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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O PODER DO CAPITAL FINANCEIRO

Como diria Brecht (ou seria Lênin?): o que é roubar um banco perto de fundar um?


O NOVO RECORDE DO BRADESCO E A EXACERBAÇÃO DAS CONTRADIÇÕES

Do Blog Náufrago da Utopia


Notícia desta 3ª feira, 31:


"O Bradesco, segundo maior banco privado do Brasil, aumentou seu lucro líquido em 10,04% em 2011, para os R$ 11,02 bilhões, informou nesta terça-feira a empresa.

Os ativos totais do banco atingiram em dezembro R$ 761,5 bilhões, com alta anual de 19,5%. O valor de mercado do Bradesco alcançou os R$ 106,9 bilhões em 31 de dezembro".


Para dimensionarmos o peso que um único banco tem na economia brasileira, vale lembrar que as projeções são de que nosso PIB tenha fechado 2011 na casa de US$ 2,44 trilhões.

Se queres um monumento, olhe em torno. Os Itaús e Bradescos da vida têm muito a ver com o fato de estarmos disputando com o Reino Unido, cabeça a cabeça, a posição de sexta maior economia do planeta, mas ficarmos no 84º lugar em desenvolvimento humano (dentre 187 países avaliados) e em 97º lugar no ranking da desigualdade.

Tudo exatamente como Lênin já dizia em 1916, no clássico O Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo:

"O monopólio surgiu dos bancos, os quais, de modestas empresas intermediárias que eram antes, se transformaram em monopolistas do capital financeiro. Três ou cinco grandes bancos de cada uma das nações capitalistas mais avançadas realizaram a 'união pessoal' do capital industrial e bancário, e concentraram nas suas mãos somas de milhares e milhares de milhões, que constituem a maior parte dos capitais e dos rendimentos em dinheiro de todo o país.

Vladimir Illitch Lênin
A oligarquia financeira, que tece uma densa rede de relações de dependência entre todas as instituições econômicas e políticas da sociedade burguesa contemporânea sem exceção: tal é a manifestação mais evidente deste monopólio.


O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade. A reação em toda a linha, seja qual for o regime político, é a exacerbação extrema das contradições".


Acrescento eu: Naquela época (fim do século XIX, início do século XX) não apenas Lênin, mas também Rudolf Hilferding, John Hobson, Rosa de Luxemburg e Nikolai Bukhárin, cada um a seu modo, tinham se detido a estudar o fenômeno do capital financeiro e do imperialismo. Cem anos depois, a concentração financeira só fez aumentar. 

ROCK É TRANSGRESSÃO OU NÃO É ROCK!

Parafraseando Millor Fernandes, rock é transgressão; o resto é armazém de secos e molhados. Reproduzo e assino embaixo a postagem do Paulo Moreira Leite sobre o incidente com a nossa vovó do rock, Rita Lee, em Aracaju, neste fim de semana. 

A despedida de Rita Lee


Paulo Moreira Leite


Se o show em Sergipe foi mesmo a despedida de Rita Lee – torço para que ela mude de ideia algumas vezes — eu queria dizer que foi uma cena final à altura dos melhores momentos do rock. Ela está de parabéns.


Vamos combinar: roqueiros bem comportados, que só dizem aquilo que combinaram com a turma do marketing e cometem gestos de rebeldia simulada que não arranham nem incomodam ninguém são insuportáveis.


Os marqueteiros querem transformar roqueiros em monges. O pior é que muitos se submetem. Não aguento, por exemplo, o jeito bom moço de Bono, que vem ao Brasil dizer como é que o governo deve cuidar dos pobres. Ou as inquietações sociais de Madonna com a infância carente, a ponto de querer visitar uma escola pública. Ou aqueles tantos contestadores de butique.

Não tenho a menor condição de julgar se Rita Lee estava certa ou errada na confusão sergipana.

Mas lembro que os roqueiros não precisam estar certos para ter razão. Às vezes, eles falam coisas certas mesmo por gestos errados.

Lembro dos sucessivos escândalos de Beatles e Rolling Stones, muitos deles inconvenientes, tortos, que ajudaram a mostrar o provincianismo da sociedade daquele tempo. Não dá para esquecer a perseguição sofrida por roqueiros solidários com a juventude que resistia à Guerra do Vietnã. Lembro de Serge Gainsbourg, que não era roqueiro mas tinha o espírito. Eu estava na França quando ele fumou uma nota de 500 francos num programa de TV. Foi processado.


Rita terminou a noite numa delegacia. Glória. Isso diz muito sobre nós.


Todos os palavrões que Rita Lee empregou para se dirigir à PM de Sergipe estavam na boca de boa parte dos jovens brasileiros. Penso no estudante da USP que apanhou de um soldado porque não quis mostrar a carteirinha. Penso em quem assistiu à ação no Pinheirinho. Você sabe: a lista de exemplos é bem maior. Em vários pontos do país o tratamento que a PM dispensa aos jovens provoca revolta e indignação.


Rita Lee nunca teve medo de dizer, em plena ditadura, quando a PM agia à solta: “Roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido…”


Eram outros, tempos, claro. A criminalidade era outra. Bandido queria dizer outra coisa. Por isso era bom, divertido. Sou a favor da PM. Acho que o país precisa de um bom aparato policial, com policiais bem pagos e bem treinados.


Mas está na cara que a PM precisa reaprender a lidar com a juventude.


Parabéns, Rita Lee.


O Brasil ficou um pouco mais jovem graças a essa roqueira velhinha. Mas muita gente não percebeu.









segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O ACASO, SENHOR DE TODAS AS COISAS

"O acaso é o grande senhor de todas as coisas. A necessidade só vem depois. Não tem a mesma pureza. Se entre meus filmes tenho uma ternura particular por Le fantôme de la liberté, é talvez porque el aborda esse tema inabordável.

[...]

