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sábado, 30 de outubro de 2010

BENTO XVI VAI EXCOMUNGAR SÃO TOMÁS DE AQUINO?

Joseph Ratzinger, um papa "leninista"
Vladimir Lênin
Joseph Ratzinger passou 1/4 de século no papel de “grande inquisidor” do papa João Paulo II, expurgando a Igreja dos defensores da Teologia da Libertação e de todos os que questionavam a visão integrista e reacionária do catolicismo. Essa contrarrevolução permanente praticamente enterrou as promessas renovadoras de João XXIII e de Paulo VI no Concílio Vaticano II e fez a Igreja Católica retroceder aos tempos do ultramontanismo de Pio IX, no século XIX, quando o Vaticano queria subverter as sociedades laicas e liberais baseadas nos valores iluministas da Revolução Francesa por uma teocracia católica. Bento XVI completou a contrarrevolução de João Paulo II com um toque “leninista”: para ele, a Igreja precisa aferrar-se à tradição e à ortodoxia para sobreviver num mundo dominado pelo relativismo, ainda que isso signifique a perda cada vez maior de fiéis. Como o útlimo Lênin, o implacável líder bolchevique, o atual pontífice acredita que “mais valem poucos, mas bons”. A vanguarda iluminada é sempre uma minoria...

Agora, Bento XVI retoma outro aspecto do ultramontanismo: a exigência de total obediência que os católicos devem ao Vaticano, passando por cima das peculariedades nacionais. Só isso pode explicar o apoio do pontífice à guerra dos bispos católicos contra os governo da Espanha por conta das leis que autorizaram o aborto e o casamento gay. Agora, o papa se meteu abertamente em assuntos internos do Brasil ao declarar que é dever os bispos brasileiros intervir na campanha eleitoral para condenar o aborto. Essa declaração é uma afronta à soberania nacional, ao Estado de Direito brasileiro e à cidadania. Como se não bastasse, o pastor alemão afirmou que a descriminalização do aborto constituia uma “traição aos ideais democráticos”. É como se Francisco Franco ou Augusto Pinochet se arvorassem em defensores do Estado Democrático de Direito.

O arcebispo Bernard Law
Bento XVI deveria cuidar do seu rebanho promíscuo. Desde os tempos de João Paulo II, a Igreja Católica vem sendo alvo de denúncias de pedofilia em vários países do mundo, principalmente nos EUA. Neste país, os escândalos ocorreram em quase todas as dioceses e envolveram 1,2 mil sacerdotes, que abusaram de mais de quatro mil crianças. O Vaticano tentou se fazer de morto para proteger os clérigos envolvidos nos abusos, mas a manobra fracassou  e a Igreja teve que pagar milhões de dólares em indenizações. O arcebispo de Boston, Bernard Law, um dos grandes acobertadores, teve que renunciar.

Entre 2001, quando o Vaticano adotou um novo protocolo para tratar dessas denúncias, e 2010, a Congregação para a Doutrina da Fé recebeu três mil denúncias de abusos sexuais contra padres. Apenas 10% deles foram expulsos da Igreja; outros 10% saíram por iniciativa própria. Os julgamentos são secretos e a Igreja não leva os suspeitos espontaneamente à Justiça.

Abaixo, uma pequena lista dos mais recentes escândalos de pedofilia revelados:

Maio/2006 – O Vaticano obrigou Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, a abandonar suas funções sacerdotais depois de várias acusações contra ele por abuso sexual apresentadas por antigos membros desta congregação ultraconservadora mexicana. Maciel faleceu em janeiro de 2008;

Protestos de vítimas de abuso de padres católicos
 Novembro/2009 – O governo da Irlanda revelou a ocorrência de 30 mil casos de abuso nas últimas décadas em várias instituições para crianças administradas pela Igreja Católica no país. Bento XVI expressou “vergonha” e “arrependimento” de toda a Igreja pelos atos pedófilos e criticou o episcopado local. Seis bispos acabaram apresentando sua renúncia, quatro das quais foram aceitas;

Janeiro/2010 – Em Berlim, o reitor do colégio jesuíta Canisius reconheceu que alguns alunos sofreram abusos sexuais nos anos 70 e 80. Mais casos foram revelados posteriormente em outras escolas alemãs;
Março/2010:
- Na Holanda, a ordem dos salesianos abriu uma investigação sobre denúncias de abusos sexuais contra alunos de um internato da região de Arnhem (leste) nos anos 60;

- Na Alemanha, revelações de dois casos de abuso sexual foram confirmados, além de vários suspeitos no coro dos meninos cantores de Regensburg (Baviera), dirigido durante 30 anos pelo monsenhor Georg Ratzinger, irmão de Bento XVI;

- No Brasil, o Vaticano admitiu a existência de acusações contra sacerdotes por abuso sexual. Nas semanas seguintes, pelo menos seis outros escândalos de sacerdotes pedófilos vieram à tona;

- Nos EUA, o jornal The New York Times acusou Bento XVI de ter ocultado nos anos 1990 um sacerdote americano acusado de ter maltratado 200 crianças surdas de uma escola no Wisconsin;

