Reportagem da Revista O Cruzeiro, de 1968 |
O blog Escrevinhador, do jornalista Rodrigo Vianna, divulgou uma apuração do jornalista Tony Chastinet sobre as origens dos e-mails caluniosos contra Dilma Rousseff. O responsável é um sujeito chamado Nei Möhn, um velho extremista de direita, responsável pelo site Círculo Memorial Octaviano Pinto Soares (um coronel que participou da luta contra a rebelião comunista em 1935 em Natal). Esse Nei Mohn em 1968 era presidente da Juventude Nazista e, depois do AI-5, foi informante do Cenimar (serviço de inteligência da Marinha). Ele é suspeito de ser um dos autores de terrorismo contra bancas que vendiam jornais alternativos e à sede da ABI no início dos anos 1980. Segundo Chastinet, “( Mohn) também foi investigado por falsificar o jornal da Igreja Católica, atacando religiosos que denunciavam torturas, assassinatos e desaparecimentos. Nunca foi investigado e sequer punido pelas barbaridades que aprontou. Para isso, contou com a proteção dos militares e da comunidade de informações para abafar os escândalos e investigações. Prossegui na pesquisa e descobri que o filho de Nei, o advogado Bruno Degrazia Möhn trabalha para um grande escritório de advocacia de Brasília contratado por Daniel Dantas para representar o deputado federal Alberto Fraga (DEM) em ação no TCU movida pelo deputado para tentar impedir a compra de ações da BRT/OI pelos fundos de pensão”.
Militares tentaram colocar bomba no Riocentro em 1981 |
O interessante é que se costuma falar de “terrorismo” quando se refere à luta armada que organizações de esquerda travaram contra a ditadura, mas frequentemente se esquece do terrorismo que grupos de extrema-direita praticaram, à sombra do poder, entre 1968 e 1985 (inclusive o terrorismo de Estado, como a bomba no Riocentro, em 1981). Por isso, reproduzo aqui um texto do historiador Flamarion Maués, também publicado no Escrivinhador (em abril), sobre os atentados da extrema-direita, que agora apóia o candidato tucano José Serra – outrora um perigoso comunista – desde criancinha.
Aqui, o link de hoje do Escrevinhador:
Atentados eram parte de onda terrorista de direita e mostram que o clima político permanecia quente após a aprovação da anistia
Por Flamarion Maués
Trinta anos atrás, em abril de 1980, mais exatamente na sexta-feira santa daquele ano, três livrarias de esquerda foram atacadas a tiros na cidade de São Paulo. No bairro do Butantã, na entrada da USP, o alvo foi a Livraria e Editora Livramento; no bairro de Pinheiros, a Livraria Capitu; e na avenida Paulista, a Livraria e Editora Kairós. Contra as três foram disparados tiros nas vitrines em que estava exposto um poster de Che Guevara que era vendido com sucesso na época.
A livraria Capitu foi a mais atingida, com 12 disparos que quebraram sua vitrine, além de ter sido alvejada também por uma grande pedra. A Livramento foi atingida por um tiro que estilhaçou a vitrine. E a Kairós por dois tiros, que, por sorte, acertaram a grade que protegia a vitrine e a porta de madeira da loja, não danificando os vidros.
A livraria Capitu já havia sofrido um atentado exatamente igual dois dias antes, que fora assumido pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Em telefonema à livraria após esse primeiro atentado, uma voz masculina ameaçou: “Somos do CCC. Foi só um tiro. Se continuarem vendendo material subversivo, da próxima vez colocaremos fogo nessa porcaria”. Cumpriram a promessa, com o ataque às três livrarias dias depois.
Como entender estes atentados no contexto em que eles aconteceram? Em fins dos anos 1970, começo da década de 1980, o Brasil vivia, após anos de ditadura, um período de retomada das atividades políticas e culturais, que havia se iniciado em 1977 com as manifestações estudantis de rua, em 1978 ganhara nova dimensão com as grandes greves operárias do ABC – as primeiras após o golpe de 1964 – e com a campanha da anistia, cujo ápice foi em 1979.
Um dos sinais dessa efervescência política e cultural foi o surgimento de muitas livrarias e editoras de caráter político, com perfil de esquerda e de oposição à ditadura, algumas vezes ligadas a grupos políticos. As três livrarias vítimas dos atentados de abril de 1980 tinham esse perfil e trabalhavam principalmente com livros de oposição ao regime militar. Estes livros de oposição eram, basicamente, livros de denúncias contra o governo, obras de parlamentares da oposição, depoimentos de exilados e ex-presos políticos, livros-reportagem, memórias, romances políticos, romances-reportagem e clássicos do pensamento socialista.
Uma época de atentados de direita
Ao contrário do que se quer fazer acreditar ultimamente, não houve nesse período um “grande acordo” político digno desse nome, ou seja, um acordo em que as partes tivessem um mínimo de condições de igualdade para celebrar o tal pacto. Tampouco a aprovação da Lei da Anistia em agosto de 1979 representou a “pacificação nacional”, como alguns ministros do STF querem fazer acreditar. Até mesmo porque a maior parte dos presos políticos não foi anistiada, mas saiu das prisões após revisão de suas penas em decorrência de mudanças na Lei de Segurança Nacional.
Os atentados mencionados são um indício de que não houve a tal pacificação. Até porque estes ataques às livrarias se inseriam em um quadro mais amplo, pois o país vivia um período em que estavam ocorrendo uma série de atentados de direita. Em quatro dias, entre 29 de março e 1º de abril de 1980, sete atentados terroristas ocorreram no Rio de Janeiro e em Porto Alegre, de acordo com a revista Veja daquela semana (a Veja na época era uma boa fonte de informações, já hoje…). Nestes dias foram atacadas, entre outras, as sedes do jornal Hora do Povo e do grupo Convergência Socialista, no Rio, e o plenário da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. O jornal Em Tempo listou mais de 25 atentados de direita realizados de junho de 1979 a abril de 1980.
Posteriormente, a partir do mês de julho daquele ano, começaria a onda de atentados a bomba contra bancas de jornal, com o intuito de intimidá-las e forçá-las a não vender mais os jornais da imprensa alternativa. A onda de atentados atingiu seu auge com a explosão de uma bomba de alto poder destrutivo na sede da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro, em 27 de agosto de 1980, que causou a morte da funcionária Lyda Monteiro da Silva.
A lembrança desses fatos põem em questão, juntamente com vários outros acontecimentos, o tal “grande acordo”, pois mostram que o embate político permanecia forte, com setores da direita encastelados no governo e dispostos a usar a força para se opor ao fim da ditadura, mesmo que este processo fosse em certa medida controlado pelo regime.
Falar em um “grande acordo” que teria resultado na Lei da Anistia é uma mistificação que querem empurrar agora pela nossa goela abaixo, construindo uma versão da história que serve a interesses bem determinados, particularmente a todos aqueles querem apagar da história a parte mais violenta da repressão durante a ditadura brasileira e garantir a impunidade para torturadores e seus mandantes.
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