstolo da não-violência, amante da paz e da democracia e líder de um povo esmagado pela opressão de um regime cruel e impiedoso. Tenzin Gyatso, a 14ª. "encarnação" do Dalai Lama, é chamado de "deus vivo" e até ganhou um Prêmio Nobel da Paz, em 1989.
Trata-se de uma das maiores farsas do nosso tempo. Foi uma mentira construída para enganar incautos e granjear apoio político ao separatismo do Tibete.
O contraponto ao domínio chinês no Tibete não é a democracia;, é a teocracia feudal da qual o Dalai Lama era o cabeça. Era um regime em que a propriedade da terra estava concentrada nas mãos da oligarquia clerical budista e laica, que controlava 93% da riqueza do Tibete. Já os camponeses (95% da população) eram mantidos em regime de servidão, só podiam cultivar as terras que os senhores determinassem, eram obrigados a pagar pesados impostos e sofriam castigos físicos medievais, atrocidades como amputação de mãos, chibatadas, flagelação e mutilações. Seus filhos - principalmente os do sexo feminino - podiam ser dispostos livremente pelos senhores.
Com a vitória da Revolução Chinesa de 1949, o novo regime inicialmente preservou a autonomia da província e o governo do atual Dalai Lama. Em 1951, o Exército chinês fez um acordo com a teocracia: Pequim mantinha a soberania (fronteiras e segurança), enquanto a elite local conservava seus privilégios. Mas os oligarcas começaram a conspirar, com o apoio da CIA. O governo central promoveu então uma reforma agrária e aboliu a servidão. O Dalai Lama liderou a revolta;, derrotado, exilou-se em 1959 na Índia.
O fim da teocracia escravista permitiu a redução da taxa de analfabetismo, a emancipação da mulher e o aumento da expectativa de vida dos tibetanos. É verdade que houve perseguição religiosa e destruição de templos na época da Revolução Cultural, mas as denúncias de genocídio contra os tibetanos foram manipuladas pela CIA no Ocidente.
As relações do "líder pacifista" com os órgãos de inteligência ocidental, aliás, são um capítulo à parte. De acordo com o historiador americano Jim Mann, ''durante os anos 1950 e 1960, a CIA apoiou ativamente a causa tibetana com armas, treinamento militar, dinheiro, apoio aéreo e todo o tipo de auxílio''. Outro estudioso das ações da CIA na Ásia, Michael Parenti, observou: "nos Estados Unidos, a Sociedade Americana Por uma Ásia Livre, uma fachada da CIA, propagandeou ferozmente a causa da resistência tibetana, com o irmão mais novo do dalai-lama, Thubtan Norbu, tendo um papel ativo nessa organização. Outro irmão também mais novo do dalai-lama, Gyalo Thondup, estabeleceu uma célula de operação de 'inteligência' com a CIA em 1951 (embora o apoio oficial da agência tenha sido estabelecido somente em 1956). Mais tarde, essa célula foi treinada e transformada em uma unidade de guerrilha da CIA, tendo seus recrutas sendo lançados por paraquedas no Tibete''. Documentos da inteligência americana liberados em 1998 revelam que o movimento tibetano no exílio recebeu cerca de US$ 1,7 milhão por ano, na década de 1960, para operações contra a China, enquanto US$ 180 mil anuais foram pagos ao dalai-lama.
Em 1979, durante o governo Jimmy Carter, o ''pacifista'' dalai lama obteve um visto de entrada nos EUA. A ''causa tibetana'' encontrou então novos patrocinadores, com representantes do Congresso americano trabalhando junto com os separatistas tibetanos para atrair a atenção dos governos do mundo pela ''questão tibetana''. Hoje, a ajuda financeira e política aos exilados tibetanos parte de um poderoso braço da CIA, a National Endowment for Democracy, organismo criado em 1984 na administração Reagan para patrocinar e subsidiar movimentos pró-americanos no mundo.
Que a China é uma ditadura, todo mundo está careca de saber. Mas que o dalai lama e seus acólitos representem uma opção democrática à dominação de Pequim, é uma balela montada pela CIA na época da Guerra Fria e que perdura até hoje. E uma farsa tão grotesca que permite ao regime chinês tripudiar sobre os americanos: na visita do dalai lama à Casa Branca, eles lembraram que Abraham Lincoln acabou com a escravidão e sufocou o separatismo nos EUA, assim como os comunistas se arvoram ter feito no Tibete. Obama poderia ter ficado sem essa...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