Abril/2010 – O bispo de Bruges (Bélgica), Roger Vangheluwe, reconheceu ter abusado sexualmente de seu sobrinho. Será o primeiro bispo a se demitir por ter cometido abusos sexuais;

- Revelado que em 1985 Joseph Ratzinger resistiu em remover o padre Stephen Kiesle da diocese californiana de Oakland. Entre 1970 e 1980, Kiesle cometera uma série de abusos sexuais contra crianças, tendo sido condenado pela Justiça em 1978 por molestar duas meninas. O bispo de Oakland propôs à Santa Sé o afastamento do padre pedófilo, mas Ratzinger procastinou. Kiesle acabou afastado do sacerdócio em 1987; ele seria preso em 2002 por 13 casos de pedofilia nos anos 70.

Junho/2010 – A Conferência Episcopal Suíça indicou haver 104 vítimas de abuso sexual declaradas desde janeiro;

Setembro/2010 – A Igreja Católica da Bélgica publicou uma centena de depoimentos de vítimas de sacerdotes - de quase 500 recolhidos – e revela 13 casos de suicídio.

Mas não apenas de denúncias de pedofilia vive o pontificado de Bento XVI. Ele ofendeu os muçulmanos, sugerindo que o Islã é uma religião guerreira; os índios, afirmando que eles tinham sido “purificados” pela Igreja durante a conquista das Américas e os judeus, ao tentar reintegrar à Igreja Católica um notório antissemita e negador do Holocausto, o bispo tradicionalista Richard Williamson. Para o bispo, “nenhum judeu morreu em câmaras de gás”.

Milhares de crianças africanas são vítimas da Aids 
Não bastasse isso, Bento XVI reafirmou a postura reacionária de João Paulo II de oposição às pesquisas com células-tronco retiradas de embriões, esperança de cura para milhões de pessoas que sofrem de doenças neurovegetativas e incapacitantes. Mas pior ainda, quase criminosa, é a posição do papa de condenar o uso de preservativos para o controle da natalidade, mesmo em países afetados pela epidemia da Aids. Segundo o teólogo católico Hans Küng, a História julgará os dois papas como os maiores responsáveis pela propagação da Aids, especialmente em países africanos com populações católicas.

São Tomás de Aquino

Finalmente, sobre a questão do aborto, é bom lembrar que a posição retrógrada do Vaticano nem sempre foi consenso nem entre os católicos. Há uma doutrina desenvolvida nos primórdios da Igreja, a teoria da "hominalização" tardia, ou seja, o momento em que a alma anima o corpo. Emprestada dos gregos, esta teoria afirma que a alma humana só anima o feto por volta do terceiro mês de gravidez. Antes disso, qualquer forma de vida existente não era considerada humana. Para Santo Agostinho (séculos IV-V), um dos Padres da Igreja, só haveria aborto pecaminoso quando o feto tivesse alma humana, o que só aconteceria depois de o feto ter uma forma humana reconhecível. O grande Santo Tomás de Aquino (século XIII), o mais célebre teólogo da Idade Média, detalhou esse ponto de vista na Suma Teológica, baseado na filosofia de Aristóteles. Ele afirma que o embrião era habitado primeiramente por uma alma vegetal, depois pela alma animal, e só quando estava suficientemente formado é que a alma espiritual humana habitava o corpo. A posição de Tomás de Aquino sobre o assunto foi aceita pela Igreja no Concílio de Viena, em 1312. Portanto, a doutrina mais tradicional do cristianismo católico considerava que abortos realizados no início da gravidez não eram homicídios. Foi só em 1869 que Pio IX - o papa do ultramontanismo - declarou que o aborto constitui um pecado em qualquer situação e em qualquer momento que se realize.

Para ser coerente, Bento XVI deveria excomungar São Tomás de Aquino...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O LEGADO DE NÉSTOR KIRCHNER


Néstor Kirchner (1950-2010)
O noticiário recente sobre os Kirchner é amplamente negativo, mas é preciso saber ver toda a floresta, e não apens uma árvore. A História se lembrará de Néstor Kirchner por duas grandes iniciativas de seu governo (2002-2006): a recuperação de uma Argentina devastada pela mais grave depressão econômica de sua história e o resgate dos direitos humanos, com o fim da lei de obediência devida, permitindo que os militares criminosos voltassem ao banco dos réus e à cadeia. Numa dimensão histórica, portanto, ficarão menores as suspeitas de enriquecimento ilícito, as acusações de manipulações estatísticas, o estabelecimento de uma “dinastia presidencial” e o cerceamento à mídia argentina. Principalmente este último ponto porque, ao que tudo indica, lá também os oligarcas da grande mídia não admitem qualquer restrição aos seus poderes e privilégios e tendem a acusar quem tenta restringi-los como “inimigo da liberdade”. 

