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segunda-feira, 30 de abril de 2012

ECOS DO FASCISMO ETERNO


Depois da crise econômica mundial, a extrema direita voltou com tudo na Europa, inclusive integrando alguns governos. Na França, os xenófobos do Front National de Jean-Marie e Marine Le Pen atingiram 18% dos votos e forçaram o candidato dos conservadores "moderados", o presidente Nicolas Sarkozy, à fazer uma tremenda inflexão à direita e abraçar novamente - como ele já fizera no passado - as teses xenófobas e racistas. Paira um ar de anos 1930?
Este texto de Umberto Eco, de 1995, tenta definir as características desse novo extremismo, que ele denomina de Ur-fascismo ou "fascismo eterno". Os grifos são meus.    



A nebulosa fascista

Umberto Eco

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola. 

A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista. 

1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contrarreformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico. 

Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às ruías dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas. 

Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas. Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva. 

Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo.

Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.

2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas como os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho de seus sucessos industriais, seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou 1776, obviamente). O Iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”. 

3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais. 

4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição. 

5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição. 

6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório. 

7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro The New World Order, de Pat Robertson. 


Anders Breivik, o extremista de direita norueguês que matou 77 garotos
8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres, mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras, pois são constitutivamente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo. 

9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição. 

10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa. 

11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era:“Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heróica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte. 

12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma invidia penis permanente. 

13. O Ur-Fascismo baseia-se em um “populismo qualitativo”. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg.

Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no parlamento italiano foi: “Eu poderia ter transformado esta assembléia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo. 


14. O Ur-Fascismo fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular. 

[...]
Propaganda neofascista na Suíça
Devemos ficar atentos para que o sentido dessas palavras (liberdade e ditadura) não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está a nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo. Cito ainda as palavras de Roosevelt: “Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país” (4 de novembro de 1938). Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: “Não esqueçam”. 

MISCIGENAÇÃO E MISTIFICAÇÃO


O conceito de miscigenação pode se prestar a vários propósitos: serve tanto para explicar nossa singularidade antropológica, como fazia o mestre Darcy Ribeiro (foto), quanto para mascarar nosso racismo dito "cordial", como faz a soi disant elite branca brasileira, para quem o Brasil sempre viveu uma "democracia racial" plena. Por isso, para eles, qualquer tentativa de tratar desigualmente os desiguais com políticas de ação afirmativa para reparar injustiças é um crime de "lesa-pátria". O texto do jornalista Paulo Moreira Leite põe os pingos nos iis.     

Quando celebrar a miscigenação é só esperteza

Paulo Moreira Leite, em seu blog “Vamos Combinar”, da Época:

Confesso que fico envergonhado com a insistência de muitos advogados da democracia racial em apresentar a miscigenação da sociedade brasileira como a demonstração definitiva de que os portugueses e seus descendentes brancos não possuíam uma cultura de caráter racista.

Eu acho que a miscigenação criou pessoas bonitas, trouxe muitos  benefícios a população brasileira e deve ser celebrada pelos motivos verdadeiros.
Ajudou a valorizar a cultura negra e enriqueceu nossa maneira de olhar o mundo e perceber que somos parte de um universo mais amplo, que envolve toda a humanidade.
Mas é absurdo tentar apresentar o acasalamento de brancos e negros (em temos históricos, em 99,99% dos casos, brancos e negras, o que já quer dizer alguma coisa) como “prova” que não somos um país racista.

Não há relação entre as coisas. O racismo e outros sentimentos de ódio nunca impediram relações sexuais entre pessoas que de nações diferentes e até inimigas.

A crônica final de todas as guerras da humanidade inclui milhares de casos de estupro da população feminina pelas tropas vencedoras, permitida por uma situação de força.
Alguém vai falar em miscigenação na Bósnia? Ou na Europa depois da chegada dos russos? Ou na Polônia após a invasão nazista?
Não. Mas falamos em miscigenação de forma positiva no Brasil. Dizemos que é uma demonstração do espírito aberto e desprovido de preconceito do branco brasileiro.  A miscigenação seria, nessa visão, o ponto essencial de nossa democracia racial, pois envolve a família. Bobagem.

Gostaria que alguém apontasse uma diferença, essencial, entre uma escrava deitar-se com o seu senhor e uma mulher de um país vencido numa guerra fazer o mesmo com tropas invasoras.