CAMINHO SEM VOLTA (*)

Naquele tempo em que Lula ainda era um líder metalúrgico do ABC e o PT apenas engatinhava, havia no universo da esquerda ortodoxa brasileira uma gama de adjetivos que causavam urticária nos militantes. Dois deles, especialmente, soavam quase como palavrões: “revisionista” e “social-democrata”. O primeiro designava os "hereges" que ousavam criticar os mandamentos do credo marxista, a saber: o caráter inevitável da crise do capitalismo, a polarização entre a maioria proletária e a minoria burguesa e a consequente revolução socialista, que aboliria a propriedade privada dos meios de produção, trazendo a redenção da humanidade trabalhadora na face da Terra. O segundo adjetivo era consequência do primeiro, referindo-se àqueles que levaram o "revisionismo" à prática, ou seja, os tradicionais partidos social-democratas europeus, considerados “traidores da classe operária” por terem adotado o caminho de reformar o capitalismo, deixando o ideal da revolução socialista para um futuro improvável.
A polêmica que agitou o PT em seus primórdios já era bem velha: teve origem na Europa em 1896, quando o "herege" Eduard Bernstein (1850-1932; acima, à esq.) chocou seus pares do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD), a mais tradicional e poderosa organização da classe operária europeia, ao afirmar que, ao contrário das previsões catastróficas de Karl Marx, o capitalismo não estava condenado à bancarrota, nem a classe operária era destinada a forjar uma nova sociedade. O capitalismo, dizia Bernstein, desenvolvera mecanismos de auto-regulação não previstos pelo autor de O capital. Por isso, os socialistas deveriam abandonar a via da revolução violenta e passar a lutar, dentro dos parlamentos, para democratizar a sociedade burguesa, tornando-a mais igualitária. Os cardeais do SPD e da II Internacional (que reunia os partidos social-democratas da Europa) rejeitaram as teses de Bernstein e mantiveram o discurso ortodoxo. Afinal, a I Guerra e a continuidade das crises do capitalismo pareciam desmentir o diagnóstico revisionista. Mas na prática, a II Internacional adotou o caminho de Bernstein.
A Revolução Bolchevique de 1917 (acima, à dir.) consolidou a ruptura da esquerda mundial entre revolucionários que insistiam na derrubada do capitalismo pela violência e os social-democratas que acreditavam que reformas democráticas poderiam superar gradativamente o regime burguês de propriedade privada. Depois da II Guerra Mundial, o SPD continuou a crescer eleitoralmente e teve êxito em implantar o welfare state na Europa, aumentando a distância entre a intenção revolucionária e o gesto reformista.
Em 1959, no Congresso de Bad Godsberg, o SPD, sob a batuta de Willy Brandt (abaixo, à esq.), finalmente adequou a teoria à prática: deu adeus ao marxismo, abandonou a idéia de ruptura com o capitalismo e de partido dos trabalhadores transformou-se em “partido de todo o povo”. Era o reconhecimento de que Berstein tinha razão. Em 1969, Willy Brandt se tornaria o primeiro chanceler (primeiro-ministro) social-democrata da Alemanha Ocidental. O colapso do bloco soviético confirmou a vitória final do reformismo.
Enquanto era oposição, o PT podia se dar ao luxo de ficar no meio caminho entre a reforma e a revolução. Para conquistar o poder, o partido teve que atravessar o Rubicão (a "Carta aos Brasileiros"). Mandou o socialismo às calendas gregas – ou seja, o partido fez um Bad Godsberg à brasileira. Aos setores radicais restaram duas alternativas: a aceitação da nova orientação ou a ruptura com o governo Lula e o consequente isolamento político. Situação, aliás, semelhante às já vividas por todos os partidos social-democratas que passaram pelo teste do poder, como o PS francês, o PSOE espanhol e o Labour Party britânico.
Agora que o lulismo superou (dialeticamente?) o petismo, o reformismo se tornou um caminho definitivamente sem volta. Por isso, a ideia de que a candidatura Dilma Rousseff possa representar uma guinada à esquerda em relação a Lula é mero discurso para apaziguar os “bolsões sinceros mas radicais” do PT. E também cortina de fumaça eleitoral dos demo-tucanos.
(*) adaptado e atualizado de um artigo publicado na ISTOÉ

A GUERRA FRIA ACABOU... MAS ESQUECERAM DE AVISAR OS ECOLOGISTAS...