Menem e Domingo Cavallo
Kirchner assumiu um país arrasado depois de 10 anos de neoliberalismo selvagem da dupla Carlos Menem-Domingo Cavallo. A crise deixou o PIB em queda livre (quase 20% em dois anos), com uma dívida externa que representava nada menos que 160% do PIB, o desemprego superando os 20% e quase 50% da população do que já foi o país mais rico da América do Sul abaixo da linha de pobreza. O esgarçamento econômico levou à implosão do sistema político e cinco presidentes se sucederam entre 1999 e 2002. No poder, Kirchner negociou a saída da moratória com os credores internacionais. Impulsionado pela expansão das commodities, a economia argentina voltou a crescer, a taxas de 8% ao ano, o desemprego caiu para 10% e os pobres hoje são 30% - ainda um escândalo para padrões argentinos. O importante é que Kirchner fez um desvio de rota para um novo desenvolvimentismo, enterrando o ciclo menemista-cavallista.

Os facínoras Emilio Massera (à esq.) e Jorge Rafael Videla 
Mas o grande feito de Néstor Kirchner foi o resgate democrático da Argentina. As feridas de um país traumatizado por uma ditadura militar facínora (cerca de 30 mil “desaparecidos” entre 1976-1983), que tinham começado a cicatrizar com os processos contra os militares nos anos 1980, foram reabertas com a “lei de obediência devida”, de Raúl Alfonsín, e o indulto de Carlos Menem em 1990 aos comandantes. Incorporando a bandeira de grupos de direitos humanos como as Madres de la Plaza de Mayo, Kirchner reforçou a decisão da Justiça de enterrar a “lei de obediência devida” e anular o indulto. Assim, assassinos psicopatas como o ex-general-presidente Jorge Rafael Videla, o almirante Emílio Massera e o capitão de corveta Alfredo Astiz voltaram à barra dos tribunais e às prisões – ainda que domiciliares, no caso de alguns decrépitos.
Cristina Kirchner


Poucos países fizeram tão completa lavagem de roupa suja. As manifestações de apreço por ocasião da morte de Kirchner mostram que os cidadãos argentinos compreenderam o legado deixado pelo último líder peronista. A presidente Cristina Kirchner tem pela frente o desafio de impulsionar este compromisso democrático, aliado ao projeto desenvolvimentista. Não é tarefa fácil, mas, ao contrário do que muitos pensam, ela não tem vocação para Isabelita Perón, que jogou a Argentina no abismo do Armagedon depois da morte do marido-presidente.   

Don't cry for me, Argentina (Sinead O'Connor)

ATÉ ONDE IRÃO OS HERDEIROS DE 1964?


Matéria com ficha falsa de Dilma
O trabalho da grande mídia nestas eleições foi um dos mais sórdidos desde a campanha contra o governo de Jango Goulart, em 1964. Superou até a campanha presidencial de 1989, cujo ápice foram os relatos jornalísticos sobre material de propaganda política do PT que teriam sido encontrados com os sequestradores de Abílio Diniz. Na época, o jornal O Rio Branco, do Acre, chegou a manchetar: "PT sequestra Abílio Diniz". Os desmentidos só vieram depois da vitória de Collor no segundo turno. Na campanha atual, o denuncismo implacável contra apenas um lado expressou uma articulada operação de desinformação e manipulação jornalistica capitaneada pelos grandes veículos de comunicação do país - Veja, Folha, Estadão e Globo.
Agora, às vésperas da eleição, há rumores de que se prepara um último golpe midiático - a "bala de prata" - para reverter o favoritismo de Dilma Rousseff e favorecer a candidatura oposicionista. A operação seria desencadeada na sexta-feira (29) quando a propaganda eleitoral tiver sido encerrada, eliminando-se possibilidade de resposta. O que seria? O depoimento de um ex-militante arrependido revelando os "segredos do terror"? Baderneiros vestidos com camisetas do PT provocando violência no comício tucano? Edição do debate pela Globo?

Pode parecer teoria da conspiração  - no creo en brujas, mas que las hay, las hay. Disposição e recursos existem. Recomendo ver dois vídeos didáticos sobre o comportamento da grande mídia em eventos que levaram à tentativa de golpe contra Hugo Chávez em 2002. Na Venezuela, os meios de comunicação desempenhram, pela primeira vez, o papel de protagonistas do golpe, levando os militares a reboque, invertendo a fórmula tradicional da América Latina. Aqui ainda não chegamos neste estágio "avançado" do que certos analistas denominam como "Midiático Poder". Mas já demos passos gigantescos nesta direção.  

Puente Llaguno
 La Revolución no será televisionada

O Globo saúda golpe como "democracia" em abril de 1964 O

Os barões da mídia que hoje batem no peito em defesa da democracia e a liberdade de expressão são os herdeiros daqueles que, em 1964, apoiaram furiosamente a derrubada de um governo constitucional e a implantação de um regime de exceção - que eles esperavam breve, mas que durou longos 21 anos.

Reproduzo, aqui, um trecho do blog do Emir Sader sobre a grande mídia e o golpe de 64:

"As famílias Frias, Mesquita, Marinho, entre outras, participaram ativamente, no momento mais determinante da história brasileira, do lado da ditadura e não na defesa da democracia. Acobertaram a repressão, seja publicando as versões mentirosas da ditadura sobre a prisão, a tortura, o assassinato dos opositores, como também – no caso da FSP -, emprestando carros da empresa para acobertar ações criminais os órgãos repressivos da ditadura. (O livro de Beatriz Kushnir, “Os cães de guarda”, da Editora Boitempo, relata com detalhes esse episódio e outros do papel da mídia em conivência e apoio à ditadura militar.)