Além de costumes, comportamentos, geografias e etc, a verdadeira diferença reside no olhar que compara os dois fenômenos. Fomos habituados a olhar para a escrava negra como uma mulher disponível, que gostava de seduzir o senhor. Não se enxerga aí uma relação determinada por uma violência absoluta contra uma população arrancada de seu país de origem, destituída de sua família e de sua cultura, sem direitos elementares.
Imagina-se a sedução, o desejo, até amor, quando havia um massacre prolongado, permanente, que durou séculos.
Essa visão preconceituosa é um produto histórico do cativeiro, uma cultura criada pelo olhar do senhor.

Muitos senhores de cativos gostavam de culpar as mulheres negras por deitar-se com elas. Diziam que eram provocantes, sedutoras, irresistíveis. Em mais um gesto que prova que podia ter idéias erradas mas não era desprovido de bom senso, Gilberto Freyre chegou a denunciar o preconceito vergonhoso de um médico brasileiro que, num Congresso em Paris, culpou a “lubricidade simiesca” das escravas negras pela expansão das doenças venéreas no país.

Na verdade, lembrou o antropólogo, as doenças se espalhavam porque muitos cidadãos brancos, contaminados por sífilis, gostavam de acreditar na lenda de que precisavam deitar-se com uma “negrinha virgem” para serem curados. Assim, justificavam suas investidas contra cativas ainda adolescentes.
Celebrar a miscigenação como “prova” do espírito democrático implicar em imaginar que, na cama, a escravidão pudesse desparecer por encanto. Vamos combinar que nem Reich e outros profetas da revolução sexual pensaram nisso….rsrsrsrsrsr
Do ponto de vista branco, a mulher escrava servia para o sexo. Mas não tinha direito a casamento nem a formar família.
Pode haver maior demonstração de preconceito?

Como assinala o professor Alfredo Bosi, “a libido do conquistador teria sido antes falocrática do que democrática na medida em que se exercia quase sempre em uma só dimensão, a do contacto físico: as escravas emprenhadas pelos fazendeiros não foram guindadas, ipso facto, à categoria de esposas e senhoras de engenho, nem tampouco os filhos dessas uniões fugazes se ombrearam com os herdeiros ditos legítimos do patrimônio de seus genitores. As exceções, raras e tardias, servem apenas de matéria de anedotário e confirmam a regra geral. As atividades genésicas intensas não têm conexão necessária com a generosidade social. ( “Dialética da Colonização,” página 28).

quinta-feira, 26 de abril de 2012

IGUALDADE, AINDA QUE PEQUENA E TARDIA...



Demóstenes Torres acha que o estupro de escravas era consentido 
O Supremo Tribunal Federal votou, por unanimidade, a favor da constitucionalidade das mal-chamadas "cotas raciais" para universidades públicas. Trata-se, na verdade, de uma ação afirmativa específica para corrigir apenas um aspecto da histórica exclusão da população negra do país. Mesmo assim, a direita tupiniquim fez das "cotas raciais" um cavalo de batalha, investindo nos últimos anos todos os esforços e quadros na tentativa de torpedear a iniciativa, na esteira do que fizeram os escravistas no século XIX.
Abaixo,um texto esclarecedor do jornalista Leonardo Sakamoto, escrito antes da decisão do STF.  

