"Dostoiévski escreveu: 'Se Deus não existisse, tudo seria permitido'. Aí se situa o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, fica o homem, por conseguinte, abandonado, já que não encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue. Antes de mais nada, não há desculpas para ele. Se, com efeito, a existência precede a essência, não será nunca possível referir uma explicação a uma natureza humana dada e imutável; por outras palavras, não há determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Se, por outro lado, Deus não existe, não encontramos diante de nós valores ou imposições que nos legitimem o comportamento. Assim, não temos atrás de nós, nem diante de nós, no domínio luminoso dos valores, justificações ou desculpas. Estamos sós e sem desculpas. É o que traduzirei dizendo que o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado no mundo, é responsável por tudo quanto fizer. [...]
No fundo, quando Descartes dizia: 'Vencermo-nos antes a nós do que ao mundo', queria significar a mesma coisa: agir sem esperança. [...] contarei sempre com os companheiros de luta na medida em que esses companheiros estão empenhados comigo numa luta concreta e comum, na unidade de um partido ou de um grupo que eu posso controlar mais ou menos, quer dizer, ao qual pertenço como militante do qual conheço em cada instante os movimentos. Mas, então, confiar na unidade e na vontade desse partido é exatamente o mesmo que confiar que o bonde chega à hora ou que o trem não descarrila. Mas eu não posso contar com homens que não conheço, apoiando-me na bondade humana e no interesse do homem pelo bem da sociedade, sendo aceite que o homem é livre e que não há nenhuma natureza humana em que eu possa me basear. [...] Na realidade, as coisas serão tais como os homens tiver decidido que elas sejam. Quer dizer isso que eu deva abandonar-me ao quietismo? Não. Antes de mais, devo ligar-me por um compromisso e agir depois segundo a velha fórmula 'para se atuar dispensa-se a esperança'. Não quer isto dizer que eu não deva pertencer a um partido, mas que não terei ilusões e que farei o que puder."
Jean-Paul Sartre, O Existencialismo é um Humanismo
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