O cineasta espanhol Luis Buñuel
Claro está, se nosso nascimento é totalmente fortuito, devido ao encontro acidental de um óvulo com um espermatozoide (por que exatamente este entre milhões?), o papel do acaso desaparece quando se constroem as sociedades humanas, quando o feto e depois a criança se acham submetidos a essas leis. E assim ocorre com todas as espécies. As leis, os costumes, as condições históricas e sociais de uma determinada evolução, de um determinado progresso, tudo o que pretende contribuir para o estabelecimento, o avanço, a estabilidade de uma civilização à qual pertencemos pela boa ou má sorte de nosso nascimento, tudo isso surge como uma luta quotidiana e tenaz contra o acaso. Nunca totalmente aniquilado, vigoroso e surpreendente, ele tenta conformar-se à necessidade social.

Mas creio que é preciso evitar ver, nessas leis necessárias que nos permitem viver juntos, uma necessidade fundamental. Parece-me, na realidade, que não é necessário que este mundo exista, que não é necessário que estejamos aqui vivendo e morrendo. Já que somos apenas os filhos do acaso, a terra e o universo poderiam ter continuado sem nós, até a consumação dos séculos. Imagem inimaginável, a de um universo vazio e infinito, teoricamente inútil, que nenhuma inteligência poderia contemplar, que existiria sozinho, caos duradouro, abismo inexplicavelmente privado de vida. Talvez outros mundos, que não conhecemos, sigam assim seu curso inconcebível. Atração pelo caos que às vezes sentimos profundamente em nós mesmos."
Luis Buñuel, Meu último suspiro

CEGA, MAS NÃO INTOCÁVEL

Do blog do deputado federal Brizola Neto, uma intervenção contra a tentativa de classificar a exigência de transparência do Judiciário como tentativa de emparedar o Supremo ou sandices do gênero, alimentadas pela mídia conservadora: 

Não há crise do Judiciário. Há democracia e lei

A manifestação do presidente da Associação dos Magistrados, secundado por outros desembargadores, presidentes e ex-presidentes de Tribunais de Justiça, afirmando que os acusados no chamado “mensalão” estão por trás das críticas ao comportamento de alguns integrantes do Judiciário é um desrespeito à própria ideia de independência e altivez que merece a Justiça.


Narra o Estadão: “O Supremo está emparedado por pessoas que querem abalar os alicerces do Judiciário”, brada Henrique Nélson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)”.


Excelência, com a vênia que lhe pede um leigo, isso parece ser uma acusação, e a acusações, se bem me recordo, carecem de um mínimo de provas, se estão na esfera pública.


Do contrário, são apenas política.


E no campo da política, a discussão é livre.


Politicamente, o pronunciamento do presidente da AMB, feito num evento público, é de uma total irresponsabilidade:


“Estamos vivendo no Brasil (…) um momento onde aqueles que deveriam zelar e velar pelas garantias constitucionais brasileiras muitas vezes assumem posição de afrontar. O Supremo tem sido sistematicamente afrontado”.


Opa! Quem é que está afrontando as garantias constitucionais, excelência? Que decisão judicial não está sendo acatada? Que tribunal está sendo desrespeitado? Em que o Supremo tem sido afrontado?


É o caso de indagar: quem quer abalar o Judiciário são aqueles que chamam a atenção sobre possíveis desvios, que fazem com que alguns percebam do Estado – ou de terceiros – valores que precisam ser explicados ou os que trazem à luz estes fatos?


Juízes são cidadãos e servidores, como todos. É da essência da República. É próprio do Estado de Direito.


É curioso que esse discurso jamais tenha surgido quando acusações – até mesmo muito menos graves – pesam sobre ministros de Estado ou parlamentares. Ninguém, e seria absurdo que o fizesse, disse que o Executivo ou o Legislativo estavam sendo afrontados ou emparedados.


Ninguém foi contra exigir que o ex-ministro Palloci, por exemplo, indicasse a origem de seus ganhos. E a chefe do Executivo, oferecida a possibilidade de explicação e defesa, sempre agiu com firme prudência.


Ninguém, até agora – salvo integrantes da mais alta cúpula do Judiciário – disse que há banditismo na Justiça. E o fez depois de chegarem às suas mãos, pelos meios legais, informações estarrecedoras sobre movimentações financeiras.


Não se tem notícia de ninguém que tenha se expressado com um décimo da virulência que faz hoje o ex-presidente do TJ do Rio de Janeiro, Marcus Faver, em entrevista a O Globo:


P: A imprensa tem denunciado gravações apontando venda de sentenças por juízes…
FAVER: Isso é muito grave, gravíssimo. Se há isso, é crime e o autor disso, me desculpe a expressão, se for um juiz deve ser enforcado em praça pública.


Quem vende sentença tem que ter essa punição?
FAVER: A punição maior. Um enforcamento em praça pública.

Ninguém está procedendo com tais arroubos. Ninguém está propondo que se faça, mesmo aos maus juízes, nada que não a aplicação da lei, que não enforca, nem literal nem figurativamente. A severidade que se quer é o cumprimento estrito da lei, o direito de defesa, a observância dos direitos da coletividade como maior que o mero interesse pessoal.


Ninguém mais do que os fracos precisam do Judiciário. Ninguém mais do que a multidão de pobres deste país, ajuda a remunerar, com dignidade, seus mais elevados servidores.


Ao Judiciário, mais do que a qualquer um, deve competir a tarefa de por-se acima de suspeitas, para que não o encaremos como parcial e hipócrita e não com o respeito que o vemos.


Mas, ainda no campo da política, o que se depreende de, sistematicamente, o dura lex, sed lex no Brasil ser o contrário do que o simplório capitão Rodrigo Cambará diz em “O Tempo e o Vento”:


- Buenas, e me espalho. Nos pequenos dou de prancha, e nos grandes dou de talho.


Não é hora de nossos magistrados verem que não é possível ir de talho nos humildes do Pinheirinho e nem de ir prancha nos grandes, ao aceitarem que se apure os eventuais abusos e comprometimentos nas estruturas da Justiça?


Certamente é muito mais lúcido e democrático do que rugir por uma suposta ameaça às intituições que, além de proteger eventuais culpados por desvios, ameaça uma crise institucional, terreno onde medra o golpismo contra as próprias instituições e a democracia.