Demóstenes, o STF e as cotas raciais
Leonardo Sakamoto, em seu blog
"O Supremo Tribunal Federal deve julgar, nesta quarta (25), se as cotas raciais para reserva de vagas em universidades públicas são constitucionais. Uma das ações contrárias foi movida pelo DEM em 2009, pedindo sua suspensão na Universidade de Brasília.
Segundo o partido político, esse tipo de reserva de vaga fere a dignidade e afeta o próprio combate à discriminação e ao preconceito. Toda a vez que trato da questão da desigualdade social e do preconceito que os negros e negras sofrem no Brasil (herança cotidianamente reafirmada de um 13 de maio de 1888 que significou mais uma mudança na metodologia de exploração da força de trabalho do que uma abolição de fato, pois não garantiu as bases para a autonomia real dos ex-escravos e seus descendentes) sou linchado. Até porque, como todos sabemos, o brasileiro não é racista (suspiro...).
Bem, resumindo o que estou querendo dizer com um discurso de descontente com as cotas que ouvi tempos atrás: "Vê se me entende que eu vou explicar uma vez só. A política de cotas é perigosa e ruim para os próprios negros, pois passarão a se sentir discriminados na sociedade – fato que não ocorre hoje. Além disso, com as cotas, estará ameaçado o princípio de que todos são iguais perante a lei, o que temos conseguido cumprir, apesar das adversidades".
E relembrar é viver. Durante audiência no Supremo Tribunal Federal para discutir o sistema de cotas em universidades públicas em março de 2010, o senador Demóstenes Torres (então pertencente ao DEM-GO) usou da palavra para destilar todo o seu profundo conhecimento sobre a história do Brasil. Quem ouviu seu discurso saiu com a impressão de que aprendeu várias coisas novas. Que os africanos eram os principais responsáveis pelo tráfico transatlântico de escravos. Que escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos, afinal de contas "isso se deu de forma muito mais consensual" o que "levou o Brasil a ter hoje essa magnífica configuração social" de hoje. Que no dia seguinte à sua libertação, os escravos "eram cidadãos como outro qualquer, com todos os direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade" – mesmo sem nenhuma política de inserção aplicada. Com tudo isso, o nobre senador deu a entender que os negros foram os reais culpados pela escravidão no Brasil. E, a partir disso, compreende-se que são os culpados por sua situação econômica hoje e qualquer forma de discriminação contra eles.
A posição do senador é compreensível, se considerarmos que o discurso feito não foi um ataque à reserva de vagas para negros e afrodescendentes e sim uma defesa da elite política e econômica que controlou a escravidão no país e que, com algumas mudanças e adaptações, desembocou em setores do seu próprio partido. Em meados do século 19, com o fim do tráfico transatlântico de escravos, a propriedade legal sob seres humanos estava com os dias contados. Em questão de anos, centenas de milhares de pessoas estariam livres para ocupar terras virgens – que o país tinha de sobra – e produzir para si próprios em um sistema possivelmente de campesinato. Quem trabalharia para as fazendas? Como garantir mão-de-obra após a abolição?
Vislumbrando que, mantida a estrutura fundiária do país, o final da escravidão poderia representar um colapso dos grandes produtores rurais, o governo brasileiro criou meios para garantir que poucos mantivessem acesso aos meios de produção. A Lei de Terras foi aprovada poucas semanas após a extinção do tráfico de escravos, em 1850, e criou mecanismos para a regularização fundiária. As terras devolutas passaram para as mãos do Estado, que passaria a vendê-las e não doá-las como era feito até então. O custo da terra começou a existir, mas não era significativo para os então fazendeiros, que dispunham de recursos para a ampliação de seus domínios. Porém, era o suficiente para deixar ex-escravos e pobres de fora do processo legal. Ou seja, mantinha a força de trabalho à disposição do serviço de quem tinha dinheiro e poder.
Para além dos efeitos da Lei Áurea, que esta prestes a completar 124 anos em maio, trabalhadores brasileiros ainda são subdivididos em classes. Ou castas. O homem branco ganha mais do que o homem negro pela mesma função, seja pelas diferenças de oportunidades que os dois tiveram acesso, seja por puro preconceito. Se compararmos então com as mulheres negras, a sensação de vergonha de ser brasileiro aflora de vez. Mudaram-se os rótulos, ficaram as garrafas. O Brasil não foi capaz de garantir que os libertos fossem tratados com o respeito que seres humanos e cidadãos mereciam, no campo ou na cidade. Herança maldita disseminada na sociedade. E alimentada por discursos como o de Demóstenes Torres.
Ou pela falta de políticas afirmativas. Antes de tratar todos com igualdade, como pedem desesperadoramente alguns, é preciso tratar os desiguais de forma desigual através de ações afirmativas. Só assim, poderemos sonhar – um dia – em que negros e brancos, homens e mulheres, não se sintam como se tivessem vindo com a roupa errada para a festa."




quarta-feira, 25 de abril de 2012

UM DIA DE GLÓRIA


O dia 25 de abril é a data da libertação de dois países europeus das garras do nazi-fascismo. Em 1945, acabava o reino do terror do fascismo e da ocupação nazista na Itália; quase 30 anos depois, os portugueses se livravam da ditadura salazarista, que dominava o país desde 1932.

