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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O QUE ROUSSEAU E POMBAL TÊM A NOS ENSINAR


Voltaire contra o fatalismo religioso e o conformismo filosófico
 No dia 1º de novembro de 1755, Lisboa foi destruída por um violento terremoto de 9 graus na Escola Richter, seguido por um tsunami e vários incêndios. Cerca de 60 mil pessoas morreram. O terremoto ocorreu no Dia de Todos os Santos e muitas pessoas estavam nas igrejas quando a terra começou a tremer. Por causa disso, a Igreja Católica disseminou a ideia de que, se tal tragédia acontecera, fora porque os lisboetas a mereciam; eles estavam, portanto, pagando pelos seus “pecados”. Contra esse fatalismo reacionário se insurgiu o grande Voltaire, que escreveu um libelo intitulado Poema sobre o Desastre de Lisboa ou exame do axioma “Tudo está bem”. Na verdade, o filósofo iluminista usava o pretexto do terremoto para fustigar tanto seu colega Leibnitz, cujo otimismo filosófico sustentava que a natureza era um Todo harmonioso criado por Deus e que por isso estávamos no melhor dos mundos, quanto a Igreja, para a qual o mal tinha origem não na Providência divina – que era bondosa e perfeita –, mas no homem que, com o pecado original, fizera um mau uso de seu livre-arbítrio e se desviara de Deus. Voltaire diz que o homem, ser racional e sensível, não poderia se calar nem diante do absurdo da “falha” da organização do universo nem da crueldade do Deus cristão. Todo esse horror “é o feito das leis eternas que um Deus livre e bom necessita escolher?” Quanto ao argumento da tragédia como punição pelos pecados, Voltaire pergunta: e as crianças? Que pecado elas cometeram? E por que Lisboa e não Paris ou Londres, certamente tão “devassas” quanto? 
Jean-Jacques Rousseau: o homem é responsável

As diatribes de Voltaire tiveram uma resposta à altura em Jean-Jacques Rousseau, outro expoente do Iluminismo. Em sua Carta sobre a Providência, ele diz que os fenômenos naturais, como os terremotos, maremotos e vulcões, fazem parte da regularidade da natureza, embora o homem muitas vezes não consiga explicá-los nem identificar suas causas. Se para Voltaire Deus não se importa muito com o que acontece na Terra com suas criaturas, nem é tão bondoso ou poderoso para evitar tragédias, para Rousseau a Providência divina organizou o Todo da melhor maneira possível. Ela age por leis gerais e não influencia o cotidiano dos homens a cada momento. O filósofo genebrino critica tanto Voltaire, por culpar os céus pelas desgraças do mundo, quanto os devotos, que acham que a Providência se imiscui o tempo todo nos assuntos mundanos.

Mais importante, para Rousseau o mal não provém da natureza, ele nasce da ação humana – aqui ele retoma uma concepção de fundo cristão (agostiniana), mas a laiciza: o mal é perpetrado não por uma desrregulagem das leis naturais, mas pelos conflitos de interesses na vida em comunidade. No caso específico do terremoto de Lisboa, Rousseau diz que a tragédia se agravou por culpa das pessoas que se amontoaram em casas de seis andares, dos gananciosos que tentaram salvar seus bens e principalmente dos “senhores da cidade, os únicos homens que levamos em conta”.

Eu ainda sou mais simpático a Voltaire e à sua crítica ao universo panglossiano de Leibnitz – a “absurdidade” do mundo seria adotada depois pelos filósofos existencialistas, particularmente por Albert Camus –, mas a carta de Rousseau sobre o terremoto abre a possibilidade para uma abordagem moderna do problema, porque coloca as a questão da responsabilidade humana em situação de desastres naturais.

Na catástrofe provocada pelas enchentes no Rio e São Paulo, ouvimos algumas autoridades culparem as chuvas "muito intensas". É uma tragédia anunciada que se repete ano a ano. Como se a natureza fosse culpada pela ocupação desordenada das encostas, pela ausência de políticas públicas e pelo descaso com obras de saneamento e desassoreamento de rios. Como ensinou Rousseau, é o “abuso que fazemos da vida que a torna penosa”. Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal – para quem era necessário “enterrar os mortos e cuidar dos vivos” –, compreendeu isso muito bem no século XVIII e reconstruiu Lisboa de maneira a evitar catástrofes semelhantes no futuro.

Um comentário:

  1. Parabéns, franc-tireur.
    Por enquanto os mortos ( mais de 700) a serem enterrados são uma minoria. Descobri no site do IBGE que Petrópolis tem 300 mil almas e Teresópolis, outras 160 mil. É muita gente pendurada nos morros. Depois que Pedro e Teresa Cristina cruzaram a reserva do Tinguá e foram ao cume da serra, a especulação imobiliária cresceu um absurdo. A reconstrução, ora a reconstrução. Um abraço, do Jorge Machado.

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