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Stéphane Hessel, da Resistência ao nazismo à resistência ao neoliberalismo |
Um ancião de 93 anos encarna o que a Europa tem de mais generoso e promissor nestes tempos sombrios de crise econômica, exclusão social e xenofobia. O embaixador Stéphane Frédéric Hessel, ex-membro da Resistência Francesa e um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, é o inspirador do movimento de contestação “15M”, que desde o dia 15 de maio – daí o nome – acampa na Puerta Del Sol, em Madri para protestar contra a selvageria excludente do capitalismo neoliberal e o esgotamento do sistema de representação política. Os jovens contestadores dizem se inspirar no opúsculo Indignez-vous!, publicado inicialmente em outubro do ano passado numa edição de 6 mil cópias e que já vendeu 1,5 milhão na França e foi traduzido para o espanhol, português, basco e italiano. O panfleto argumenta que a França deveria novamente se indignar, como a Resistência fez na época de Vichy – o governo colaboracionista do marechal Pétain – só que, agora, contra o crescimento da desigualdade, o tratamento xenófobo dispensado aos imigrantes ilegais, o cerceamento da liberdade de informação pelos conglomerados da mídia e o isolamento dos palestinos pelo lobby israelense. Hessel apela à desobediência civil e à insurreição não-violenta.
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Jovens espanhois se manifestam em Madri |
Os manifestantes de Madri foram convocados pelo movimento suprapartidário Democracia Real Já, que não admitem que a crise econômica seja enfrentada novamente com o sacrifício dos trabalhadores, enquanto as corporações multinacionais dominadas pelo grande capital financeiro sejam beneficiadas pelos governos, sejam eles de esquerda, como na Espanha, ou de direita, como na França e no Reino Unido. Esse movimento, que já se espalhou por outras cidades espanholas e européias, guarda um interessante parentesco com as manifestações pró-democracia que irromperam neste ano nos países árabes dominados por ditaduras e monarquias corruptas. “Madri não é Tahrir, mas o vírus é o mesmo: o fastio de uma juventude sem esperança – diante de um mercado minguante que se ‘moderniza’ cortando direitos sociais e empregos – com o único horizonte de contratos imundos, de longa duração. Prevalece a voz oficial, a dos outros, a da linguagem burocratizada, a das entrevistas coletivas sem perguntas, a dos intocáveis”, diz o jornalista Ramón Lobo no El Pais.
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O "15M, movimento intrapartidário: embrião da nova esquerda? |
E o grande elemento da mobilização em Madri estão sendo as redes sociais da internet. Na Espanha, isso já aconteceu em 2004, quando mensagens enviadas por celular torpedearam uma tentativa do então premiê José Maria Aznar de manipular atentados terroristas da Al Qaeda para tentar ganhar a eleição. Meses atrás, esse “ciberativismo” convocou uma mobilização contra a “Lei Sinde”, que restringe o dowload de músicas, vídeos e criações culturais na internet, a pretexto de defender a propriedade intelectual. Além do Democracia Já, o movimento Juventude Sem Futuro agrupa associações universitárias que lutam contra as reformas trabalhistas e previdenciárias e a mercantilização do ensino. Na Espanha, o desemprego entre os jovens atinge a escandalosa cifra de 40%. A par disso, o acesso às universidades torna-se cada vez mais um funil, preocupado em formar uma elite para trabalhar nas grandes empresas.
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O panfleto inspirador |
Para esses jovens, os grandes partidos – socialistas ou conservadores – representam apenas e unicamente os interesses do capital financeiro e das multinacionais. “Somos uma iniciativa cidadã para defender todo mundo: desempregados, jovens, precários etc. Queremos que as pessoas esqueçam suas divergências ideológicas e se aproximem desse fórum comum à margem de partidos e de sindicatos.” diz Enrique Dans, um dos líderes do molvimento. “Uma de nossas razões de existir é a saturação que havia nos canais tradicionais de participação política que representam partidos políticos e grandes sindicatos”.
Felizmente, o velho irredentismo voltou a rondar a Europa...
Acredito que tenha amarrado muito bem as ideias. de Hessel a "15M". Parabéns!
ResponderExcluirVejo no movimento espanhol um levante onde os jovens tenham conseguido "des-racionalizar o instrumento" de participação política cidadã, ou seja, negaram a burocrática representação dos meios de comunicação; empresas; partidos e grandes sindicatos, por exemplo, para recompor uma nova Ágora em Madrid. Isso é democracia.
Gostaria de parabenizar também pela estrutura (que não é estruturada, estática e sim líquida) da sua narrativa sobre os acontecimentos. É interessante sua técnica (téchne), que em alguns momentos me lembra uma estética de jornalismo literário.