A Resistência Italiana, cujos membros ficaram conhecidos como partigiani, foi um movimento armado de oposição ao fascismo e à ocupação da Itália pela Alemanha nazista, bem como à República Social Italiana - conhecida como República de Salò - fundada por Mussolini no norte, em território controlado pelos nazistas durante a II Guerra Mundial.

Milhares de mulheres italianas pegaram em armas contra o nazi-fascismo 
Como movimento armado, baseado na estratégia de guerrilhas, os partigiani surgiram em 1943, quando a Itália foi invadida pela Alemanha, em resposta ao afastamento de Mussolini pelo rei e à invasão do sul da pensínsula pelas tropas aliadas anglo-americanos. Muitos, entretanto, consideram que a resistência existiu desde 1922, quando o fascismo ascendeu ao poder, embora de forma embrionária.

O movimento se dissolveu depois do fim da guerra em 1945. Os partigiani executaram Mussolini em Milão em 28 de abril de 1945. Calcula-se que tenham participado da Resistência mais de 300 mil pessoas - das quais 35 mil mulheres - de várias tendências políticas: comunistas, socialistas, anarquistas, liberais, católicos e monarquistas – agregados no Comitê de Liberação Nacional (CLN).

Militares se confraternizam com populares em abril de 1974 em Portugal 
Em Portugal, o salazarismo foi derrubado por um movimento militar, conhecido como Revolução dos Cravos, que eclodiu em 25 de abril de 1974. O Movimento das Forças Armadas (MFA) era composto por oficiais intermediários da hierarquia militar, na sua maioria capitães que tinham participado das desgastantes guerras coloniais na África (Angola, Moçambique e Guiné-Bissau). O MFA era apoiado por oficiais milicianos e estudantes recrutados, com grande influência do então clandestino Partido Comunista Português (PCP). O regime caiu quase sem resistência – a não ser da polícia secreta, a PIDE –, mas a alta oficialidade, liderada pelo general António de Spínola, assumiu o comando do movimento. Mesmo assim, as divisões políticas nas Forças Armadas e a explosão do conflito de classes estancado por quatro décadas quase levaram Portugal à guerra civil em 1975. Estabilizado o país, a Assembléia Constituinte iniciou seus trabalho e entrou ao país uma nova Carta Magna, em 25 de abril de 1976.









Chico Buarque

Grandola, Vila Morena

terça-feira, 24 de abril de 2012

ARROGÂNCIA COLONIAL


Outro grande artigo de Mauro Santayana, desta vez sobre a arrogância imperial da Espanha em relação às suas ex-colônias e também aos países da Ibero-América. 

Todos Somos Argentinos
Os espanhois se esqueceram da derrota da Invencível Armada...


