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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

A REVOLTA E O MITO DO HEROI




"Miserável aquele país que não tem herois. Miserável aquele país que precisa de herois” (Bertold Brecht)


Carlos Marighella recebeu o título de “cidadão paulistano” da Câmara Municipal de São Paulo 40 anos depois de ter sido emboscado e assassinado pela equipe do chefe do DOPS e torturador-mór Sérgio Paranhos Fleury. Antes chamado de “terrorista” e “facínora” – como foram, em seu tempo, Zumbi dos Palmares, Tiradentes e Frei Caneca –, o líder guerrilheiro agora virou heroi do povo – uma honraria que na certa o deixaria incomodado. Como disse Antônio Cândido, a figura de Marighella desprendeu-se das posições que adotou durante a militância, deixando de representar a liderança deste ou daquele grupo para tornar-se “um brasileiro que transcendeu as contingências”. Por isso mesmo seria lamentável transformá-lo num mito bolchevique, como tentam fazer alguns de seus epígonos e não poucas viúvas da Revolução.
A mitologização não apenas fossiliza o personagem histórico como também encobre o ser humano de carne e osso. Mitos criam homens de aço infalíveis, como convém a stalinistas e papistas. O conto Sobre o tema do traidor e do heroi, em Ficções, de Jorge Luís Borges, revela de maneira atroz a fragilidade dessa construção. Já Umberto Eco diz que o verdadeiro heroi é aquele que surge do acaso, o cidadão pacato que tem medo e que nunca quis ser heroi, mas foi impelido a agir pelas circunstâncias, como na Resistência Francesa. Talvez daí o sentido ambíguo da frase de Brecht.
Homenagear Marighella, que tombou lutando contra a ditadura, é resgatar o espírito de revolta (no sentido que lhe atribui Camus), lembrando o líder que remou contra a corrente enquanto outros se acovardavam e a maioria se deleitava com os frutos do “milagre econômico”. Mas fetichizar sua opção pela luta armada e pelo “socialismo real” é torná-lo menor, esvaziando o sentido transcendental de seu combate.

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