Jano – ou Janus em latim – era o deus da mitologia romana de duas cabeças (passado e futuro) que abria as portas do ano; daí a referência ao primeiro mês do ano como janeiro. Como tinha duas cabeças, Jano era também o deus das indecisões – passado e futuro eram como paralelas que jamais se encontravam. Nossas Forças Armadas hoje em dia são a expressão moderna de Jano: de um lado, vivem da emulação do passado ditatorial, do qual se recusam a fazer autocrítica. Preferem associar a imagem do establishment militar a torcionários e assassinos, conspucando a memória dos pracinhas da FEB, do que reconhecer o erro. A outra cabeça olha o futuro: as missões de paz da ONU, como a do Haiti – o que criou a possibilidade concreta de os militares atuarem no apoio ao combate ao crime organizado nas metrópoles, a construção de uma moderna e eficaz rede de vigilância e proteção das fronteiras a oeste, principalmente a Amazônica – o Sisfron – e o reaparelhamento das forças para a defesa das riquezas litorâneas como o pré-sal.
E o nosso ministro da Defesa, Nelson Jobim, expressa como ninguém essa dicotomia – talvez por isso seja tão respeitado pelos militares. Um Jobim do passado, aquele que defende que a Comissão de Verdade a ser criada pelo governo apure também os “crimes” cometidos pelos militantes de esquerda na luta contra a ditadura. Como se eles já não tivessem sido julgados, condenados e, frequentemente, assassinados. Como se o combate à tirania não fosse um direito, o direito à resistência, tese consagrada no Ocidente desde Tomás de Aquino. Alguém em sã consciência diria que os maquis franceses e os partisans italianos eram iguais aos nazi-fascistas?
Mas há outro Jobim, do futuro, aquele que elaborou a Estratégia Nacional de Defesa, redefiniu o papel das Forças Armadas e garantiu as condições de transferência de tecnologia para recriar a indústria bélica nacional. Um Jobim que também garantiu a unificação efetiva – operacional e financeira – das forças singulares no Ministério da Defesa e se opôs a que o Brasil assinasse o protocolo adicional do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), como os EUA queriam.
Na Roma antiga, o templo de Jano abria suas portas durante períodos de guerra e as fechava durante períodos de paz. Reza a lenda que, durante todo o Império Romano, as portas do templo foram fechadas apenas duas vezes: durante o reinado de Numa Pompílio (séc. XVIIIaC.) e sob o imperador Augusto (século I). É hora de fecharmos as portas do passado – o que significa que temos que prestar contas com ele, inclusive para não repeti-lo – para poder mirar o futuro. Afinal, “a tradição de todas as gerações mortas oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo”, já dizia Karl Marx.
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