O presidente americano, Barack Obama, obteve um empréstimo de US$ 8,3 bilhões para a construção da primeira usina nuclear nos EUA em quase três décadas. "Para satisfazer nossas crescentes necessidades energéticas e evitar as piores consequências das mudanças climáticas, precisaremos aumentar nossa oferta de energia nuclear. É simples assim", disse Obama. A decisão é um passo importante para acabar com o tabu, alimentado por grande parte dos ecologistas, de que a energia nuclear é intrinsecamente perigosa - senão "má" - e que, por isso, deve ser banida. Essa postura, defendida até hoje com fervor messiânico por ongs como o Greenpeace, fez estragos na Alemanha, onde, por pressão dos verdes, foi decretado em 2002 o abandono gradual da energia atômica. Agora, os alemães estão à mercê do gás e do petróleo russos e com dificuldade em controlar as emissões de gases de efeito estufa...

Esse "negacionismo" é prisioneiro da lógica da Guerra Fria, segundo a qual a energia nuclear gera necessariamente uma sociedade centralizada e autoritária, com objetivos militaristas, sendo portanto uma ameaça permanente à paz. É um temor que tem suas origens nos anos 80, quando soviéticos e americanos instalaram mísseis nucelares de médio alcance (SS-20, Cruise e Pershing II) na Europa, provocando o sentimento de pânico face a uma possível hecatombe nuclear (sensação muito bem captada pelo filme The Day After http://www.youtube.com/watch?v=7VG2aJyIFrA). Houve ainda os desastres com usinas nucleares em Three Mile Island (EUA, 1979) e Chernobyl (URSS, 1986), o que gerou controvérsia sobre a segurança dessas plantas. Também aqui, Hollywood fez a festa com o filme Síndrome da China, de1979 (http://www.youtube.com/watch?v=5FxtBJ59Jm8). Todo esse clima de pavor nuclear na época levou os verdes à radicalização. Herdeiros do romantismo político, eles dirigiam suas críticas não apenas ao capitalismo, mas contra todo o arcabouço técnico da "sociedade industrial" - o que incluía o chamado "socialismo real". Eram a esquerda da esquerda. Desde então, os mísseis foram desativados e os muros caíram. Mas esse pessoal parou no tempo, como os imortais do conto homônimo de Jorge Luis Borges.

Hoje a energia atômica é utilizada por 31 países com 444 usinas termonucleares, que geram 390 mil megawatts (17% da energia elétrica do mundo, 31% da Europa e 77% da França). Em mais de cinquenta anos de atividades, houve apenas dois desastres graves - os já citados Three Mile Island e Chernobyl - e destes, só o segundo com vítimas. Hoje, sabe-se o quanto Chernobyl era uma usina ultrapassada, além de ter sido construída sem os rígidos padrões de segurança da indústria nuclear. E ninguém pode negar que a energia nuclear é limpa, renovável e não provoca emissões de gases de efeito estufa. E que o lixo atômico, outra justificativa para se descartar a energia nuclear, é rigidamente monitorado e também não provoca poluição. Constatações como essas abalaram convicções de alguns (poucos) ecologistas históricos, como James Lovelock, que tiveram a coragem de mudar de posição, passando a defender o uso pacífico da energia nuclear para combater o aquecimento global. É a astúcia (ou ironia) da História...