No momento mais importante da história brasileira, a mídia monopolista esteve do lado da ditadura, contra a democracia. Querem agora usar processos feitos pela ditadura militar como se provassem algo contra os que lutaram contra ela e foram presos e torturados. É como se se usassem dados do nazismo sobre judeus, comunistas e ciganos vitimas dos campos de concentração. É como se se usassem dados do fascismo italiano a respeito dos membros da resistência italiana. É como se se usassem dados do fraquismo sobre o comportamento dos republicanos, como Garcia Lorca, presos e seviciados pelo regime. É como se se usasse os processos do governo de Vichy como testemunha contra os resistentes franceses.

Carros da Folha serviam aos órgãos de repressão

Aqueles que participaram do golpe e da ditadura foram agraciados com a anistia feita pela ditadura, para limpar suas responsabilidades. Assim não houve processo contra o empréstimo de viaturas pela FSP à Operação Bandeirantes. O silêncio da família Frias diante da acusações públicas, apoiadas em provas irrefutáveis, é uma confissão de culpa.
Estamos próximos de termos uma presidente mulher, que participou da resistência à ditadura e que foi torturada pelos agentes do regime de terror instaurado no país, com o apoio da mídia monopolista. Parece-lhes insuportável moralmente e de fato o é. A figura de Dilma é para eles uma acusação permanente, pela dignidade que ela representa, pela sua trajetória, pelos valores que ela representa.

Onde estava cada um em 1964? Essa a questão chave para definir quem é quem na democracia brasileira.

Veja a postagem completa:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=594

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

AS ORIGENS DO EQUÍVOCO


Theotônio dos Santos
Nos anos 1960 o professor Theotônio dos Santos foi um dos criadores – ao lado de Rui Mauro Marini, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, entre outros –, da Teoria da Dependência, formulação marxista sobre os processos de reprodução do subdesenvolvimento na periferia do capitalismo mundial. Tal teoria buscava repensar o quadro conceitual da esquerda latino-americana, preso aos esquemas dogmáticos do stalinismo, que dizia que entre nós imperava uma burguesia compradora aliada ao latifúndio e ao imperialismo que impedia o desenvolvimento do capitalismo e da burguesia nacionais. A Teoria da Dependência abriu novos horizontes conceituais e políticos para a esquerdas latino-americanas da época. Num dos seus principais trabalhos (Dependência e Desenvolvimento na América Latina, 1967), Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto reformularam as teses da dependência postulando, por exemplo, que a internacionalização do capitalismo não criava, necessariamente, estagnação econômica e subdesenvolvimento nem a necessidade inevitável do socialismo. As más línguas dizem que, uma vez no Planalto, FHC levou suas teses ao pé da letra, escancarando a abertura externa. Nesta carta aberta a FHC, da qual reproduzo trechos, Theotônio sustenta que os fracassos do governo tucano se devem a concepções teóricas equivocadas.

FHC, Prebisch, Serra e Quijano no Chile


"Meu caro Fernando,
Vejo-me na obrigação de responder a carta aberta que você dirigiu ao Lula, em nome de uma velha polêmica que você e o José Serra iniciaram em 1978 contra o Rui Mauro Marini, eu, André Gunder Frank e Vânia Bambirra, rompendo com um esforço teórico comum que iniciamos no Chile na segunda metade dos nos 1960. A discussão agora não é entre os cientistas sociais e sim a partir de uma experiência política que reflete, contudo, este debate teórico. Esta carta assinada por você como ex-presidente é uma defesa muito frágil, teórica e politicamente, de sua gestão. Quem a lê não pode compreender porque você saiu do governo com 23% de aprovação enquanto Lula deixa o seu governo com 96% de aprovação. Já discutimos em várias oportunidades os mitos que se criaram em torno dos chamados êxitos do seu governo. Já no seu governo vários estudiosos discutimos [...], o inevitável caminho de seu fracasso junto à maioria da população. Pois as premissas teóricas em que baseava sua ação política eram profundamente equivocadas e contraditórias com os interesses da maioria da população.

[...]

Contudo nesta oportunidade me cabe concentrar-me nos mitos criados em torno do seu governo, os quais você repete exaustivamente nesta carta aberta.

O primeiro mito é de que seu governo foi um êxito econômico a partir do fortalecimento do real e que o governo Lula estaria apoiado neste êxito alcançando assim resultados positivos que não quer compartir com você... Em primeiro lugar vamos desmitificar a afirmação de que foi o plano real que acabou com a inflação. Os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. A partir de 1994, TODAS AS ECONOMIAS DO MUNDO APRESENTARAM UMA QUEDA DA INFLAÇÃO PARA MENOS DE 10%. Claro que em cada pais apareceram os “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isto é falso: tratava-se de um movimento planetário.