Este, sim, devemos perguntar a quem interessa, e não é difícil saber que é aos que não atingem o poder pelos caminhos da vontade popular.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

RETRATO SEM RETOQUES DA ELITE PAULISTANA

A análise sempre lúcida de Maria Inês Nassif - um perfil sem retoques do conservadorismo da tucanalha que nos governa.

O horror e a opção preferencial contra os pobres


Maria Inês Nassif (*)

"Higienismo" na Cracolândia

Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.


Maria Inês Nassif, na Carta Maior*


É o horror. Nada mais precisa ser dito para descrever a operação de despejo de Pinheirinho, em São José dos Campos, e a ação policial contra os usuários de crack no centro da capital, na chamada Cracolândia. Mas existem muitas explicações para a truculência, a desumanidade, a destituição do direito de cidadania aos pobres pelo poder público paulista.

A primeira delas é tão clara que até enrubesce. Nos dois casos, trata-se de espantar o rebotalho urbano de terrenos cobiçados pela especulação imobiliária. O Projeto Nova Luz do prefeito Kassab, que vem a ser a privatização do centro para grandes incorporadoras, vai ser construído sob os escombros da Cracolândia, sem que nenhuma política social tenha sido feita para minorar a miséria ou dar uma opção séria para crianças, adolescentes e adultos que se consomem na droga.

"Desocupação" do bairro do Pinheirinho

O terreno desocupado com requintes de crueldade em São José dos Campos, de propriedade da massa falida do ex-mega-investidor Naji Nahas, que já era de fato um bairro, vai ser destinado a um grande investimento, certamente. O presente de Natal atrasado para essas populações pobres libera esses territórios antes que terminem os mandatos dos atuais prefeitos, e o mais longe possível do calendário eleitoral. Rapidamente, a prefeitura de São Paulo está derrubando imóveis; a prefeitura de São José não deve demorar para limpar o terrreno de Pinheirinho das casas – inclusive de alvernaria – das quais os moradores foram expulsos.


Até outubro, no mínimo devem ter feito uma limpeza na paisagem, o que atenua nas urnas, pelo menos para a classe média, a ação da polícia. A higienização justifica a truculência policial. A “Cidade Limpa” de Kassab, que começou com a proibição de layouts na cidade, termina com a proibição de exposição da pobreza e da miséria humana.

A segunda é de ordem ideológica. Desde a morte de Mário Covas, que ainda conseguia erguer um muro de contenção para o PSDB paulista não guinar completamente à direita, não existe dentro do partido nenhuma resistência ao conservadorismo. Quando Geraldo Alckmin reassumiu o governo do Estado, em janeiro de 2011, muitas análises foram feitas sobre se ele, por força da briga por espaço político com José Serra dentro do partido, iria trazer o seu governo mais para o centro. A referência tomada foi o comando da Segurança Pública, já que em seu mandato anterior a truculência do então secretário, Saulo de Castro Abreu Filho, virou até denúncia contra o governo de São Paulo junto à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

O fato de ter mantido Castro fora da Segurança e se aproximado do governo federal, incorporando alguns programas sociais federais, e uma relação nada íntima com o prefeito da capital, deram a impressão, no primeiro ano de governo, que Alckmin havia sido empurrado para o centro. O que não deixava de ser uma ironia: um político que nunca escondeu seu conservadorismo foi deslocado dessa posição por um adversário interno no partido, José Serra, que, vindo da esquerda, tornou-se a expressão máxima do conservadorismo nacional.


Isso não deixa de ser uma lição para a história. Superado o embate interno pela derrota incondicional de José Serra, que desde a sua derrota vinha perdendo terreno no partido e foi relegado à geladeira, depois da publicação de “Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Júnior, Alckmin volta ao leito. O governador é conservador; o PSDB tornou-se orgânicamente conservador, depois de oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e oito anos de posição neoudenista. A polícia é truculenta – e organicamente truculenta, já que traz o modelo militar da ditadura e foi mais do que estimulada nos últimos governos a manter a lei, a ordem e esconder a miséria debaixo do tapete.

O nome de quem faz a gestão da Segurança Pública não interessa: está mais do que claro que passou pelo governador a ordem das invasões na Cracolândia e em Pinheirinho.

Outra análise que deve ser feita é a da banalização da desumanidade. Conforme a sociedade brasileira foi se polarizando politicamente entre PSDB e PT, a questão dos direitos humanos passou a ser tratada como um assunto partidário. O conservadorismo despiu-se de qualquer prurido de defender a ação policial truculenta, de tomar como justiça um Judiciário que, nos recantos do país, tem reiterado um literal apoio à propriedade privada, um total desprezo ao uso social da propriedade e legitimado a ação da polícia contra populações pobres (com nobres exceções, esclareça-se).


Para os porta-vozes desses setores, a polícia, armada, “reage” com inofensivas balas de borracha à agressão dos moradores que jogam pedras perigosíssimas contra escudos enormes da tropa de choque. No caso de Pinheirinho, a repórter Lúcia Rodrigues, que estava na ocupação, na sexta-feira, foi ela própria alvo de duas balas letais, vindas da pistola de um policial municipal. Ela não foi atingida, mas duvida, pela violência que presenciou, das informações de que tenha saído apenas uma pessoa gravemente ferida daquele cenário de guerra.


(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ELEGIA PARA UM POETA ESQUECIDO

Heinrich Heine (1797-1856), conhecido como o último dos poetas românticos alemães, teve sua poesia musicada por gigantes como Schumann, Schubert, Mendelssohn, Brahms e Wagner. Heine exilou-se voluntariamente na França em 1831, onde se identificou com as ideias dos socialistas utópicos. Crítico mordaz da religião, cunhou a expressão "a religião é o ópio do povo", posteriormente popularizada por Karl Marx. Sua mais conhecida profecia, de 1821, antecipou, mais de um século antes, a tragédia da Alemanha sob o III Reich: "Foi só o prelúdio: onde queimam livros, no final também hão de queimar homens". Aqui, uma pequena coletânea de escritos e poesias, reunidos do livro Heine, hein? Poeta dos contrários, traduzido e comentado por Andrés Vallias.

