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Guerrilheiros do Araguaia presos pelo Exército |
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), decidiu que o Brasil descumpriu por duas vezes a Convenção Americana de Direitos Humanos: a primeira, por não haver processado e julgado os autores do crime de assassinato de cerca de 60 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970; a segunda, por ter o STF interpretado a Lei de Anistia de 1979 como o esquecimento de crimes de tortura e assassinatos de presos políticos sob custódia do Estado. O ministro Cezar Peluso, presidente do STF, disse que a decisão da Corte não obriga o Supremo a rever o veredicto. Mas se o Estado brasileiro assinou a convenção, está obrigado a cumpri-la. Como disse Maria Inês Nassif, "o aparelho policial e militar foi altamente prejudicado pela presença de agentes que se acostumaram a viver à sombra e acima da lei. Quando se fala em abuso policial e do poder das milícias nas favelas do Rio, por exemplo, ninguém se lembra que a origem dessa autonomia policial diante das leis e perante o resto da sociedade remonta ao período em que o aparelho de repressão tinha licença para sequestrar, matar e torturar sem se obrigar sequer a um registro policial. E que a manutenção da tortura como instrumento de investigação policial existe, atinge barbaramente os setores mais vulneráveis da população e continua não sendo punido. A anistia a agentes do Estado tem se estendido, sem parcimônia, até os dias de hoje".
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Líderes do PCdoB assassinados na Lapa em 1976 |
Um dia depois da decisão da Corte, completaram-se 34 de um episódio pouco conhecido da história recente do Brasil, a chamada “Chacina da Lapa”, quando agentes do DOI-Codi invadiram uma casa localizada na Rua Pio XI, na Lapa (São Paulo), e assassinaram dois dirigentes do PCdoB – o partido que dirigiu a Guerrilha do Araguaia –, Pedro Pomar e Ângelo Arroyo. Horas antes, outro dirigente, João Batista Drummond, que tinha sido preso, foi morto sob tortura no DOI-Codi do II Exército. A ditadura divulgou a versão mentirosa de que Pedro e Ângelo morreram em combate e de que Drummond fora atropelado durante uma tentativa de fuga. Esse foi o último massacre de militantes de organizações da esquerda armada que combatiam a ditadura. Detalhe: o extermínio atingiu não apenas a extrema esquerda como também o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o partidão, que defendia a via pacífica e teve parte de sua direção assassinada no início da era Geisel, o general da "abertura lenta, gradual e segura".
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Geisel defendia a tortura como "mal menor" |
Esse episódio desmente alguns intérpretes da história recente, para os quais a repressão e a tortura tiveram fim depois que o general-presidente Ernesto Geisel demitiu o comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, em consequência dos assassinatos de Vladimir Herzog (outubro de 1975) e Manuel Fiel Filho (janeiro de 1976). O substituto de Ednardo, general Dilermando Gomes Monteiro, era considerado “aberturista”, isto é, adepto do projeto de distensão de Geisel contra o qual se opunha a linha-dura do regime. Mas o fato é que a “Chacina da Lapa” mostrou que, se Geisel retomou o princípio de hierarquia militar, abalado pela anarquia instalada pelo porão, manteve os métodos repressivos. Não é à toa que Geisel foi o único dos presidentes da ditadura a, posteriormente, admitir a tortura como um “mal menor”.
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