No caso brasileiro, a nossa inflação girou, durante todo seu governo, próxima dos 10% mais altos. TIVEMOS NO SEU GOVERNO UMA DAS MAIS ALTAS INFLAÇÕES DO MUNDO. E aqui chegamos no outro mito incrível. Segundo você e seus seguidores (e até setores de oposição ao seu governo que acreditam neste mito) sua política econômica assegurou a transformação do real numa moeda forte. Ora Fernando, sejamos cordatos: chamar uma moeda que começou em 1994 valendo 0,85 centavos por dólar e mantendo um valor falso até 1998, quando o próprio FMI exigia uma desvalorização de pelo menos uns 40% e o seu ministro da economia recusou-se a realizá-la “pelo menos até as eleições”, indicando assim a época em que esta desvalorização viria e quando os capitais estrangeiros deveriam sair do país antes de sua desvalorização, O fato é que quando você flexibilizou o câmbio o real se desvalorizou chegando até a 4,00 reais por dólar. E não venha por a culpa da “ameaça petista” pois esta desvalorização ocorreu muito antes da “ameaça Lula”. ORA, UMA MOEDA QUE SE DESVALORIZA 4 VEZES EM 8 ANOS PODE SER CONSIDERADA UMA MOEDA FORTE? Em que manual de economia? Que economista respeitável sustenta esta tese?

Conclusões: O plano real não derrubou a inflação e sim uma deflação mundial que fez cair as inflações no mundo inteiro. A inflação brasileira continuou sendo uma das maiores do mundo durante o seu governo. O real foi uma moeda drasticamente debilitada. Isto é evidente: quando nossa inflação esteve acima da inflação mundial por vários anos, nossa moeda tinha que ser altamente desvalorizada. De maneira suicida ela foi mantida artificialmente com um alto valor que levou à crise brutal de 1999.

FHC gostava de falar fino com Tio Sam
Segundo mito: segundo você, o seu governo foi um exemplo de rigor fiscal. Meu Deus: um governo que elevou a dívida pública do Brasil de uns 60 bilhões de reais em 1994 para mais de 850 bilhões de dólares quando entregou o governo ao Lula, oito anos depois, é um exemplo de rigor fiscal? Gostaria de saber que economista poderia sustentar esta tese. Isto é um dos casos mais sérios de irresponsabilidade fiscal em toda a história da humanidade.

E não adianta atribuir este endividamento colossal aos chamados “esqueletos” das dívidas dos estados, como o fez seu ministro de economia burlando a boa fé daqueles que preferiam não enfrentar a triste realidade de seu governo. UM GOVERNO QUE CHEGOU A PAGAR 50% AO ANO DE JUROS POR SEUS TÍTULOS, PARA EM SEGUIDA DEPOSITAR OS INVESTIMENTOS VINDOS DO EXTERIOR EM MOEDA FORTE A JUROS NORMAIS DE 3 A 4%, NÃO PODE FUGIR DO FATO DE QUE CRIOU UMA DÍVIDA COLOSSAL SÓ PARA ATRAIR CAPITAIS DO EXTERIOR PARA COBRIR OS DÉFICITS COMERCIAIS COLOSSAIS GERADOS POR UMA MOEDA SOBREVALORIZADA QUE IMPEDIA A EXPORTAÇÃO, AGRAVADA AINDA MAIS PELOS JUROS ABSURDOS QUE PAGAVA PARA COBRIR O DÉFICIT QUE GERAVA. Este nível de irresponsabilidade cambial se transforma em irresponsabilidade fiscal que o povo brasileiro pagou sob a forma de uma queda da renda de cada brasileiro pobre. Nem falar da brutal concentração de renda que esta política agravou dramaticamente neste país da maior concentração de renda no mundo. VERGONHA FERNANDO. MUITA VERGONHA. Baixa a cabeça e entenda porque nem seus companheiros de partido querem se identifica com o seu governo... te obrigando a sair sozinho nesta tarefa insana.

Terceiro mito: segundo você, o Brasil tinha dificuldade de pagar sua dívida externa por causa da ameaça de um caos econômico que se esperava do governo Lula. Fernando, não brinca com a compreensão das pessoas. Em 1999 o Brasil tinha chegado à drástica situação de ter perdido TODAS AS SUAS DIVISAS. Você teve que pedir ajuda ao seu amigo Clinton que colocou à sua disposição ns 20 bilhões de dólares do tesouro dos Estados Unidos e mais uns 25 BILHÕES DE DÓLARES DO FMI, Banco Mundial e BID. Tudo isto sem nenhuma garantia.
Lula transferiu popularidade à Dilma

