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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A NECESSIDADE DE UMA "PARANOIA CONSTRUTIVA" NA DEFESA

Klemens von Metternich
Num artigo recente, o jornalista americano Andrés Oppenheimer, referindo-se à sensação de otimismo do Brasil em função de sua pujança econômica atual e da recente projeção internacional, disse que faltava aos brasileiros uma boa dosagem de “paranoia construtiva”. Ele dizia que um comportamento excessivamente otimista e complacente da nossa parte contrasta com a atitude de outros países emergentes, como a China e a Índia, que estão extremamente preocupados pelo fato de não estarem se expandindo tão rapidamente quanto outros países em matéria educação, ciência e setores da tecnologia.

Confesso compartilhar um pouco dessa preocupação, mas numa área não mencionada por Oppenheimer, a diplomacia. Apesar de termos tido, nos últimos oito anos, uma política externa absolutamente assertiva e ousada, eu acredito que o Itamaraty ainda se deixa levar por platitudes idealistas, como a crença na possibilidade de que uma ordem mundial, baseada em certo grau de justiça e na igualdade, possa estar em vias de ser estabelecida por organismo multilaterais como ONU e OMC. Ora, sabemos que a ordem internacional sempre foi tudo, menos igualitária. Desde a Paz de Westfália, de 1648, que pôs fim à Guerra dos Trinta Anos e inaugurou o moderno sistema internacional, estão em vigor o conceito de soberania dos Estados-nações e o princípio de raison d’etat. Em conseqüência, o “equilíbrio do poder” entre os Estados – que opõe interesses concretos, não ideais moralistas – é a única forma de balancear o poder imperialista e minimizar os conflitos entre as nações. Nem mesmo a globalização conseguiu alterar essa realidade. O que conta em política internacional, portanto, é a famosa Realpolitik, a postura realista baseada na diplomacia do príncipe austríaco Klemens von Metternich. Me lembro do reação do chanceler Celso Amorim quando eu lhe fiz uma pergunta invocando esse conceito: “Realpolitik? No século XXI?”, espantou-se.

Mas para poder participar desse concerto das nações, é necessário algum tipo de poder dissuasório. E aqui me valho novamente de outro germânico com fama de reacionário: o chanceler prussiano Otto von Bismarck, que dizia que “a diplomacia sem armas é como a música sem os instrumentos”. Mesmo nestes tempos de hegemonia americana pós-guerra fria, apenas países com poder de dissuasão têm condições de defender seus interesses. O Iraque foi invadido não porque tivesse armas de destruição de massa, mas justamente porque não as tinha. Quem duvida deve responder porque então um país muito mais agressivo como a Coréia do Norte não se sente militarmente ameaçado. Outro exemplo: nos anos 1980, a simples pressão diplomática de Washington fazia o Japão voltar atrás na decisão de desvalorizar sua moeda. Se a China hoje pode resistir a pressões semelhantes não é apenas porque os EUA estão economicamente mais débeis, mas principalmente porque Pequim está sentado sobre um arsenal de cerca de 200 ogivas nucleares.
Infográfico publicado pela revista Época

Ao manifestar apoio à pretensão da Índia de ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, os EUA levaram em conta o poderio militar daquele país. De fato, os indianos têm uma das Forças Armadas mais poderosas dos países emergentes, contando inclusive com dissuasão nuclear. Os EUA vêem a Índia como um contraponto militar à China no Sul da Ásia. Já o Brasil, em vias de se tornar a 5ª economia mundial, tem uma diplomacia ativa, mas ainda está longe de ter uma força militar correspondente a esse protagonismo. Por isso ainda não é levado inteiramente a sério na cena internacional. Pode enviar soldados e até comandar Forças de Paz da ONU, como no Haiti, mas falar grosso em outras searas ainda é visto como "petulância" pelas grandes potências –postura, aliás, macaqueada aqui pela velha mídia e pelas “elites” – melhor dizendo, oligarquias mal-pensantes.

Thomas Hobbes 


Felizmente, o atual governo pôs em curso uma Política de Nacional de Defesa que redefiniu o papel das Forças Armadas, submeteu-as de fato ao poder civil e reverteu sua obsolescência via recriação da indústria bélica nacional por meio de transferência de tecnologia. A compra dos caças para a FAB – por mais enrolada que esteja – e, principalmente, a retomada do projeto do submarino nuclear foram passos decisivos nessa direção. Como assinala uma reportagem da revista Época assinada por Roberto Lopes e Maria Helena Passos, "se a Amazônia subiu ao topo das prioridades para as três forças, a proteção a riquezas emergentes no Atlântico tende a mudar radicalmente o perfil modorrento que a Defesa assumiu em décadas recentes. Daí a preocupação do almirante Moura Neto, também, com a vigilância das águas, cuja exploração econômica é reconhecida como de direito do Brasil. São 4,4 milhões de quilômetros quadrados, ou metade do território brasileiro". No que é chamado de "Amazônia Azul" pelos militares, continua a reportagem, figuram "as jazidas submarinas que, entre os litorais do Espírito Santo e de São Paulo, prometem transformar o Brasil em exportador de petróleo. E, também, as rotas dos que atacam as tripulações de barcos mercantes, dos contrabandistas de armas e dos traficantes de tóxicos, sob vigilância dramaticamente precária"

Si vis pacem para bellum (se queres a paz, prepara-te para a guerra), diziam os romanos. Por isso, em política externa, pelo menos, Thomas Hobbes tem mais coisas a nos dizer do que Immanuel Kant.

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