Em primeiro lugar, a ironia contra as religiões:

Despedida
Larga as parábolas sagradas,
Deixa as hipóteses devotas,
E põe-te em busca das respostas
Para as questões mais complicadas.

Por que se arrasta miserável 
O justo carregando a cruz,
Enquanto, impune, em seu cavalo,
Desfila o ímpio de arcabuz?

De quem é a culpa? Jeová
Talvez não seja assim tão forte?
Ou será Ele o responsável
Por todo nosso azar e sorte?

E perguntamos o porquê,
Até que súbito - afinal - 
Nos calam com a pá de cal -
Isto é resposta que se dê?"

"No momento em que uma religião requer ajuda da filosofia, seu declínio é inevitável. Ela busca defender-se e vai tagarelando cada vez mais fundo na ruína. A religião, como todo absolutismo, não deve se justificar. Prometeu é acorrentado no rochedo por uma violência calada".

Depois, Heine fustiga a torre de marfim dos grandes filósofos alemães:

O filósofo F. W. Hegel

"Grandes filósofos alemães, que por acaso lancem o olhar sobre estas folhas, irão dar de ombros elegantemente acerca da forma miserável de tudo o que dou a público aqui. Mas queiram eles levar em conta que o pouco que digo é completamente claro e inteligível, enquanto que suas obras, ainda que tão fundamentadas, incomensuravelmente fundamentadas, tão profundas, estupendamente profundas, são incompreensíveis. Do que vale ao povo o celeiro para o qual não tem a chave? O povo está faminto de saber, e agradece um pedacinho de pão do espírito que partilho com ele honestamente."


Maximilien Robespierre

Já aqui, o poeta desdenha os revolucionários puritamos que cultuam a virtude e ignoram o caráter subversivo e pagão da Revolução:   

"Não lutamos pelos direitos humanos do povo, mas pelos direitos humanos dos homens. Nisso, e ainda em algumas outras coisas, nos distinguimos dos homens da Revolução. Não queremos ser sans-culottes, cidadãos frugais, presidentes baratos: nós promovemos uma democracia de deuses em igualdade de magnificiência, santidade e alegria. Reivindicais trajes simples, costumes abnegados e prazeres sem tempero; nós, pelo contrário, reivindicamos o néctar e ambrosia, mantos púrpuras, perfumes caros, volúpia e esplendor, dança sorridente e ninfas, música e comédias." 

E, finalmente, outra "profecia" sombria de Heine sobre o futuro da Alemanha:

"O pensamento vai à frente da ação, como o raio do trovão. O trovão alemão é sem dúvida alemão e não muito ágil, e vem se formando devagar; mas ele virá, e quando vós o escutardes troar, como nunca antes troou na história do mundo, sabereis então que ele finalmente atingiu o seu alvo. [...] Um drama há de ser encenado na Alemanha que fará a Revolução Francesa parecer um idílio inofensivo." 

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

PRISIONEIRO SEM NOME, CELA COM NÚMERO

Uma vigorosa denúncia do jornal britânico The Guardian sobre abusos e violação de direitos humanos de jovens palestinos presos em Israel. O título que postei é uma menção ao livro Prisioneiro sem nome, Cela sem número, do jornalista argentino Jacobo Timerman, publisher do jornal La Opinión, preso e torturado pela ditadura militar argentina (1976-1983), vítima do antissemitismo. Aí me lembrei que os palestinos também são semitas e que o antissemitismo tem uma dimensão muito mais ampla do que se costuma admitir. 

As crianças palestinas: sozinhas e fragilizadas na prisão Al Jalame de Israel

O sistema judiciário militar de Israel é acusado de maltratar crianças palestinas presas por jogar pedras

Harriet Sherwood

Harriet Sherwood, do The Guardian, na Cisjordânia

O quarto é só um pouco mais largo do que o colchão fino e sujo sobre o chão. Atrás de uma parede de concreto baixa está uma privada de se agachar, da qual o fedor não se dissipa, já que não há janelas na sala. As paredes ásperas de concreto desencorajam que se apoie nelas, a iluminação constante inibe o sono. A entrega de comida através de uma abertura embaixo da porta é a única maneira de marcar o tempo, de dividir dia e noite.

Esta é a Cela 36, localizada no interior da prisão de Al Jalame, no norte de Israel. É uma das várias celas onde crianças palestinas são trancadas em confinamento solitário por dias ou mesmo semanas. Um jovem de 16 anos afirma que foi mantido na Cela 36 por 65 dias.

A única fuga é a sala de interrogatório, onde as crianças são atadas por pés e mãos à cadeira, enquanto são interrogadas, às vezes por horas.

A maior parte deles é acusada de jogar pedras em soldados ou colonos; alguns, de lançar coquetéis Molotov; outros poucos, de infrações mais graves como conexões com organizações militantes ou uso de armas. Eles também são pressionados a dar informações sobre as atividades e simpatias de seus colegas de classe, parentes e vizinhos.

No começo, a maior parte deles nega as acusações. A maioria diz que são ameaçados, alguns relatam o uso de violência física. Abuso verbal é comum: “Você é um cão, sua mãe é uma puta”. Muitos ficam exaustos pela privação de sono. Dia após dia eles são acorrentados à cadeira e depois mandados de volta para a solitária. No fim, muitos assinam confissões que, posteriormente, eles afirmam terem sido obtidas à força.

Estas afirmações e descrições vêm de depoimentos dados por menores à uma organização de direitos humanos e de entrevistas conduzidas pelo The Guardian. Outras celas nas prisões de Al Jalame e Petah Tivka também são usadas como solitária, mas a cela 36 é a mais frequentemente citada nestes testemunhos.

Entre 500 e 700 crianças palestinas são presas por soldados israelenses todo ano, a maior parte delas acusada de jogar pedras. Desde 2008, a ONG Defence for Children International (DCI) coletou testemunhos prestados por 426 menores detidos no sistema jurídico militar de Israel.