Esperava-se aumentar as exportações do pais para gerar divisas para pagar esta dívida. O fracasso do setor exportador brasileiro mesmo com a espetacular desvalorização do real não permitiu juntar nenhum recurso em dólar para pagar a dívida. Não tem nada a ver com a ameaça de Lula. A ameaça de Lula existiu exatamente em conseqüência deste fracasso colossal de sua política macro-econômica. Sua política externa submissa aos interesses norte-americanos, apesar de algumas declarações críticas, ligava nossas exportações a uma economia decadente e um mercado já copado. A recusa dos seus neoliberais de promover uma política industrial na qual o Estado apoiava e orientava nossas exportações. A loucura do endividamento interno colossal. A impossibilidade de realizar inversões públicas apesar dos enormes recursos obtidos com a venda de uns 100 bilhões de dólares de empresas brasileiras. Os juros mais altos do mundo que inviabilizava e ainda inviabiliza a competitividade de qualquer empresa. Enfim, UM FRACASSO ECONÔMICO ROTUNDO que se traduzia nos mais altos índices de risco do mundo, mesmo tratando-se de avaliadoras amigas. Uma dívida sem dinheiro para pagar... Fernando, o Lula não era ameaça de caos. Você era o caos. E o povo brasileiro correu tranquilamente o risco de eleger um torneiro mecânico e um partido de agitadores, segundo a avaliação de vocês, do que continuar a aventura econômica que você e seu partido criou para este pais."

[...]

Theotônio dos Santos

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

THOMAS JEFFERSON: ESCOLHA O SEU


Thomas Jefferson (1743-1826)
"Fosse deixado a mim decidir entre um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria um momento em preferir este último”.

(Esta frase foi dita entre 1785 e 1789, quando Jefferson era embaixador americano em Paris. É a frase preferida dos donos de veículos de comunicação quando algum governo acena com regulamentação do setor ou uma lei antioligopólio)

Mas há outra frase proferida por Jefferson, um dos Pais Fundadores da Democracia na América, quando ele era presidente dos Estados Unidos. Esta, nada lisonjeira com os jornais de seu país:

“Não se pode agora acreditar no que se vê num jornal. A própria verdade torna-se suspeita se é colocada nesse veículo poluído. A verdadeira extensão deste estado de falsas informações é somente conhecida daqueles que estão em posição de confrontar os fatos que conhecem com as mentiras do dia. [...] O homem que não lê jornais está mais bem informado que aquele que os lê, porquanto o que nada sabe está mais próximo da verdade que aquele cujo espírito está repleto de falsidades e erros”.

Parece que ele está no Brasil de 2010 comentando sobre as matérias sobre a campanha eleitoral publicadas pela Folha, Estadão e o Jornal Nacional...

À propósito, vejam o que a Organização dos Estados Americanos (OEA) diz sobre oligopólios dos meios de comunicação (artigo 12 da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Imprensa, de 2000):

“Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis antimonopólio, uma vez que eles conspiram contra a democracia ao restringirem a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito dos cidadãos à informação. Em nenhum caso essas leis devem ser exclusivas para os meios de comunicação. As concessões de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades de acesso a todos os indivíduos".

Fosse um artigo destes proposto no Brasil, a velha mídia iria dizer que era "chavista", "totalitário" e o escambau. O que pensará a respeito a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP)?  

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

É A POLÍTICA, ESTÚPIDO!


A farsa: construção de um personagem 
 O uso e abuso da marquetagem por políticos profissionais têm feito estragos à vida pública, principalmente em países que se redemocratizaram depois de anos de ditadura. É uma das consequências de encarar o eleitor como mero consumidor, ao invés de cidadão. No Brasil, nós tivemos uma experiência trágica em 1989, na primeira eleição presidencial depois de 30 anos, quando Fernando Collor de Mello, um picareta que os marqueteiros e parte da grande mídia transformaram em “caçador de marajás”, foi eleito presidente da República. Tudo porque, à época, qualquer um era bom para nossa oligarquia, desde que conseguisse derrotar o “sapo barbudo”.

Nesta eleição de 2010, numa situação de absoluta normalidade democrática, atingimos paradoxalmente o fundo do poço em termos de despolitização. O maior exemplo disso foi a reação dos estrategistas da campanha de Dilma Rousseff aos ataques dos tucanos, das igrejas e da grande mídia, que a acusaram de ser a favor do aborto. A candidata, sob orientação os marqueteiros, virou uma beata de carteirinha, sendo mostrada em cerimônias religiosas fazendo o sinal da cruz e dando declarações “a favor da vida”, falando em Deus, fé e etc. Além de deixar Dilma refém do adversário, essa tática ofende a inteligência do eleitor e transmite a idéia de que o povo é burro (“alienado”?) e não sabe discernir seus interesses. Não deixa de ser uma outra maneira, talvez mais sutil, de desqualificar o voto dos pobres, como analisou a Maria Rita Kehl naquele famoso artigo no Estadão que lhe custou o emprego.
Gonzalo Sánchez de Lozada

James Carville
Mas talvez o exemplo mais trágico de marquetagem desligada da realidade na América Latina tenha sido a campanha presidencial de 2002 do boliviano Gonzalo Sánchez de Lozada, o “Goni”. Ela foi conduzida por marqueteiros que ganharam fama nas campanhas de Bill Clinton: James Carville (autor do slogan: “é a economia, estúpido!”), Stan Greenberg e Bob Shrum. A campanha foi tão sofisticada que conseguiu vender como solução para um povo miserável um candidato das oligarquias que, como ministro e presidente, tinha se caracterizado pela adoção de políticas abertamente neoliberais – boas para os empresários e para o capital externo, mas desastrosas para os pobres. “Goni” era tão americanófilo que falava o castelhano com sotaque (tinha morado muito tempo nos EUA). Sua política era tão oligárquica que pouco mais de ano depois da posse ele foi apeado do poder por uma revolta popular. Há um filme sensacional (Our brand is crisis) sobre esses eventos postado abaixo e que mostra a arrogância dos marqueteiros americanos em relação ao povo boliviano, tratado como laboratório para suas teses mercadológicas. Postei a primeira e a última parte do filme.
 