Mas os "fundamentalistas ecológicos" continuam a entoar o mantra antinuclear - quando não antimoderno. A senadora Marina Silva (PV-AM), por exemplo, vocaliza uma oposição quase religiosa ao nuclear e, por vezes, à sociedade industrial. Por motivos diferentes, Marina e o Greenpeace fazem o jogo das grandes potências que não querem que países como o Brasil utilizem energia nuclear, mesmo para fins pacíficos.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

À SOMBRA DE MACONDO

A grande mídia não se cansa de falar da "narcoguerrilha" da Colômbia, principalmente das FARC, mas quase não menciona os paramilitares de extrema-direita, nascidos como ponta de lança dos interesses do narcotráfico e com amplas ligações com os militares e os serviços de inteligência do país. Pois bem: a Unidade de Justiça e Paz da Promotoria colombiana acaba de divulgar um relatório informando que as chamadas Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) assassinaram 30 mil pessoas num período de menos de 20 anos - entre meados dos anos 1980 a 2003. A cifra é semelhante ao número de vítimas da ditadura militar argentina (1976-1983), a mais sanguinária da América do Sul. A maioria dos assassinatos era de camponeses cujas terras foram expropriadas pelos grandes traficantes para que fazer a lavagem do dinheiro sujo proveniente das drogas - um processo conhecido na Colômbia como "limpeza social". O governo do presidente Álvaro Uribe (acima, à dir.) - ele mesmo ligado no passado às AUC - permitiu que esses facínoras retornassem à vida legal fixando uma pena máxima de oito anos para seus crimes. O mesmo governo se recusa a negociar com a guerrilha, que nasceu nos anos 60 defendendo camponeses e acabou enveredando para o narcotráfico. Uribe também não diz uma palavra sobre as unidades militares colombianas de elite que, com amplo apoio americano, se envolveram em massacres e tortura de camponeses - atividades essas amplamente denunciadas e documentadas por entidades internacionais de defesa de direitos humanos. E depois é o fanfarrão do Hugo Chávez que é o grande inimigo da democracia no subcontinente...

domingo, 14 de fevereiro de 2010

LIÇÕES DO URUGUAI

Juan María Bordaberry (à esq.) foi eleito presidente do Uruguai em 1972. No ano seguinte, em nome do combate à guerrilha dos Tupamaros, deu um golpe de Estado através do qual tornou-se um fantoche civil de uma ditadura militar de facto. Na semana passada, ele foi condenado a 30 anos de prisão por ter violado a Constituição e desferido o golpe de Estado. É a primeira vez na América Latina que um ex-presidente é condenado especificamente por quebrar a ordem constitucional. Uma decisão importante porque ocorre no momento em que o mau exemplo de Honduras abriu um precedente perigoso. Mais uma vez, essa pequena república do Prata dá o exemplo ao colocar o respeito a princípios universais, como os direitos humanos, acima de qualquer razão de Estado. E não é a primeira vez que isso acontece no Uruguai. Em 2009, outro ex-ditador, o general Gregório Alvarez, foi condenado a 25 anos de prisão por envolvimento na morte de 37 uruguaios durante a ditadura (1973-1985) no contexto da Operação Condor. As cenas do carniceiro algemado (à dir.) são impagáveis.
Mas há um conflito em curso no médio prazo, que pode ser uma batata quente para o novo presidente, José Mujica. Em 2009, a Suprema Corte criou jurisprudência ao considerar inconstitucional, em um caso específico, a chamada "lei de caducidade", pela qual os militares foram isentados de processos por crimes cometidos durante a ditadura. Acontece que a proposta do governo para derrubar essa lei não obteve a maioria absoluta no plebiscito realizado em outubro passado. Se a questão voltar à Suprema Corte, como tudo indica, esse tribunal terá que decidir sobre o quê deve prevalecer: os princípios universais e constitucionais ou a vontade da maioria.
Seja como for, o Uruguai sempre esteve décadas à frente de seus vizinhos: foi o primeiro Estado a implantar um regime verdadeiramente democrático na América Latina, com direito a welfare state, há cem anos. Não por acaso, o país assombrou o mundo em 1980, quando a maioria dos eleitores rejeitou, em plebiscito, o projeto dos militares de eternizar a ditadura.
Portanto, em termos de espírito democrático e republicano, temos muito o que aprender com esse pequeno grande país.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