 Mauro Santayana, em seu blog

O Brasil e a Argentina, sendo os dois maiores países da América do Sul, têm sido alvos preferenciais do domínio euro-americano em nosso continente. A Argentina, sob Cristina Kirchner, depois de anos desastrados de ditadura militar, e do governo caricato e neoliberal de Menem, se confronta com Madri, ao retomar o controle de suas jazidas de petróleo que estava com a Repsol. Quando um governo entrega, de forma aviltante, os bens nacionais ao estrangeiro, como também ocorreu no Brasil, procede como quem oferece seu corpo no mercado da prostituição. Assim, as medidas de Cristina buscam reparar a abjeção de Menem.
Será um equívoco discutir o conflito de Buenos Aires com Madri dentro dos estreitos limites das relações econômicas. A economia de qualquer país é um meio para assegurar sua soberania e dignidade – não um fim em si mesmo.
As elites espanholas, depois da morte de Franco, foram seduzidas pela idéia de que poderiam recuperar sua presença na América Latina, perdida na guerra contra os Estados Unidos e durante a ditadura de quase 40 anos. Já durante o governo de Adolfo Suárez, imaginaram que poderiam, pouco a pouco, readquirir a confiança dos latino-americanos, ofendidos pela intervenção descarada dos Estados Unidos no continente. De certa forma, procediam com inteligência estratégica: a nossa América necessitava de aliados, mesmo frágeis, como era a Península Ibérica, na reconstrução de sua soberania, mutilada pelos governos militares alinhados a Washington.
Mas faltou aos governantes e homens de negócios espanhóis a habilidade diplomática, que se dissimula na modéstia, e lhes sobrou arrogância. Essa arrogância cresceu quando a Espanha foi admitida na União Européia, e passou a receber fartos recursos dos países ricos do Norte, a fim de acertar o passo continental. A sua estratégia foi a de, com parte dos recursos disponíveis, “comprar” empresas e constituir outras em nossos países. Isso os levou a imaginar que poderiam ditar a nossa política externa, como serviçais que foram, e continuam a ser, dos Estados Unidos. A idéia era a de que, em espanhol, os ditados de Washington seriam mais bem ouvidos.
O paroxismo dessa paranóia ocorreu quando José Maria Aznar telefonou ao presidente Duhalde, da Argentina, determinando-lhe que aceitasse as imposições do FMI, sob a ameaça de represálias. E a insolência maior ocorreu, e sob o governo socialista de Zapatero, quando esse heróico matador de paquidermes indefesos, Juan Carlos, mandou que o presidente Chávez (eleito livremente pelo seu povo, sob a fiscalização de observadores internacionais, entre eles o ex-presidente Carter) se calasse, no encontro iberoamericano de Santiago. Um rei matador de elefantes indefesos e sogro de um acusado de peculato – o bem apessoado serviçal da Telefónica de Espanha, Iñaki Urdangarin, pago com lucros obtidos pela empresa na América Latina, principalmente no Brasil.
Em plena crise, Juan Carlos caça elefantes na África
Os espanhóis parecem não se dar conta de que as suas antigas colônias se tornaram independentes, umas mais cedo – como é o caso da Argentina – e outras mais tarde, embora muitas passassem ao domínio ianque. Imaginaram que podiam fazer o que faziam antes disso no continente – e incluíram o Brasil na geografia de sua presunção.
O Brasil pode e deve ser solidário com a Argentina, no caso da recuperação, para seu povo, das jazidas petrolíferas da YPF. E manter a nossa posição histórica de reconhecimento da soberania de Buenos Aires sobre o arquipélago das Malvinas.
Que querem os espanhóis em sua gritaria por solidariedade contra a Argentina, pelo mundo afora? Eles saquearam tudo o que puderam, durante o período colonial, em ouro e prata. Usaram esses recursos imensos – assim como os portugueses fizeram com o nosso ouro – a fim de construir castelos e armar exércitos que só se revelaram eficazes na repressão contra o seu próprio povo – como ocorreu na guerra civil.
Durante o seu período de arrogância subsidiada, trataram com desdém os mal chamados iberoamericanos, humilhando e ofendendo brasileiros e latino-americanos, aviltando-os ao máximo. Um só ser humano, em sua dignidade, vale mais do que todos os poços de petróleo do mundo. Antes que Cristina Kirchner determinasse a recompra das ações da YPF em poder da Repsol, patrimônio muito maior dos argentinos e de todos os latinoamericanos, sua dignidade, havia sido aviltada, de forma abjeta e continuada, pelas autoridades espanholas no aeroporto de Barajas e em seu território.
Evita e Francisco Franco: por que não fazem pães? 
Que se queixem agora aos patrões, como seu chanceler, Garcia-Margallo fez, ao chorar nos ombros da senhora Clinton, e busquem a solidariedade de uma Europa em frangalhos. Ou que rearmem a sua Invencível Armada em Cádiz, e desembarquem no Rio da Prata. Isso, se antes, os milhões de jovens desempregados – a melhor parcela de um povo maravilhoso, como é o da Espanha – não resolvam destituir suas elites políticas, corruptas, incompetentes e opressoras, e seu rei tão ocioso quanto descartável.
E, ao final, vale lembrar a viagem histórica que Eva Perón fez à Europa, no auge de sua popularidade. Em Madri, diante da miséria em que se encontrava o povo, ofereceu a Franco, em nome do povo argentino, alguns navios cheios de trigo. O general respondeu que não era necessário, que os celeiros espanhóis estavam cheios de farinha. E Evita replicou, de pronto: ¿entonces, por qué no hacen pan?