Suas afirmações mostram um padrão de prisões feitas durante a noite, com mãos atadas por amarras de plásticos, vendas, abuso físico/verbal e ameaças. Aproximadamente 9% de todos aqueles que deram depoimento dizem que foram mantidos em confinamento solitário, embora tenha havido um aumento de 22% os últimos seis meses.

Poucos pais e mães são avisados da localização de seus filhos presos. Menores raramente são interrogados na presença dos pais e raramente veem um advogado antes ou durante o primeiro interrogatório. Muitos são detidos dentro de Israel, o que torna as visitas familiares muito difícil.

Organizações de direitos humanos dizem que estes padrões de tratamento – que são corroborados por um estudo separado, No Minor Matter, conduzido pelo grupo israelense B’Tselem – violam a convenção internacional sobre os direitos das crianças, que Israel ratificou, e a quarta convenção de Genebra.

Muitas crianças mantém que são inocentes dos crimes de que são acusadas, apesar das confissões de culpa, diz Gerard Horton do DCI. Mas, ele acrescenta, culpa ou inocência não são questões relevantes em relação ao tratamento que sofrem.

“Nós não estamos dizendo que infrações não são cometidas. Estamos dizendo que crianças têm direitos legais. Independentemente do que elas são acusadas, elas não devem ser presas no meio da noite em operações aterrorizantes, elas não devem ser amarradas e vendadas dolorosamente às vezes por horas a fio, elas devem ser informadas sobre seu direito ao silêncio e elas devem ter o direito de ter um dos pais presente durante o interrogatório”.

Mohammad Shabrawi da cidade de Tulkarm, na Cisjordânia, foi preso, com 16 anos, aproximadamente às 2h30 da manhã. “Quatro soldados entraram no meu quarto e disseram: você tem que vir conosco. Eles não disseram por que, não disseram nada, nem para mim, nem para os meus pais”, ele disse ao The Guardian.

Algemado com uma amarra de plástico e vendado, ele acha que primeiro foi levado a um assentamento, onde ele teve de se ajoelhar – ainda algemado e vendado – por uma hora em uma estada de asfalto durante o frio gelado da noite. Uma segunda jornada terminou aproximadamente às 8 da manhã no centro de detenção de Al Jalame, também conhecido como prisão Kishon, entre os campos próximos à estrada que vai de Nazaré à Haifa.

Depois de uma checagem médica de rotina, Shabrawi foi levado à Cela 36. Lá, ele passou 17 dias na solitária, além dos interrogatórios, e em uma cela parecida, a número 37, ele disse. “Eu estava sozinho, assustado todo o tempo e precisava de alguém para conversar. Eu estava em choque por estar sozinho. Eu estava desesperado para encontrar qualquer um, falar com qualquer um... Eu estava tão chateado que quando eu estava fora [da cela] e via a polícia, eles estavam falando em hebraico e eu não falo hebraico, mas mesmo assim eu estava balançando a cabeça como se eu entendesse. Eu estava desesperado para falar”.

Durante o interrogatório, ele estava amarrado. “Eles me xingaram e ameaçaram prender minha família se eu não confessasse”, ele disse. Ele viu um advogado pela primeira vez 20 dias depois de sua prisão, ele disse, e foi condenado depois de 25 dias. “Eles me acusaram de muitas coisas”, ele disse, acrescentando que nenhuma delas era verdadeira.

Em algum momento, Shabrawi confessou ter sido membro de uma organização banida e foi sentenciado a 45 dias. Desde sua libertação, ele diz, ele estava “com medo do Exército, com medo de ser preso”. Ele disse ter se tornado mais recluso.

Ezz ad-Deen Ali Qadi de Ramallah, que tinha 17 anos quando foi preso em janeiro passado, descreveu um tratamento similar durante sua prisão e detenção. Ele diz que foi mantido na solitária em Al Jalame por 17 dias nas Celas 36, 37 e 38.

“Eu começava a repetir as perguntas dos interrogadores para mim mesmo, me perguntando se era verdade a acusação deles”, ele disse ao The Guardian. “Você sente a pressão da cela. Aí você pensa sobre sua família e você sente que vai perder seu futuro. Você fica sobre uma pressão gigantesca”.

Seu tratamento durante o interrogatório dependia do humor dos seus interrogadores, ele diz. “Se ele está de bom humor, às vezes ele permite que você sente na cadeira sem as algemas. Ou ele pode te forçar a sentar em uma cadeira pequena com um aro de ferro atrás. Daí ele amarra suas mãos no aro e suas pernas nas pernas da cadeiras. Às vezes você fica desse jeito por quatro horas. É doloroso.

“Às vezes eles tiram sarro de você. Eles perguntam se você quer água e se você diz que sim eles trazem, mas daí o interrogador é que bebe”.

Ali Qadi não viu seus pais durante os 51 dias em que esteve preso antes do julgamento, ele afirma, e só teve permissão de ver um advogado depois de 10 dias. Ele foi acusado de jogar pedras e de planejar ações militares, depois de condenado, ele foi sentenciado a seis meses de prisão. O The Guardian tem depoimentos de mais cinco jovens que disseram terem sido presos na solitária em Al Jalame e em Petah Tivka. Todos confessaram depois de interrogatório.

“A solitária destrói o ânimo de uma criança”, disse Horton. “Crianças dizem que depois de uma semana com esse tratamento, ele confessam simplesmente qualquer coisa para poderem sair da cela”.

A Agência de Segurança Israelense (ISA) – também conhecida como Shin Bet – contou ao The Guardian: “Ninguém que é interrogado, incluindo menores, é mantido em uma cela como medida punitiva ou com o objetivo de obter uma confissão”.

O serviço penitenciário israelense não respondeu à questão específica sobre a solitária, dizendo apenas que “a encarceração de prisioneiros... é submetida a exame legal”.

Jovens detentos também alegam pesados métodos de interrogação. O The Guardian entrevistou o pai de um menor que cumpre uma pena de 23 meses por jogar pedras em veículos. Ali Odwa, de Azzun, disse que seu filho Yashir, que tinha 14 anos quando foi preso, levou choques elétricos de taser enquanto estava sendo interrogado.