O BOM E VELHO JOE COCKER


Feelin' Alright
(1969)


http://www.youtube.com/watch?v=PmqQKZPlj6M

JÁ FOI TARDE

O perfil de alguns ministros da Justiça da ditadura militar é uma clara demonstração de como o movimento subversivo vitorioso em 1º. de abril de 1964 e o regime implantado posteriormente foi obra de civis e militares. Armando Falcão, morto na quinta-feira 11 aos 90 anos (os canalhas também envelhecem, dizia Rachel de Queirós), era um dos representantes civis da linha-dura no governo Ernesto Geisel. Ele foi o artífice da Lei Falcão, que limitou drasticamente o acesso de políticos da oposição ao rádio e à TV depois da derrota do regime nas eleições parciais de 1974. Suas declarações sobre a "infiltração comunista" no MDB foram a senha para a violenta repressão que se abateu entre 1975/76 sobre o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que jamais aderiu à luta armada contra o regime de 1964. Entre as vítimas dessa razzia estão Vladimir Herzog e Manuel Fiel Filho. Depois, em 1977, Falcão participaria da elaboração do Pacote de Abril para frear o avanço eleitoral da oposição. Antes de Falcão, o sinistro Alfredo Buzaid, ex-integralista, tinha sido ministro da "Justiça" de um governo (Emilío Garrastazu Médici) que institucionalizara a tortura e o assassinato político. E o antecessor de Buzaid, Gama e Silva, além de emprestar seu saber saber jurídico para redigir o famigerado AI-5, elaborou uma lista com professores da USP que deveriam ser cassados e aposentados compulsoriamente, como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni, Paul Singer, Isaías Raw e Mário Schenberg. Roland Freisler, chefe do Volksgerichtshof (Tribunal Popular do III Reich), responsável por milhares de sentenças de morte e conhecido por humilhar os condenados, teria se orgulhado de todos eles.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

CQD (COMO QUERÍAMOS DEMONSTRAR)

Desde a época do general-presidente Ernesto Geisel, que restabeleceu a disciplina e a hierarquia militar nos quartéis ao demitir dois generais - Ednardo D'Ávila Melo, do comando do II Exército em 1976, e Sylvio Frota, do Ministério do Exército em 1977 - um governo, militar ou civil, não tinha tido a coragem de peitar oficiais indisciplinados. João Figueiredo, sucessor de Geisel, se borrou todo quando o establishment militar defendeu a frustrada tentativa de terrorismo no Riocentro em 1981. E os governos democráticos depois de 1985 quase sempre capitularam às manifestações da"fúria das legiões". A única exceção, justiça seja feita, foi em 1999, quando FHC afastou o brigadeiro Walter Brauer do comando da Aeronáutica por ele ter insinuado que o então ministro da Defesa, Élcio Álvares, era corrupto. Até Lula preferiu aceitar a saída de seu ministro da Defesa, José Viegas, em 2004, a contrariar o Exército, que soltara uma nota sem sua autorização defendendo as práticas repressivas durante a ditadura. Agora, o ministro Nelson Jobim demitiu o general-de-exército (quatro estrelas) Maynard Marques de Santa Rosa do cargo de Departamento de Pessoal do Exército por ele ter criticado, em carta na internet, o III Programa Nacional de Direitos Humanos. Algumas postagens atrás, eu havia dito que este governo, depois do lançamento do Plano Nacional de Defesa, da opção estratégica pela França e da proposta reestruturação das Forças Armadas, havia mudado a relação entre civis e militares. A demissão do general indisciplinado foi a confirmação disso. Dez anos depois de sua criação, o Ministério da Defesa mostrou a que veio. Como disse Lula, comandante-em-chefe das Forças Armadas, o afastamento do general mostra que esse tipo de comportamento não será mais aceito. Esperemos, agora, que o governo siga em frente com a instauração da Comissão de Verdade para esclarecer os crimes da ditadura. Ela deve ser exorcizada para lavar a honra das Forças Armadas. Já passou da hora de virarmos essa página nefanda da nossa História.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O PANTEÃO DO SÉCULO XX

No século passado, antes que a política se tornasse um espetáculo de massas e fosse devidamente esterilizada, tivemos grandes estadistas, homens que reafirmavam aquilo a que a vulgata do marxismo sempre torceu o nariz: o papel do indivíduo na História. Reconstrutores de nações, como Mustafá Kemal Atatürk, Josip Broz Tito e Konrad Adenauer; líderes de seus países no maior conflito bélico de todos os tempos, como Franklin Roosevelt, Winston Churchill e Charles De Gaulle; generais brilhantes como Georgij Zukov, Erwin Rommel e Bernard Montgomery; pacifistas como Mahatma Gandhi e Martin Luther King; visionários como Che Guevara e Nelson Mandela. Entre eles, na minha modesta opinião, três foram os maiores:

