Imaginar cenários deveria ser atividade permitida somente a fazedores e amantes da sétima arte, mas ninguém que tenha interesse em política, nacional ou internacional, se furta a fazê-lo. Assim, ousarei traçar alguns cenários sobre a evolução da crise política no Egito - com o risco de ser desmentido amanhã, mas sempre existe a desculpa de que a matéria prima dos jornalistas é feita do imponderável...
Cenário iraniano - Um regime aliado dos EUA é deposto por um movimento de massas liderado por uma vanguarda islâmica fundamentalista, como ocorreu no Irã em 1979. Seria um processo revolucionário; neste caso, o Exército, comprometido até a raiz dos cabelos com o antigo regime, acabaria por ser dissolvido e inteiramente reestruturado. Este cenário é altamente improvável; embora exista uma organização fundamentalista islâmica antiga e influente no Egito, a Irmandade Muçulmana, não há um clero organizado como os aiatolás - os egípcios são sunitas -, nem uma liderança religiosa incontestável como Khomeini.
Aiatolá Khomeini |
Cenário argelino - Esse é mais factível. Se, na esteira da derrubada de Hosni Mubarak e do estabelecimento de um regime democrático, os fundamentalistas ganharem as eleições, as Forças Armadas podem dar um golpe alegando o perigo de o país se transformar numa teocracia, como aconteceu na Argélia em 1992. Lá, depois de 30 anos de regime de partido único, a FLN promoveu eleições multipartidárias, vencidas pela Frente Islâmica de Salvação (FIS). O Exército anulou as eleições e assumiu o poder com Bouteflika; os fundamentalistas reagiram com o terrorismo e o país mergulhou numa sangrenta guerra civil, com mais de 100 mil mortos. Um golpe nessas circunstâncias poderia inclusive ser visto pelos países ocidentais como um "mal menor", como foi na Argélia.
Presidente Bouteflika |
Presidente Ben Ali |
Iuri Andropov |
Nicolae Ceaucescu |
Tudo são hipóteses, contudo. O que acontecerá realmente no Egito nenhum analista pode prever. Lembro-me que nos anos 1970 e 1980 desenvolveu-se, principalmente entre os americanos, uma categoria de especialistas em política soviética - os chamados "kremlinólogos". Quase todos eram brilhantes e conheciam profundamente a realidade soviética. Nenhum deles previu a implosão do bloco soviético em 1989 e da URSS em 1991.
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