“Eu visitei meu filho na prisão. Eu vi marcas de choques elétricos nos seus braços, eles estavam visíveis através do vidro. Eu perguntei a ele se eram de choques elétricos, ele apenas balançou a cabeça. Ele estava com medo de que alguém estivesse ouvindo”, Odwan disse.

O DCI tem depoimentos de três menores acusados de jogar pedras que afirmam terem sido eletrocutados sob interrogatório em 2010.

Outro jovem de Azzun, Sameer Saher, tinha 13 anos quando foi preso às 2 da madrugada. “Um soldado me segurou de cabeça para baixo, me levou para uma janela e disse: ‘Eu quero jogar você desta janela’. Eles me bateram nas pernas, estômago, rosto”, ele disse.

Seus interrogadores o acusaram de atirar pedras e exigiram o nome de seus amigos que também jogaram pedras. Ele foi liberado sem acusações aproximadamente 17 horas depois de sua prisão. Agora, ele diz, ele tem dificuldade de dormir por medo “de que eles vão vir de noite e me prender”.

Em resposta às questões sobre maus tratos, incluindo choques elétricos, a ISA disse: “As afirmações de que jovens palestinos foram sujeitos à técnicas de interrogação que incluem espancamento, longos períodos algemados, ameaças, truques, abuso verbal, humilhação, isolamento e impedimento de sono não tem absolutamente nenhuma base... Investigadores agem de acordo com a lei e com determinações inequívocas que proíbem tais ações”.

O The Guardian também viu raras gravações audiovisuais do interrogatório de dois meninos, de 14 e 15 anos, do vilarejo de Nabi Saleh, local onde ocorrem semanalmente protestos contra os colonos dos arredores. Muitos estão visivelmente exaustos depois de serem presos no meio da noite. Seus interrogatórios, que começaram perto das 9h30 da manhã, duraram quatro e cinco horas.

Em nenhum dos casos estavam presentes advogados durante o interrogatório.

A lei militar israelense foi aplicada na Cisjordânia desde que Israel ocupou os territórios, mais de 44 anos atrás. Desde então, mais de 700.000 homens, mulheres e crianças palestinas foram presas sob ordens militares.

De acordo com a lei militar 1651, a idade de responsabilidade criminal é 12 anos, e crianças mais novas do que 14 anos enfrentam um máximo de seis meses de prisão.

No entanto, crianças de 14 e 15 anos poderiam, em teoria, ser sentenciadas a até 20 anos por jogar objetos em um veículo em movimento com a intenção de ferir. Na prática, a maior parte das sentenças vai de duas semanas a 10 meses, de acordo com o DCI.

Em Setembro de 2009, uma corte militar especial para jovens foi criada. Ela se reúne em Ofer, uma prisão militar fora de Jerusalém, duas vezes por semana. Menores são trazidos à corte com as pernas amarradas, algemas e vestindo uniformes marrons de prisioneiro. Os procedimentos são em hebraico com a tradução intermitente de soldados que falam árabe.

O serviço penitenciário israelense disse ao The Guardian que o uso de amarras em locais públicos era permitido nos casos em que “há uma preocupação razoável de que o prisioneiro possa escapar, causar dano à propriedade ou a pessoas, ou causará dano à evidência ou tentará destruir evidências”.

O The Guardian testemunhou um caso neste mês no qual dois garotos, um de 15 e outro de 17 anos, admitiram terem entrado ilegalmente em Israel, terem lançado coquetéis Molotov e pedras, terem iniciado um incêndio que causou dano extensivo e terem vandalizado propriedade. A acusação pediu por uma sentença que refletisse as “razões nacionalistas” e que agisse como um bloqueador.

O garoto mais velho foi sentenciado a 33 meses de prisão, o mais novo a 26 meses. Ambos foram sentenciados a um adicional de 24 meses e foram multados em 10.000 shekels (R$4.600). Se o pagamento não for efetuado, haverá um adicional de 10 meses de prisão.

Muitas delegações parlamentares britânicas testemunharam audições infantis em Ofer nos últimos anos. Alf Dubs relatou à Casa dos Lordes, em Maio passado, dizendo: “Nós vimos um menino de 14 anos e um de 15 anos, um deles estava chorando, os dois pareciam absolutamente fragilizados... Eu não acredito que este processo humilhante represente justiça. Eu acredito que a maneira com que estas jovens pessoas são tratadas é já um obstáculo para que Israel alcance um relacionamento pacífico com o povo palestino”.

Lisa Nandy, membro do Parlamento britânico por Wigan, testemunhou o julgamento de um jovem atado de 14 anos em Ofer no mês passado e achou aflitiva a experiência. “Em cinco minutos ele foi julgado culpado de jogar pedras e foi sentenciado a nove meses. Foi chocante ver uma criança passar por este processo. É difícil ver como uma solução [política] pode ser alcançada quando jovens estão sendo tratadas desta maneira. Eles terminam com pouquíssima esperança no seu futuro e com muito ódio por seu tratamento”.

Horton disse que uma confissão de culpa era “a maneira mais rápida de sair do sistema”. Se a criança disser que sua confissão foi forçada, “isso lhes permite uma defesa legal, mas a fiança é negada, eles irão permanecer em detenção mais tempo do que se eles tivessem simplesmente confessado”.

Uma opinião de especialista, escrita por Graciela Carmon, psiquiatra infantil e membro do Physicians for Human Rights, em maio de 2011, disse que crianças são particularmente vulneráveis a fornecer falsas confissões sob coerção.

“Embora alguns dos detentos entendam que fornecer uma confissão, apesar de sua inocência, terá repercussões negativas no futuro, eles confessam mesmo assim, já que a angústia física e/ou psicológica imediata que eles sentem se mostra mais forte do que as implicações futuras, sejam elas quais forem”.

