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quarta-feira, 25 de maio de 2011

O PACTO DE CLASSES, DE VARGAS A LULA

Trechos da brilhante análise do meu amigo Gilberto Maringoni, historiador e cartunista, sobre o novo “pacto de classes” estabelecido pelo governo Lula. O texto integral foi publicado no site Carta Maior.

texto completo em
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5055


“Ao longo de oitos anos, o PT completou uma hábil movimentação para ganhar a confiança do topo do empresariado operante no Brasil. Embora as mudanças programáticas nessa direção já fossem perceptíveis desde a década anterior, a consolidação dessas diretrizes aconteceu com a ação concreta da administração pública.


Começando seu primeiro mandato com um duro ajuste fiscal e com a reforma da Previdência, o Presidente Lula exibiu na prática o programa de governo que desejava tocar dali em diante. Entretanto, ao contrário do que muitos vocalizaram à ocasião, o governo petista não era uma mera continuidade de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

A gestão Cardoso representou no Brasil a aplicação a ferro e fogo das diretrizes do Estado Mínimo, com uma agressiva política de privatizações, de liberalização da movimentação de capitais e do desinvestimento na expansão de atividades próprias do Estado, como os serviços públicos, as forças armadas e a diplomacia. Nesses anos, o salário mínimo, como consequência, chegou a um de seus mais baixos patamares históricos, de 70 dólares mensais.

A partir de 1999, após a quebra do real, houve uma quase institucionalização da política monetária de corte ultraliberal, com a sacramentação do Banco Central independente e do tripé metas de inflação, juros altos e câmbio flutuante. Nada disso foi mudado na gestão do ex-metalúrgico.

Qual o giro operado por Lula? Primeiro foi o de ganhar a confiança dos chamados mercados, através da manutenção da ortodoxia monetária, especialmente ao longo de seu primeiro mandato (2003-2007). Depois foi mostrar ao grande capital que o desenvolvimento do país estava centrado em pelo menos duas bases: expansão do mercado interno e busca de novos mercados os países em desenvolvimento. Nessas duas vertentes, o dirigente petista teve amplo sucesso.

Celso Amorim formulou e comandou a diplomacia de Lula

A diplomacia brasileira conseguiu atrair novos parceiros, após anos seguidos de déficits em nossa balança comercial ou de resultados medíocres (déficit de US$ 697 milhões em 2000, alcançando um pico de US$ 46 bilhões em 2006), resultantes de anos de sobreapreciação cambial (www.portalbrasil.net/economia_balancacomercial.htm )

Na fronteira interna, a estabilidade monetária, após as turbulências de 1999-2002, possibilitou uma acelerado crescimento do crédito tanto às empresas quanto às pessoas físicas. Esta última modalidade resultou em inédita expansão da indústria de bens de consumo duráveis, em especial da automobilística. Os números do Banco Central são eloqüentes: de pouco menos de 20% em julho de 2004, o total de crédito ofertado na economia chegou a 45,7% do PIB em junho de 2010. Os empréstimos do BNDES, com juros subsidiados (TJLP) de 6% ao ano, saltaram de R$ 35,1 bilhões em 2003, para R$ 140 bilhões em 2010.

Aliado a políticas de valorização do salário mínimo – que teve seu valor majorado em 70% em termos reais ao longo dos dois governos lulistas -, à expansão da seguridade social e a políticas focadas de transferência de renda, o mercado interno sustentou expressivos índices de crescimento e melhoria na distribuição de renda entre os assalariados. Apesar disso, a distribuição funcional da renda – entre capital e trabalho – manteve-se quase inalterada. A participação dos salários na renda nacional, que conheceu um pico de 50% no final da década de 1950 chegou a 35,2% em 1995 e caiu constantemente até o piso de 30,8% em 2004, conhecendo uma lenta recuperação, alcançando 34% em 2010, segundo dados do IPEA.

Henrique Meirelles presidiu o BC nos 8 anos de Lula  


No entanto, a grande política de transferência de renda continuou sendo representada pelas altas taxas de juros, que nunca baixaram de um patamar real de 6% ao ano (isto é, descontada a inflação). Em 2011, a elevação da taxa selic para 12% resultará em uma transferência de cerca de R$ 235 bilhões dos cofres públicos para os detentores de títulos da dívida, o que equivale a pouco mais de 40% do orçamento público federal. Em uma frase, se os pobres ganharam no governo Lula, é certo que os ricos ganharam muito mais.