segunda-feira, 23 de abril de 2012

O CORAÇÃO DAS TREVAS FRANCÊS



Claude Hollande: que concessões ele fará para ganhar voto? 
Há um dado que salta aos olhos nas eleições da França: a força crescente da extrema direita xenófoba no país que foi o berço do Iluminismo e da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Marine Le Pen, candidata do Front National, teve 18% dos votos; o socialista François Hollande, 28,63%, e o presidente Nicolas Sarkozy, 27,17%. Em 2002, o pai de Marine, Jean-Marie Le Pen, com uma votação menor do que a filha (16,86%), desbancou o socialista Lionel Jospin, ficando apenas três pontos percentuais atrás do gaullista Jacques Chirac. No segundo turno, o temor da extrema direita deu uma vitória esmagadora a Chirac, que venceu com 82% - porcentagem maior do que a de Luís Bonaparte.

Marine Le Pen, candidata da extrema direita
Sarkozy foi o primeiro presidente da V República a receber menos votos do que um candidato da oposição no primeiro turno. Alguns analistas apressados dizem que ele é rejeitado pelos franceses por ser o primeiro estadista francês do pós-guerra a se assumir abertamente uma postura de direita, num país onde se dá de barato que a esquerda há décadas venceu o debate intelectual. Ora, isso está longe de ser verdade, como mostra a influência no debate eleitoral de temas caros aos herdeiros de Vichy – como a “islamização” da França e a “ameaça” representada pelos imigrantes.    

A França, na verdade, sempre foi uma nação ideologicamente fraturada. Depois das revoluções de 1789, 1830, 1848 e 1871, um episódio menor – a falsa acusação de traição contra um oficial judeu do Exército, Alfred Dreyfus, em 1894 –, teve o condão de mergulhar o país em outra luta política fratricida, que opôs antissemitas, clericais, militaristas e monarquistas a anticlericais, democratas, socialistas e radicais republicanos. Durante a Segunda Guerra Mundial, repetiu-se a divisão, com grande parte da França apoiando o governo colaboracionista do marechal Pétain e uma minoria apoiando a resistência antinazista comandada pelo general Charles De Gaulle.

O general De Gaulle conclama os franceses à resistir ao nazismo...
Mas a grande mudança no imaginário francês aconteceu depois da guerra - deixo de lado as causas econômicas e sociais desse fenômeno. De Gaulle acreditava na grandeur francesa e, para livrar a cara de seus compatriotas, forjou o mito de que todos os franceses tinham sido da Resistência contra o regime de Vichy. Ele resgatou o orgulho nacional francês, mas, com isso a França deixou de viver a catarse dos pecados da extrema direita – a xenofobia e a violência – como a Alemanha. Resultado: na Argélia, o Exército colonial francês cometeu as maiores barbaridades como se fosse a coisa mais natural do mundo. A extrema-direita voltou a crescer na França a partir dos anos 1980. E até hoje, quando se toca o dedo na ferida do colaboracionismo, a França mergulha num profundo mal-estar civilizatório.
...mas muitos de seus compatriotas apoiaram Pétain 

Significativamente, os herdeiros de Hitler e Mussolini também cresceram na Áustria, mas não na Alemanha – país que foi militarmente arrasado e que teve que fazer mea culpa do nazismo. Por isso, a extrema direita e os neonazistas quase nunca tiveram representação do Bundenstag (Parlamento alemão) e as manifestações de violência xenófoba sempre foram abertamente repudiadas pela opinião pública.             
          
Resta saber que concessões Hollande fará para conquistar os corações e mentes do eleitorado de Marine Le Pen...

VIÚVAS DE MARGARET THATCHER


 

O artigo sobre a Argentina do ex-tucano Bresser-Pereira, publicado hoje na Folha, vai contra a corrente dos mortos-vivos ou viúvas do neoliberalismo tupiniquim e defende sem peias a nacionalização da YPF. Aliás, é incrível como essas viúvas agem como se ainda vivêssemos nos anos 1990, quando o Consenso de Washington imperava soberano e sem contestação e como se a crise que começou em 2008 nunca tivesse ocorrido. As viúvas de Margaret Thatcher são piores e mais ressentidas do que as viúvas da revolução; a Veja que o diga...   