Our brand is crisis (2005) – 1ª parte
http://www.youtube.com/watch?v=F_Cv-Ftowaw&feature=related


Our brand is crisis – 11ª parte


E este vídeo mostra a crise final do governo de Sánchez de Lozada
http://www.youtube.com/watch?v=aDtTBEcPjwc

 

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

AS PAIXÕES E OS INTERESSES

Prestes ao ser preso em 1936
 A capacidade de colocar interesses coletivos, sejam de partidos ou de instituições, acima dos interesses pessoais, é uma qualidade rara em políticos contemporâneos. Mas nós temos alguns exemplos históricos: um deles é o de Luís Carlos Prestes. Ele comandou a lendária Coluna Prestes, tropa que percorreu 24 mil quilômetros pelo interior do Brasil lutando contra a oligarquia sem jamais ter sido derrotada pelas forças federais, embora tenha se internado na Bolívia em 1927.

Olga Benário Prestes

Convertido ao marxismo, Prestes, de origem militar e positivista, virou líder do Partido Comunista do Brasil e tentou liderar uma insurreição vermelha em 1935 a partir de quartéis e com o apoio da III Internacional de Moscou. A repressão foi violentíssima e ele acabaria preso um ano depois junto com a mulher, a alemã Olga Benário, agente da inteligência militar soviética. Judia e comunista, ela foi deportada para a Alemanha por determinação do Supremo Tribunal Federal, que atendeu ao pedido de extradição feito pelo governo nazista. Olga estava grávida e morreria em 1942 no campo de concentração de Ravensbrück, depois de dar à luz uma menina, Anita Leocádia Prestes.  E a "Intentona Comunista", como a direita chamava a insurreição, abriria caminho para a instalação do Estado Novo, em 1937.

Tropas da FEB fazem o desfile da vitória
Com a participação das tropas brasileiras na luta contra o nazi-fascismo na Itália e a derrota do III Reich, os ventos da democracia começaram a soprar no Brasil. Saltava à vista a contradição de enviar soldados para lutar contra ditaduras na Europa e permanecer vivendo sob um regime autocrático aqui. Esperto, Vargas promoveu a redemocratização: anistiou presos políticos – inclusive Prestes, que ficou preso durante nove anos -, legalizou partidos políticos, acabou com a censura e marcou eleições presidenciais para 2 de dezembro de 1945. Neste ponto, as forças oligárquicas que tinham sido apeadas do poder pela Revolução de 1930 e retornaram à cena política com o Manifesto dos Mineiros de 1942, começaram a se rearticular em torno da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN. Embora apoiasse formalmente a candidatura do marechal Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra, nos bastidores Vargas incentivava o movimento “queremista”, (“queremos Getúlio”), que pedia a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte antes das eleições, o que permitiria ao presidente concorrer novamente ao cargo. Prestes e o PCB apoiaram o movimento varguista, porque a manutenção de seu governo estava de acordo com sua linha política, baseada no anti-imperialismo e na aliança com as forças progressistas nacionais. Além disso, o apoio dos comunistas a Getúlio expressava também a diretriz do Kremlin de formação de uma "frente popular" nos países que lutaram contra o Eixo.

Prestes (à dir.) em comício de apoio a Vargas
Surfando na onda de popularidade, o presidente baixou, em julho de 1945, uma lei antitruste – conhecida como “lei malaia” – limitando a atividade do capital estrangeiro no país. A situação se tornou mais clara a partir de agosto, quando a manobra continuísta se evidenciou com a evolução do queremismo para a palavra de ordem “Constituinte com Getúlio”. Isso inquietou a oposição udenista, pois a Constituinte antes das eleições presidenciais significaria a preservação do poder nas mãos de Vargas. Nesse momento, quando as forças as forças getulistas e seus aliados estavam no máximo de sua capacidade de ação, desencadeia-se o golpe de Estado. Um grande comício pró-getulista, marcado para o dia 27, fora proibido pelo chefe de polícia do Distrito Federal, João Alberto. Getúlio reagiu, substituindo-o pelo seu irmão, Benjamin Vargas. Foi a gota d'água: coordenador pelo poderoso general Góis Monteiro, os militares afastaram o velho caudilho do poder em 29 de outubro de 1945.

Hermínio Sacchetta
Prestes era um burocrata a serviço de Moscou, como me disse uma vez em tom de blague o grande intelectual comunista Hermínio Sacchetta. Mas ele próprio reconhecia que, apesar disso, o “Cavaleiro da Esperança” era “um valoroso combatente”. Imagine-se o represamento de emoções a que ele teve que se submeter para subir no mesmo palanque de seu algoz e algoz de sua mulher. No entanto, visto à distância, esse gesto mostrou a fibra de um líder político gestado nas grandes lutas populares. Isso sem entrarmos no mérito de saber se o apoio dos comunistas à continuidade de Getúlio Vargas era politicamente correto naquele momento. Eu, modestamente, acho que era.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

UM POUCO DE RACIONALIDADE, ENFIM?

