Voltaire contra o fatalismo religioso e o conformismo filosófico |
Jean-Jacques Rousseau: o homem é responsável |
As diatribes de Voltaire tiveram uma resposta à altura em Jean-Jacques Rousseau, outro expoente do Iluminismo. Em sua Carta sobre a Providência, ele diz que os fenômenos naturais, como os terremotos, maremotos e vulcões, fazem parte da regularidade da natureza, embora o homem muitas vezes não consiga explicá-los nem identificar suas causas. Se para Voltaire Deus não se importa muito com o que acontece na Terra com suas criaturas, nem é tão bondoso ou poderoso para evitar tragédias, para Rousseau a Providência divina organizou o Todo da melhor maneira possível. Ela age por leis gerais e não influencia o cotidiano dos homens a cada momento. O filósofo genebrino critica tanto Voltaire, por culpar os céus pelas desgraças do mundo, quanto os devotos, que acham que a Providência se imiscui o tempo todo nos assuntos mundanos.
Mais importante, para Rousseau o mal não provém da natureza, ele nasce da ação humana – aqui ele retoma uma concepção de fundo cristão (agostiniana), mas a laiciza: o mal é perpetrado não por uma desrregulagem das leis naturais, mas pelos conflitos de interesses na vida em comunidade. No caso específico do terremoto de Lisboa, Rousseau diz que a tragédia se agravou por culpa das pessoas que se amontoaram em casas de seis andares, dos gananciosos que tentaram salvar seus bens e principalmente dos “senhores da cidade, os únicos homens que levamos em conta”.
Eu ainda sou mais simpático a Voltaire e à sua crítica ao universo panglossiano de Leibnitz – a “absurdidade” do mundo seria adotada depois pelos filósofos existencialistas, particularmente por Albert Camus –, mas a carta de Rousseau sobre o terremoto abre a possibilidade para uma abordagem moderna do problema, porque coloca as a questão da responsabilidade humana em situação de desastres naturais.
Na catástrofe provocada pelas enchentes no Rio e São Paulo, ouvimos algumas autoridades culparem as chuvas "muito intensas". É uma tragédia anunciada que se repete ano a ano. Como se a natureza fosse culpada pela ocupação desordenada das encostas, pela ausência de políticas públicas e pelo descaso com obras de saneamento e desassoreamento de rios. Como ensinou Rousseau, é o “abuso que fazemos da vida que a torna penosa”. Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal – para quem era necessário “enterrar os mortos e cuidar dos vivos” –, compreendeu isso muito bem no século XVIII e reconstruiu Lisboa de maneira a evitar catástrofes semelhantes no futuro.
Parabéns, franc-tireur.
ResponderExcluirPor enquanto os mortos ( mais de 700) a serem enterrados são uma minoria. Descobri no site do IBGE que Petrópolis tem 300 mil almas e Teresópolis, outras 160 mil. É muita gente pendurada nos morros. Depois que Pedro e Teresa Cristina cruzaram a reserva do Tinguá e foram ao cume da serra, a especulação imobiliária cresceu um absurdo. A reconstrução, ora a reconstrução. Um abraço, do Jorge Machado.