Winston Churchill (1874-1965) - Soldado, escritor e jornalista, tornou-se a expressão do espírito expansionista e arrogante do imperialismo britânico. Isso lhe valeu alguns reveses. Na Primeira Guerra Mundial, como Primeiro Lorde do Almirantado - equivalente a ministro da Marinha -, foi o principal responsável pelo desastre militar dos ingleses frente aos turcos em Gallipoli, em 1915. Ele também articulou o envio de tropas para combater o regime bolchevique na URSS - outra iniciativa fracassada. Mas nos anos 1930, como líder oposicionista, foi a voz solitária contra a barbárie nazista e as tentativas de apaziguá-la. Em 1940, pouco depois da eclosão da II Guerra, tornou-se primeiro-ministro. Foi a sua "finest hour": naquele momento, quando muitos pressionavam por um acordo com Hitler, Churchill foi o responsável por manter a Grã-Bretanha, praticamente sozinha, enfrentando as hordas do III Reich. Quando a Alemanha invadiu a Rússia, o velho anticomunista aliou-se a Stálin. "Se Hitler invadir o inferno, vamos nos aliar ao diabo", disse. Ganhou a guerra, mas perdeu as eleições de 1945. Depois, tornou-se ideólogo da Guerra Fria e fiador da dependência britânica dos EUA. Mas sua firmeza durante o período mais tenebroso do século lhe garantiu o lugar na História.

Charles De Gaulle (1890-1970) - De família católica e conservadora - o que, na França, significa reacionário -, formou-se em Saint Cyr e participou da I Guerra Mundial. Teorizou sobre o papel dos tanques numa época em que o Estado-Maior estava preso à concepções defensivas. Era um mero general-de-brigada quando as tropas alemãs invadiram a França e Pétain, seu antigo comandante e heroi nacional, assinou um armistício com os nazistas. Como um Quixote, De Gaulle voou para Londres para criar e liderar a Resistência Francesa. Como Churchill, foi um visionário. Voltou a Paris em 1944 vitorioso e chefiou o governo da libertação, mas renunciou em 1946 desencantado com a "partidocracia". Voltou ao poder em 1958, por pressão do Exército, que queria manter o domínio francês na Argélia. De Gaulle refundou a República, moldando-a à sua imagem e semelhança. Mas percebeu que a França não venceria os guerrilheiros argelinos, como não vencera os vietnamitas . As negociações levaram à independência da Argélia e lhe granjearam o ódio eterno dos generais que um dia o adularam. De Gaulle também reforçou a autoestima da França, afastando-a da influência americana, mas foi incapaz de perceber os ventos de mudança de 1968. Sua idéia de grandeza não correspondia mais à realidade do país. Mas sem ele, a França teria sido uma mera caudatária de Tio Sam e da direita ultramontana.

Nelson Mandela (1918) - Este simplesmente foi o maior de todos. Líder do braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA), que lutava contra o apartheid na África do Sul, Mandela amargou 27 anos na prisão. Apesar de apostar na luta armada, percebeu que só poderia vencer o regime através de negociações. Elas começaram secretamente em 1985, ainda na prisão, e envolveram até Pieter Botha, o odiado presidente sul-africano. Ao ser libertado em 1990, Mandela era a grande esperança da maioria negra do país. Mas ele se tornou muito mais do que isso. Poderia usar o ressentimento dos negros contra o apartheid para mergulhar o país numa guerra civil e conquistar o poder absoluto, como o aiatolá Khomeini no Irã ou Robert Mugabe no Zimbábue. Mas Mandela arriscou toda sua reputação para implantar um regime multirracial; conquistou ou neutralizou os radicais do CNA, do Congresso Pan-Africanista, do Inkhata e até da extrema-direita branca. Eleito presidente em 1994, governou em coalizão com Frederik de Klerk e o Partido Nacional, arquiteto do apartheid. Criou uma nova nação, convencendo negros e brancos a enterrar o passado racista. E em vez de perpetuar-se no poder, retirou-se depois de apenas um mandato, reconhecido por todos como o pai da Nação sul-africana. Se o humanismo puder ser personificado, ele o será na figura de Nelson Mandela.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A DESTRUIÇÃO DA POLÍTICA

