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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O PANTEÃO DO SÉCULO XX

No século passado, antes que a política se tornasse um espetáculo de massas e fosse devidamente esterilizada, tivemos grandes estadistas, homens que reafirmavam aquilo a que a vulgata do marxismo sempre torceu o nariz: o papel do indivíduo na História. Reconstrutores de nações, como Mustafá Kemal Atatürk, Josip Broz Tito e Konrad Adenauer; líderes de seus países no maior conflito bélico de todos os tempos, como Franklin Roosevelt, Winston Churchill e Charles De Gaulle; generais brilhantes como Georgij Zukov, Erwin Rommel e Bernard Montgomery; pacifistas como Mahatma Gandhi e Martin Luther King; visionários como Che Guevara e Nelson Mandela. Entre eles, na minha modesta opinião, três foram os maiores:

Winston Churchill (1874-1965) - Soldado, escritor e jornalista, tornou-se a expressão do espírito expansionista e arrogante do imperialismo britânico. Isso lhe valeu alguns reveses. Na Primeira Guerra Mundial, como Primeiro Lorde do Almirantado - equivalente a ministro da Marinha -, foi o principal responsável pelo desastre militar dos ingleses frente aos turcos em Gallipoli, em 1915. Ele também articulou o envio de tropas para combater o regime bolchevique na URSS - outra iniciativa fracassada. Mas nos anos 1930, como líder oposicionista, foi a voz solitária contra a barbárie nazista e as tentativas de apaziguá-la. Em 1940, pouco depois da eclosão da II Guerra, tornou-se primeiro-ministro. Foi a sua "finest hour": naquele momento, quando muitos pressionavam por um acordo com Hitler, Churchill foi o responsável por manter a Grã-Bretanha, praticamente sozinha, enfrentando as hordas do III Reich. Quando a Alemanha invadiu a Rússia, o velho anticomunista aliou-se a Stálin. "Se Hitler invadir o inferno, vamos nos aliar ao diabo", disse. Ganhou a guerra, mas perdeu as eleições de 1945. Depois, tornou-se ideólogo da Guerra Fria e fiador da dependência britânica dos EUA. Mas sua firmeza durante o período mais tenebroso do século lhe garantiu o lugar na História.

Charles De Gaulle (1890-1970) - De família católica e conservadora - o que, na França, significa reacionário -, formou-se em Saint Cyr e participou da I Guerra Mundial. Teorizou sobre o papel dos tanques numa época em que o Estado-Maior estava preso à concepções defensivas. Era um mero general-de-brigada quando as tropas alemãs invadiram a França e Pétain, seu antigo comandante e heroi nacional, assinou um armistício com os nazistas. Como um Quixote, De Gaulle voou para Londres para criar e liderar a Resistência Francesa. Como Churchill, foi um visionário. Voltou a Paris em 1944 vitorioso e chefiou o governo da libertação, mas renunciou em 1946 desencantado com a "partidocracia". Voltou ao poder em 1958, por pressão do Exército, que queria manter o domínio francês na Argélia. De Gaulle refundou a República, moldando-a à sua imagem e semelhança. Mas percebeu que a França não venceria os guerrilheiros argelinos, como não vencera os vietnamitas . As negociações levaram à independência da Argélia e lhe granjearam o ódio eterno dos generais que um dia o adularam. De Gaulle também reforçou a autoestima da França, afastando-a da influência americana, mas foi incapaz de perceber os ventos de mudança de 1968. Sua idéia de grandeza não correspondia mais à realidade do país. Mas sem ele, a França teria sido uma mera caudatária de Tio Sam e da direita ultramontana.

Nelson Mandela (1918) - Este simplesmente foi o maior de todos. Líder do braço armado do Congresso Nacional Africano (CNA), que lutava contra o apartheid na África do Sul, Mandela amargou 27 anos na prisão. Apesar de apostar na luta armada, percebeu que só poderia vencer o regime através de negociações. Elas começaram secretamente em 1985, ainda na prisão, e envolveram até Pieter Botha, o odiado presidente sul-africano. Ao ser libertado em 1990, Mandela era a grande esperança da maioria negra do país. Mas ele se tornou muito mais do que isso. Poderia usar o ressentimento dos negros contra o apartheid para mergulhar o país numa guerra civil e conquistar o poder absoluto, como o aiatolá Khomeini no Irã ou Robert Mugabe no Zimbábue. Mas Mandela arriscou toda sua reputação para implantar um regime multirracial; conquistou ou neutralizou os radicais do CNA, do Congresso Pan-Africanista, do Inkhata e até da extrema-direita branca. Eleito presidente em 1994, governou em coalizão com Frederik de Klerk e o Partido Nacional, arquiteto do apartheid. Criou uma nova nação, convencendo negros e brancos a enterrar o passado racista. E em vez de perpetuar-se no poder, retirou-se depois de apenas um mandato, reconhecido por todos como o pai da Nação sul-africana. Se o humanismo puder ser personificado, ele o será na figura de Nelson Mandela.

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