Os países da zona do Euro chegaram a um acordo com os credores privados da Grécia para cortar a dívida helênica em 50%. Em outras palavras, trata-se de um meio calote, depois de dois anos de relutância – o que fez a crise se espalhar pelos demais países da Europa. Por ter feito a mesma coisa em 2003 a Argentina foi crucificada pelo “mercado”, pelas agências de risco e, principalmente, pela mídia conservadora global. Virou o "patinho feio" da globalização. A diferença é que a Argentina deu o calote em 75% de sua dívida, enquanto que a Grécia “renegociará” 50% – mas já há dúvidas de que essa medida seja suficiente.
Livre do peso de uma dívida que subia em progressão geométrica, a Argentina voltou a crescer e, como o Brasil, pegou carona na alta dos preços das commodities, como carnes, trigo, soja etc. O país vizinho cresceu em média a taxas de 7%; a economia cresceu 65% de 2002 até o estouro da crise financeira mundial em 2008; a previsão de crescimento para 2011 foi elevada para 8,2%. Ao mesmo tempo, houve uma política de forte distribuição de renda – talvez até maior do que a ocorreu no Brasil no mesmo período. “Certamente o exemplo da Argentina sugere que o calote é uma grande idéia”, disse Paul Krugman. Ainda mais por que antes de a Argentina renegociar sua dívida de US$ 100 bilhões, em 2003, essa ideia parecia impensável.
Até porque, nos (hoje sabemos) tenebrosos anos Menem, a Argentina era um exemplo incensado de política econômica liberal, com câmbio fixo, privatizações e desendustrialização aceleradas. Aí veio a crise e, mesmo depois de um pacote de ajuda internacional atrás do outro, a dívida argentina só fez crescer. O sistema de câmbio fixo do país levou à deflação de uma economia cada vez menos competitiva. Começaram a pipocar os protestos sociais (soa familiar?). Por fim, a crise levou à tentativa desesperada de interromper a evasão de depósitos e poupança (o “corralito”, que congelou os depósitos), que derrubou o governo Fernando de la Rua. Em um mês, a Argentina teve cinco presidentes; a crise só começou a amainar depois que Néstor Kirchner resolveu dar o calote.
Mesmo tendo se recuperado, a Argentina continua com a reputação “suja” no mercado financeiro. Não tinha convencido e nem convencerá o mundo de que sua receita heterodoxa é uma alternativa viável para se administrar um país em crise, em que pese o fato de o modelo vem funcionando há mais tempo e muito melhor do que muitos julgavam possível. Como o país continua alijado dos mercados internacionais, ele produz superávits, tanto comercial quanto fiscal. Manter a taxa de câmbio competitiva é vital para essa estratégia, uma vez que ajuda a gerar um superávit no balanço de pagamentos ao mesmo tempo em que estimula exportadores.
Esta não é, contudo, uma opção que possa ser feita pelos helênicos enquanto eles permanecerem na zona do euro. Sem mexer no câmbio, a Grécia não poderá ser competitiva e estará condenada a fazer um trabalho de Sísifo – o personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma grande pedra até o cume de uma montanha – e repetir o trabalho eternamente, pois ela voltava a rolar montanha abaixo. Será o novo patinho feio, mas nem por isso a Argentina virará cisne.
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