"A mentira totalitária conseguiu, pelo terror, impor sua escravidão a milhões de homens. Identificá-la era fácil. Este não será mais o caso das sociedades da idade imperial; não há nenhuma estátua de Dzerkinski a ser desmantelada, somente a massa amorfa de um poder difuso e intangível. Cada homem vira policial e não existe nenhum chefe de polícia contra quem direcionar nossa revolta. Não somos mais privados da liberdade, mas sim do conceito de liberdade. Durante dois séculos, concebemos a liberdade através da esfera política, que tinha como finalidade organizá-la. Queríamos ser cidadãos. Mas a cidadania hoje em dia não passa de um meio cômodo de manifestar o descontentamento para com os dirigentes. Perdemos aquilo que fundamentava nossa dignidade de homens livres, a formação de um corpo político. Essa indiferença tem consequências mais dissimuladas que as antigas tiranias; ela é suave como uma lenta e irremediável hemorragia"
Jean-Marie Guéhenno, O Fim da Democracia

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

PADRES PARA A SACRISTIA!

“Que influência, de fato, as organizações eclesiásticas têm na sociedade? Em algumas instâncias elas têm sido vistas erigindo uma tirania espiritual sobre as ruínas da autoridade civil; em muitas instâncias elas têm sido vistas apoiando os tronos da tirania política; em nenhum caso elas têm sido as guardiãs das liberdades do povo. Os governantes que desejam subverter a liberdade pública podem ter achado o clero estabelecido um auxiliar conveniente. Um governo justo, instituído para assegurar e perpetuar a Justiça, não precisa deles
James Madison, A Memorial and Remonstrance (1785)





A História, eu creio, não fornece exemplo algum de um povo guiado por sacerdotes mantendo um governo civil livre. Isso marca o mais baixo grau de ignorância, do qual os seus lideres tanto políticos quanto religiosos vão sempre se aproveitar para seus próprios propósitos”
Thomas Jefferson ao Barão Von Humboldt (1813)




Um manifesto assinado por 67 bispos católicos aumentou o coro da direita contra o III Programa Nacional dos Direitos Humanos do governo federal. O texto ataca sugestões como a legalização do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o direito à adoção por casais homossexuais e a adoção de mecanismos para impedir a exibição de símbolos religiosos em estabelecimentos públicos como "imposição ideológica" do Estado. Significativamente, o manifesto não invoca a moral católica para investir contra o texto, mas a Declaração dos Direitos Humanos da ONU de 1948! E, mais significativamente ainda, entre os signatários estão tanto prelados conservadores quanto antigos "progressistas". (Dá vontade de parodiar o Júlio de Mesquita, que em plena ditadura dizia que a fórmula para se redemocratizar o país era obrigar que os militares ficassem nos quartéis e os padres nas sacristias).

Abalado pela liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias pelo Supremo Tribunal Federal em 2008, o episcopado católico ganhou novo fôlego no ano passado com a aprovação, pelo Congresso, de uma Concordata entre o Estado brasileiro e o Vaticano, que concede privilégios à igreja de Roma e arranha a laicidade do Estado consagrada na Constituição. Depois disso, pressionado pelos evangélicos, o governo começou a preparar um estatuto para estender os privilégios concedidos à Igreja Católica a outras denominações religiosas. Vai ser uma farra!

Já que gostamos tanto do American way of life, deveríamos copiar o legado dos Foundation Fathers ("pais fundadores") da América. A começar pelo preceito de separação entre Estado e Igreja como garantia da liberdade religiosa. A primeira emenda da Constituição dos EUA estabelece que todos podem ter suas crenças, mas que o país jamais poderá ser governado por nenhuma delas. Nem mesmo a direita religiosa conseguiu mudar isso, apesar do esforço.
Aqui, as igrejas estão fazendo de tudo para sabotar o caráter laico do Estado. Eles estão travando o seu combate, mas nós, como cidadãos, não podemos aceitar essa chantagem religiosa. Ou seremos obrigados a obedecer à Bíblia em lugar da Constituição.