 

A Argentina tem razão

Luís Carlos Bresser-Pereira

 

"A Argentina se colocou novamente sob a mira do Norte, do 'bom senso' que emana de Washington e Nova York, e decidiu retomar o controle do Estado sobre a YPF, a grande empresa petroleira do país que estava sob o controle de uma empresa espanhola. O governo espanhol está indignado, a empresa protesta, ambos juram que tomarão medidas jurídicas para defender seus interesses. O Wall Street Journal afirma que 'a decisão vai prejudicar ainda mais a reputação da Argentina junto aos investidores internacionais'. Mas, pergunto, o desenvolvimento da Argentina depende dos capitais internacionais, ou são os donos desses capitais que não se conformam quando um país defende seus interesses? E, no caso da indústria petroleira, é razoável que o Estado tenha o controle da principal empresa, ou deve deixar tudo sob o controle de multinacionais?

Em relação à segunda pergunta parece que hoje os países em desenvolvimento têm pouca dúvida.
Quase todos trataram de assumir esse controle; na América Latina, todos, exceto a Argentina.
Não faz sentido deixar sob controle de empresa estrangeira um setor estratégico para o desenvolvimento do país como é o petróleo, especialmente quando essa empresa, em vez de reinvestir seus lucros e aumentar a produção, os remetia para a matriz espanhola.

Além disso, já foi o tempo no qual, quando um país decidia nacionalizar a indústria do petróleo, acontecia o que aconteceu no Irã em 1953. O Reino Unido e a França imediatamente derrubaram o governo democrático que então havia no país e puseram no governo um xá que se pôs imediatamente a serviço das potências imperiais.

Mas o que vai acontecer com a Argentina devido à diminuição dos investimentos das empresas multinacionais? Não é isso um 'mal maior'? É isso o que nos dizem todos os dias essas empresas, seus governos, seus economistas e seus jornalistas. Mas um país como a Argentina, que tem doença holandesa moderada (como a brasileira) não precisa, por definição, de capitais estrangeiros, ou seja, não precisa nem deve ter déficit em conta corrente; se tiver déficit é sinal que não neutralizou adequadamente a sobreapreciação crônica da moeda nacional que tem como uma das causas a doença holandesa.

A melhor prova do que estou afirmando é a China, que cresce com enormes superávits em conta corrente. Mas a Argentina é também um bom exemplo. Desde que, em 2002, depreciou o câmbio e reestruturou a dívida externa, teve superávits em conta corrente. E, graças a esses superávits, ou seja, a esse câmbio competitivo, cresceu muito mais que o Brasil. Enquanto, entre 2003 e 2011 o PIB brasileiro cresceu 41%, o PIB argentino cresceu 96%.

Os grandes interessados nos investimentos diretos em países em desenvolvimento são as próprias empresas multinacionais. São elas que capturam os mercados internos desses países sem oferecer em contrapartida seus próprios mercados internos. Para nós, investimentos de empresas multinacionais só interessam quando trazem tecnologia, e a repartem conosco. Não precisamos de seus capitais que, em vez de aumentarem os investimentos totais, apreciam a moeda local e aumentam o consumo. Interessariam se estivessem destinados à exportação, mas, como isso é raro, eles geralmente constituem apenas uma senhoriagem permanente sobre o mercado interno nacional."

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O premiê espanhol Mariano Rajoy
E aqui, um post tirado do blog do Brizola Neto sobre a hipocrisia da direita espanhola, atual porta-voz de um dos capitalismos mais rapaces do planeta. Além do óbvio, o vídeo nos lembra que, no poder, a esquerda e a direita europeia têm implementado, com nuances, a mesma política neoliberal.    

Um país de 5ª, señor Rajoy?
O jornal argentino La Nación publicou uma de jogar por terra toda a pseudoindignação do governo espanhol com a reestatização da  petroleira argentina YPF, em mãos da espanhola Repsol.
Quando, em 2008, se tratou da compra de parte da Repsol pela russa Lukoil, o hoje primeiro-ministro Mariano Rajoy, então na oposição, disse – aliás, com toda a razão – que “nosso petróleo, nosso gáse nossa  energía não poem ser entregues a uma empresa russa porque isso nos converteria em um  país de quinta categoria”.
Hoje, ele estrila e ameaça de todas as formas o governo Cristina Kirchner por ter feito aquilo que ele próprio defendia para a Espanha.
A Argentina, señor Rajoy, seria um país de 5ª categoria?