Quase todos os casos documentados pelo DCI terminaram em confissão de culpa e aproximadamente três quartos dos menores culpados foram transferidos para prisões dentro de Israel. Isto infringe o artigo 76 da quarta convenção de Genebra, que determina que crianças e adultos dos territórios ocupados sejam detidos dentro do território.
As Forças Armadas de Israel (IDF), responsáveis pelas prisões na Cisjordânia e pelo sistema penal militar, disseram mês passado que o sistema penal militar era “embasado em um cometimento com a asseguração dos direitos do acusado, imparcialidade judicial e uma ênfase na prática das normas legais internacionais em situações incrivelmente complexas e perigosas”.

A ISA disse que seus empregados agiram de acordo com a lei e que os presos tiveram todos os direitos que lhes são cabíveis, incluindo o direito a aconselhamento legal e visitas da Cruz Vermelha. “A ISA nega categoricamente todas as afirmações em relação ao interrogatório de menores. Na verdade, a verdade é o completo oposto - as especificações da ISA garantem proteções especiais a menores, necessárias devido a sua idade”.

Mark Regev, porta-voz do primeiro ministro israelense, Binyamin Netanyahu, disse ao Guardian: “Se detentos acreditam que estão sendo maltratados, especialmente em caso de menores... é muito importante que estas pessoas, ou pessoas os representando, venham e tragam estas questões a público. O teste de uma democracia é a maneira como você trata as pessoas encarceradas, pessoas na cadeia e, especialmente, crianças nesta situação”.

Jogar pedras, ele acrescenta, era uma atividade perigosa que resultou nas morte de um pai e de um filho israelenses no ano passado.

“Jogar pedras, lançar coquetéis Molotov e outras formas de violência são inaceitáveis e as autoridades de segurança têm de terminar com estas ações quando elas acontecem”.

Grupos defensores dos direitos humanos estão preocupados com o impacto no longo prazo da detenção de palestinos menores de idade. Algumas crianças inicialmente mostram um pouco de orgulho, acreditado que aquilo foi um rito de passagem, disse Horton. “Mas quando você senta com eles por uma hora ou mais, sob este verniz de orgulho está uma criança consideravelmente traumatizada”. Muitos deles, ele diz, nunca mais querem ver um soldado ou chegar perto de um posto de verificação. Ele acha que o sistema funciona como um bloqueador? “Sim, acho que ele funciona”.

De acordo com Nader Abu Amsha, o diretor do YMCA em Beit Sahour, próximo à Belém, que mantém um programa de reabilitação para jovens, “as famílias pensam que quando a criança é liberta, este é o fim do problema. Nós dizemos a eles que este é o começo do problema”.

Após a detenção, muitas crianças exibem sintomas de trauma: pesadelos, desconfiança dos outros, medo do futuro, sentimentos de desesperança e desvalorização, comportamento obsessivo-compulsivo, incontinência urinária, agressão, reclusão e falta de motivação.

As autoridades israelenses deveriam considerar os efeitos no longo prazo, diz Abu Amsha. “Eles não dão atenção à maneira com que isto pode fazer continuar o ciclo de violência, com que isso pode aumentar o ódio. Estas crianças saem do processo com muita raiva. Alguns deles sentem a necessidade de vingança.

“Você vê crianças que estão totalmente destruídas. É doloroso ver a dor destas crianças, ver o quanto elas estão exauridas pelo sistema israelense”.



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

TER OLHOS QUANDO OUTROS OS PERDERAM


Wilman Villar, dissidente que morreu depois de greve de fome

O prisioneiro cubano Wilman Villar, de 31 anos, morreu no dia 19 em Santiago de Cuba, vítima de pneumonia e infecção generalizada em consequência de uma greve de fome que mantinha há 50 dias para protestar contra a pena de quatro anos de prisão a que tinha sido condenado por "desacato e atentado à autoridade".


Militante do movimento União Patriótica de Cuba, Villar foi preso no dia 14 de novembro do ano passado. E o governo de Cuba sequer reconheceu o prisioneiro como dissidente político, alegando que Villar seria um "preso comum", cujo motivo da prisão tinha sido agressão à mulher e resistência às autoridades. Já a Anistia Internacional informou que se tratava de um preso de consciência, detido quando participava de uma manifestação em apoio às Damas de Branco (mulheres de presos políticos). Em 2010, o regime cubano também alegara que outro preso político, Orlando Zapata, era um mero delinquente. Zapata também morreu depois de uma greve de fome.
  
Raúl Castro
É lamentável o silêncio e a conivência de uma certa esquerda com a violação de direitos humanos em Cuba. É uma espécie de fetichismo que, em nome da "luta anti-imperialista", justifica não apenas a ditadura castrista como também regimes genocidas como os de Gaddafi e Assad. Tal postura deixa a direita com o monopólio da crítica aos regimes stalinistas ou meramente nacionalistas. Essa esquerda ortodoxa é incapaz de se dissociar do bolchevismo e menos ainda de aceitar a crítica à ditadura de partido único feita por Rosa Luxemburgo, Victor Serge, George Orwell, Cornelius Castoriadis e Claude Lefort, entre outros. 
     
Em abril de 2003, quando o escritor português José Saramago rompeu com Cuba, escrevi o seguinte na revista ISTOÉ:


"O livro Ensaio sobre a cegueira, do escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura de 1998, tem uma epígrafe que diz: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” Em determinado ponto do romance, Saramago fala da “responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam”. Comunista de carteirinha e de velha cepa – ele aderiu ao Partido Comunista Português antes de se tornar escritor, em 1947 –, Saramago sempre defendeu o regime de Cuba e seu comandante-em-chefe, Fidel Castro, de quem era amigo.
José Saramago rompeu com Cuba em 2003