Essa combinação – juros elevados, expansão creditícia, salário mínimo e políticas focadas – literalmente “bombou” o crescimento econômico brasileiro, sem alterar profundamente a estrutura de classes no país. Lula concretizou uma espécie “capitalismo popular” que gerou folga nas contas públicas para alavancar políticas anticíclicas eficazes durante a crise internacional de 2008-9.

Com medidas de teor keynesiano – pesados investimentos em infraestrutura, elevação do poder de compra aos que têm propensão a gastar – aliadas à manutenção de altas taxas de juros e subsídios ao setor privado, o Estado brasileiro logrou impedir que a oferta de crédito no mercado interno fosse interrompida durante o período mais agudo da crise. Não apenas não houve penalização a nenhum setor do capital, como este recebeu subsídios importantes para não ser capturado pela maré montante das incertezas. Não houve aqui também uma penalização dos trabalhadores. Os níveis reais de salário e de emprego se mantiveram, com poucas oscilações.

Frisa-se aqui o que está subjacente a estas linhas: todas as iniciativas de Lula em momento algum o colocaram em rota de colisão com as forças de mercado. Ao contrário.

O governo Dilma tem se mostrado mais realista que o próprio governo Lula em sua adesão aos mercados como eles são. Trata-se de um passo à frente, que consolida diretrizes anteriores e que, tudo indica, repactua as relações entre as classes sociais no Brasil. Trata-se de algo estrutural, como não se via no país desde o primeiro governo Vargas (1930-45).

Getúlio Vargas conduziu uma revolução burguesa sem a burguesia 

Getúlio Vargas conseguiu empreender um grande acordo, mudando as relações de produção e as relações sociais, modernizando o parque produtivo, utilizando a política fiscal para investimentos em infraestrutura que davam suporte à industrialização e concedendo leis trabalhistas ao crescente operariado urbano. Logrou fazer isso sem tocar na propriedade da terra e conformando sob suas bases dois partidos aparentemente antagônicos, o PSD (representante dos grandes latifundiários e industriais e o PTB, vocalizando os anseios dos trabalhadores). Elemento fundamental para a concretização desse pacto, que duraria até 1964, foi a dura repressão à esquerda comunista. Assim, o pacto getulista teve duas vias, a política e a econômica, que se materializou em novas relações entre as classes sociais.

É bem possível que estejamos assistindo a uma nova pactuação desse tipo em nosso país. O governo não é apenas petista (agremiação que representa as massas assalariadas em sua essência), mas também do PMDB (amálgama partidário a agrupar diversas facções do capital). As bases foram cimentadas por Lula, especialmente durante a crise de poucos anos atrás e conhecem sua arte final na gestão de Dilma Rousseff. Suas bases – repetimos - são altas taxas de juros a remunerar o capital (além de subsídios de várias ordens) e aumentos do salário mínimo e políticas sociais focadas para os trabalhadores.


Uma diferença salta à vista. Enquanto Getulio integrou os trabalhadores ao modelo desenvolvimentista através da concessão de direitos trabalhistas, Lula realiza movimentação semelhante através de aumentos salariais, expansão do crédito e iniciativas focadas, que aumentam o poder de compra dos pobres. Em síntese, a integração atual se faz via mercado."
Gilberto Maringoni, Um novo pacto de classes?

Um comentário:

  1. Bem consistente esse panorama, inclusive ele completo, embora entre em algumas pontuações (necessárias) economicistas das quais eu entendo pouco.

    Para mim esse re-engendramento dos partidos, acoplando-se a "hegemonia" (um termo abrangente) do PT nos revela a crise que os sujeitos e as instituições passam desde algum tempo na intitulada algumas vezes pós-modernidade, termo este utilizado por um breve momento, de acordo com a linha do tempo da historia.

    Ainda: se o radical político do capitalismo - seja ele popular, de estado, neo-liberal, ultra-liberal - é o fascismo (onde no "clímax" do Estado Novo foi notório, revestido de integracionismo) o seu radical psíquico no mundo atual é a esquizofrênia (para inter-disciplinarizar a discussão). Essas re-combinações partidárias em direção a uma unidimensionalidade (onde agrada agora gregos e troianos) faz parte, ao meu ver e embasado em alguns conceitos, de um movimento esquizo, onde a outrora cena política se transforma em um jogo político, um grande "game" delirante que o sistema dissemina.

    Abraços.

    Partindo desse mesmo panorama do seu amigo, gostaria de ver uma leitura sua sobre o PMDB, caso seja conveniente. Obrigado.

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