A Califórnia poderá ser o primeiro Estado americano a legalizar o uso e o cultivo da maconha para fins “pessoais e recreativos”. Uma iniciativa popular conhecida como Proposição 19, que prevê a regulamentação e o controle da cannabis sativa, vai a plebiscito naquele Estado americano no mesmo dia das eleições gerais do país, 2 de novembro. Para muitos especialistas, trata-se do início do que seria “uma política racional e responsável sobre o consumo de drogas”.

O uso médico da maconha é legalizado na Califórnia (desde 1996) e em outros 13 Estados americanos, que reconhecem as propriedades terapêuticas da droga. Por outro lado, cerca de 1,7 milhão de pessoas foram presas em todo o país em 2008 por acusações relacionadas às drogas; mais de 50% por porte ilegal de maconha. Para Allen Pierre, diretor da Organização Nacional para a Reforma das Leis da Marijuana (NORML nas iniciais em inglês), “é uma questão de liberdades civis. Sou da opinião de que, numa sociedade democrática, devemos ter a opção de poder usar a maconha de maneira responsável”. Para ele, a proibição da maconha, que já dura 74 anos nos Estados Unidos, “foi um fracasso total”. “Pode-se comprar maconha em qualquer lugar do país, a qualquer hora do dia, apesar de todos os problemas que traz a proibição do governo”, diz Pierre.

A Lei Seca ajudou a Cosa Nostra a virar crime organizado 
De fato, poderíamos acrescentar, a proibição da fabricação e distribuição de drogas, além de não obter resultados concretos, sempre alimentou o tráfico. Veja-se a “Lei Seca” americana (conhecida como Prohibition, ou 18ª Emenda Constitucional dos EUA), que vigorou entre 1919 e 1933 e, longe de ter sido uma Noble Experient (nobre experiência, como era chamada pelos seus defensores), foi um lamentável equívoco. Nunca se bebeu tanto e tão mal; a louca demanda por bebidas transformou a Cosa Nostra de um bando de malfeitores em poderosos chefões do crime organizado. “As conseqüências da criminalização da maconha têm sido enormes: milhares de estudantes perderam seus financiamentos para entrar na universidade pelo simples porte de marijuana; pais ficaram sem a custódia dos filhos e trabalhadores perderam sua liberdade e suas casas”, diz Allen Pierre.

Paramilitares colombianos criados pelo narcotráfico
 Se a Califórnia aprovar a liberação, estará se alinhando a países como Holanda, Portugal e Espanha, onde predomina uma visão mais progressista da questão, dando um gigantesco passo à frente para que o problema das drogas deixe de ser encarado de maneira hipócrita e moralista. O exemplo talvez possa ser seguido por outros Estados americanos. Afinal, o governo dos EUA não consegue conter o consumo no país e busca quebrar a cadeia produtiva da droga, que está na América Latina. A maior prova de que essa política não funciona é a Colômbia, que produz 80% da cocaína consumida nos EUA. Há 30 anos Washington vem investindo os tubos em programas repressivos, mas a produção e o tráfico só fazem crescer desde então. É claro: com um mercado consumidor deste porte, sempre vai valer a pena comercializar a droga, não importam os riscos que se corram. Isso só alimenta os cartéis de narcotraficantes e o crime organizado.

Por outro lado, se as drogas fossem legalizadas, teríamos, claro, um problema de saúde pública – mas, afinal, o tabaco e o álcool também são legalizados e ninguém pensa em proibi-los. O fim da proibição acabaria com a insana guerra que infesta as ruas das grandes metrópoles latino-americanas no México, Colômbia, Brasil e até nos EUA. Certamente haveria um boom inicial de consumo, mas uma campanha de conscientização, num par de anos, faria com que o eventual consumidor se sentisse tão incomodado como um fumante se sente nos dias de hoje. E os custos com programas de saúde pública seriam bem menores do que o que se gasta atualmente com a repressão, sem resultado algum. (Não é à toa que liberais de velha cepa, como o finado economista Milton Friedman e a revista britânica The Economist, sempre apoiaram a liberação das drogas).

Em tempo: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – junto com um grupo de ex-presidentes latino-americanos – vem defendendo a liberação da maconha. Bandeira que o Gabeira, aliás, sempre levantou – mas agora, com a Marina, sabe-se lá... É um gesto corajoso, diga-se; talvez uma autocrítica, pois em seu governo, FHC se alinhou à política repressiva dos EUA. Agora, imaginem o estardalhaço que se faria se fosse o Lula a apoiar a liberação. De qualquer forma, o Serra - agora tão próximo da TFP, dos evangélicos e do CCC - não deve ficar nada confortável com essa postura de FHC.

http://www.youtube.com/watch?v=6rMloiFmSbw