Na segunda-feira 14, o escritor finalmente abriu os olhos para uma realidade que ele sempre preferiu enxergar sob lentes opacas: num pequeno artigo para o jornal espanhol El Pais, Saramago desanca o regime castrista pela condenação de 75 dissidentes, muitos a penas de 20 a 25 anos de prisão, e pelo julgamento e fuzilamento sumários de três cubanos que tentaram sequestrar uma balsa para fugir para Miami. “De agora em diante, Cuba seguirá seu caminho e eu ficarei. Dissentir é um direito que se encontra inscrito com tinta invisível em todas as declarações de direitos humanos passadas, presentes e futuras. Dissentir é um ato irrenunciável de consciência. Pode ser que a dissidência conduza à traição, mas isso sempre tem que ser demonstrado com provas irrefutáveis”, escreve o português. “Não creio que se haja atuado sem deixar lugar a dúvidas no julgamento recente em que foram condenados a penas desproporcionadas os dissidentes cubanos. (...) Agora, chegam os fuzilamentos. Sequestrar um barco ou avião é um crime severamente punível em qualquer país do mundo, mas não se condena à morte os sequestradores, sobretudo tendo em conta que não houve vítimas. Cuba não ganhou nenhuma batalha heróica fuzilando esses três homens, mas perdeu minha confiança, arrasou minhas esperanças e frustrou minhas ilusões. Até aqui cheguei”, lamentou o escritor.

QUE JUÍZES HÁ EM MADRI?

Eu ia escrever sobre a situação kafkiana vivida pelo juiz Baltasar Garzón quando me deparei com este texto brilhante e esclarecedor do Mauro Santayana sobre o tema. Aí, parcos e eventuais leitores, não resisti e resolvi reproduzi-lo; afinal, é muito melhor do que qualquer coisa que eu poderia cometer:    

Baltasar Garzón, a justiça e a corrupção



O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História.

Mauro Santayana

O juiz espanhol Baltasar Garzón no banco dos réus 
Se alguém, ao ler estas notas, lembrar-se de Montesquieu com suas Cartas Persas, e de Tomás Antonio Gonzaga, que nelas se inspirou, para redigir as Cartas Chilenas, estará fazendo a ilação correta. O assunto nos interessa de perto, assim como o texto do barão de La Brède interessava aos mineiros de Vila Rica daquele tempo. O julgamento, pelo Tribunal Supremo da Espanha, do juiz Baltasar Garzón, é um exemplo de nossos tempos, nos quais a subversão da lógica e da ética é a mais pavorosa forma de terrorismo. Como no século passado, estamos assistindo aos recados do fascismo, que se reergue, dos subterrâneos da História, para retomar a mesma sintaxe de sempre, que faz do crime, virtude; e, da dignidade, delito desprezível.

No passado, era comum a frase esperançosa de que ainda havia juízes em Berlim. Embora ela viesse de uma obra de ficção, é provável que tenha sido autêntica, porque se referia a Frederico II, cuja preocupação para com a equidade da justiça era conhecida, conforme recomendações a seus ministros. Segundo a obra de François Andrieux (Le meûnier de Sans-Souci) e de Michel Dieulafoy (Le Moulin de Sans-Souci), ambos contemporâneos do grande monarca, essa foi a resposta de um moleiro, vizinho ao castelo famoso, quando o soberano, diante de sua recusa de vender-lhe sua propriedade, ameaçou confiscá-la. O humilde moleiro – talvez confiado na própria conduta habitual de Frederico II, disse-lhe que isso não seria possível, porque ainda havia juízes em Berlim. Havia juízes em Berlim e ainda os há, aqui e ali, mas quando homens como Garzón são submetidos a julgamento – e pelas razões alegadas pelos seus contendores – é de se perguntar se, em alguns lugares, ainda os há. Em alguns lugares, como em Washington, em que a Suprema Corte de vez em quando espanta os cidadãos, com suas decisões. E em outros lugares.

O general Pinochet detido em Londres por ordem de Garzón

Baltasar Garzón surpreendeu a sociedade espanhola, com sua obstinação na luta contra os que lesam os direitos humanos, o crime organizado, a corrupção no Estado, os delitos dos serviços secretos em suas relações com grupos terroristas. Sua grande vitória, ao obter a prisão, em Londres, do ex-ditador Pinochet e seu posterior julgamento, pela justiça chilena, fizeram dele uma personalidade mundial. É certo que essa obstinação o transformou em magistrado incômodo. Alguns o vêem com a síndrome do justiceiro enlouquecido, espécie de Torquemada de hoje. Mas o pretexto que arranjaram para conduzi-lo ao mais alto tribunal da Espanha é, no mínimo, pífio. Garzón, a pedido das autoridades policiais, autorizou a escuta telefônica de algumas pessoas, detidas e em liberdade, com o propósito de impedir a destruição de provas e a continuação de remessas ilegais de dinheiro obtido do erário, ao exterior, e sua “lavagem”, mediante os métodos já denunciados no Brasil.


O ditador Francisco Franco tinha relações com a Igreja e a Opus Dei 

Trata-se do famoso caso Gurtel, um entre muitos outros, na Espanha de hoje, em que a presença do franquismo e da Opus dei continua firme. Um grupo de empresários da comunicação e eventos, chefiados por Francisco Correa, intermediava contratos de toda natureza com os governos autônomos e municípios, chefiados pelos homens do Partido Popular, quando este estava à frente do governo nacional, e que agora retornou ao poder. O grupo corrompia as autoridades, com presentes, viagens e, sendo necessário, dinheiro vivo ou depositado na velha Suíça, em nome de políticos e seus laranjas. O dinheiro vinha das empresas candidatas aos bons negócios com o Estado, que “superfaturavam” os contratos.

Os advogados dos bandidos – nessa inversão moral de nossos tempos – conseguiram processar o juiz Garzón, sob a alegação de que as escutas haviam sido ilegais. Ocorre que um juiz, que substituiu Garzón na causa, manteve as escutas e o próprio tribunal de Madri, de segunda instância, confirmou a autorização das interceptações telefônicas. O fato é que o julgamento de Garzón é de natureza política, seja ele um magistrado incorruptível, como é visto pela opinião pública, ou um deslumbrado pela notoriedade, como dele falam os inimigos. E é a inversão da lógica: ele está sendo processado por ladrões.

Na segunda metade dos setecentos ainda havia juízes em Berlim, de acordo com o modesto moleiro de Potsdam. Resta saber se ainda os há em Madri. E em outros lugares.