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domingo, 12 de dezembro de 2010

IMPERTINÊNCIAS...

"Não conheço mentira mais abjeta do que a expressão que se ensina às crianças: 'mente sã em corpo são'. Quem disse que a mente sã é um ideal desejável? 'Sã' quer dizer, neste caso, boba, convencional, sem imaginação e sem malícia, ordenada pelos estereótipos da moral estabelecida e da religião oficial. Mente 'sã', isso: Mente conformista, de beata, de tabelião, de funcionário de companhia de seguro, de coroinha, de virgem e de escoteiro. Isso não é saúde, é tara. Uma vida mental rica e própria exige curiosidade, malícia, fantasia e desejos insatisfeitos, ou seja, uma mente 'suja', floração, imagens proibidas, apetites que induzam a explorar o desconhecido, desacatos sistemáticos às ideias herdadas, aos conhecimentos enxovalhados e aos valores em voga.

Bem, tampouco é verdade que a prática dos esportes em nossa época crie mentes sãs no sentido banal do termo. Ocorre o contrário, e você sabe melhor do que ninguém, você que, para ganhar os cem metros rasos do domingo, jogaria arsênico e cianureto na sopa do seu contendor e engoliria todos os estupefacientes vegetais, químicos ou mágicos que lhe garantisse a vitória, e corromperia os árbitros ou os chantagearia, tramaria conspirações médicas ou legais que desqualificassem os seus adversários, e que vive neurotizado com a ideia fixa da vitória, do recorde, da medalha, do pódio, algo que fez de você, esportista profissional, uma besta midiática, um antissocial, um nervoso, um histérico, um psicopata, no polo oposto daquele ser sociável, generoso, altruísta, 'são', a quem deseja se referir o imbecil que ainda se atreve a empregar a expressão "espírito esportivo" no sentido de nobre atleta cheio de virtudes cívicas, quando quem se esconde por atrás dela é um assassino potencial disposto a exterminar árbitros, queimar todos os torcedolres do outro time, devastar os estádios e as cidades que os hospedam e provocar o final apocalíptico, nem sequer com o elevado propósito artístico que presidiu ao incêndio de Roma pelo poeta Nero, mas para que seu clube carregue uma copa de prata falsa ou para ver seus onze ídolos trepados num pódio, flamejantes de ridículo dentro de seus calções e camisetas listradas, com as mãos no peito e os olhos inflamados cantando um hino nacional!"
Mario Vargas Llosa, Os cadernos de don Rigoberto  

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