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O presidente Truman assina a criação da Otan em 1949 |
Fundada em 1949 como uma das cunhas da política americana de contenção da União Soviética na Europa - a outra era o Plano Marshall - a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental) passou 40 anos de existência sem precisar disparar um tiro. Sua contraface soviética, o Pacto de Varsóvia, ao contrário, mobilizou suas tropas em pelo menos duas ocasiões, não para enfrentar uma investida ianque, mas para manter o alinhamento de seus satélites à órbita de Moscou: na Hungria, em 1956 e na Tchecoslováquia em 1968. A razão da existência da Otan desvaneceu-se entre 1989, quando o Muro de Berlim veio abaixo, e mais ainda em 1991, quando a sólida fortaleza soviética desmanchou-se no ar. O fim do "perigo comunista" mergulhou a organização numa profunda crise de identidade da qual ela só sairia com a eclosão da guerra civil na ex-Iugoslávia, particularmente na Bósnia e na província do Kosovo. Incapaz de dar fim a uma carnificina em seu quintal que se arrastava por quatro anos, a Europa não teve outra alternativa senão apelar aos americanos, que acionaram a Otan. Com seu batismo de fogo, a organização recobrou a força. Revigorada, a Otan se expandiu tripudiando sobre seu finado adversário, o Pacto de Varsóvia: ex-integrantes do bloco soviético, como Polônia, Hungria e República Tcheca, passaram a integrar a Aliança Atlântica - o que naturalmente deixou o urso russo de orelhas em pé.
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Bombardeio da Otan sobre Belgrado, 1999 |
Os americanos perceberam então que os europeus tinham pouca ou nenhuma disposição de arcar com o ônus de sua própria segurança. Acostumados por longo tempo à proteção do guarda-chuva nuclear de Washington, os europeus resistiam e resistem a aumentar seus gastos com a defesa, ao contrário dos americanos. Não foi à toa que propostas de criar uma força de defesa europeia independente deram com os burros n'água. O teórico
neocon Robert Kagan disse que os europeus, depois de terem ensaguentado o continente por séculos e promovido a maior catástrofe do século XX - as duas guerras mundiais - foram "salvos" nas duas vezes pelos americanos e agora tinham abdicado de sua própria segurança, deixando-a comodamente, à cargo de Washington. "Os EUA são de Marte; a Europa é de Vênus", ironizou Kagan; de acordo com sua análise perspicaz, os europeus podiam se dar ao luxo de viver segundo a "paz perpétua" kantiana enquanto que os EUA tinham que se haver com os problemas de segurança de um mundo hobbesiano (onde o homem continua sendo o lobo do homem).
Quando veio o 11 de setembro, os americanos direcionaram a Otan para o Afeganistão, não apenas para derrotar o Taleban mas também para promover missões de contra-insurreição e reconstrução do país. O objetivo era envolver os europeus na "guerra contra o terror". Foram bem sucedidos num primeiro momento, mas o posterior fiasco da operação deixou os americanos isolados e agora Washington busca meios de sair do atoleiro asiático (outra vez...). O Afeganistão, contudo, foi um desvio de curso, porque, em última instância, a estratégia da aliança sempre se voltava contra a Rússia. Isso ficou claro quando W. Bush propôs um escudo antimíssil a ser instalado na República Tcheca e na Polônia, sob a escusa de defender a Europa do Irã - mas a reação de Moscou deixou claro contra quem na realidade o escudo se dirigia.
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Barack Obama na cúpula da Otan em Lisboa |
Agora, o presidente Barack Obama estende a mão à Rússia e propõe "integrá-la" na Otan por meio de um novo sistema de defesa antimíssil - e novamente o pretexto é o Irã. Os russos estão desconfiados, mas toparam conversar. De qualquer forma, mesmo que o regime dos aitolás tenha condições de produzir armas nucleares, vai demorar muito tempo ainda para que o Irã tenha condições mínimas de operás-las, quanto mais representar algum tipo de ameaça ao Ocidente. O que faz pensar que a Otan esteja de fato reavaliando seu papel estratégico e forjando uma nova identidade 20 anos depois do colapso do bloco soviético. E um adversário à altura da aliança atlântica não seria um país com meia dúzia de bombas atômicas - se algum dia Teerã vier a tê-las - mas quem realmente hoje tem força econômica e militar para desafiar os EUA: a China comunista.
Definitivamente, o imperialismo não é um tigre de papel.
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