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terça-feira, 10 de maio de 2011

ENTRE O PASSADO E O FUTURO

A gerontocracia cubana
O VI Congresso do Partido Comunista de Cuba acaba de aprovar uma “atualização” de seu modelo econômico, que era calcado no da extinta União Soviética. Essas reformas prevêem, entre outras coisas, redução em cerca de 20% dos cargos no funcionalismo público – numa economia totalmente estatizada – abertura para o setor privado de dezenas de pequenas empresas, descentralização da agricultura e redução de subsídios. Abertura econômica com manutenção do regime de partido único. Soa familiar? Modelo chinês, muitos dirão. Sim, mas a gênese dele nasceu há exatos 90 anos, num dos períodos mais críticos do regime instaurado pela Revolução Bolchevique de 1917.

Vítimas da fome na Rússia em 1921
 Em 1921, a Rússia soviética estava exaurida. Depois da grande guerra e da revolução, teve que enfrentar, durante três anos, a guerra civil dos exércitos brancos contra-revolucionários e a intervenção armada de 14 países capitalistas. Quase do nada, Leon Trotsky construiu e disciplinou o Exército Vermelho que, a duras penas, venceu a guerra. Isso foi possível porque, no plano econômico, vigorou o chamado “comunismo de guerra”, regime que colocou a economia a serviço do conflito. Bancos, fábricas e terras foram estatizadas, cereais foram confiscados, o dinheiro e o comércio abolidos e o trabalho se tornou compulsório. O outro lado da moeda é que esse regime provocou uma catástrofe social: os centros urbanos ficaram sem alimentos, levando a população a fugir para o campo. As populações de Petrogrado e Moscou foram reduzidas à metade e a fome matou milhões de russos.

Marinheiros da base de Kronstadt
Em março de 1921, os marinheiros de Kronstadt, base naval localizada no Golfo da Finlândia, se rebelaram contra o monopólio do poder pelos bolcheviques. Eles eram soldados ardentemente revolucionários, que tiveram importância fundamental na Revolução de Outubro e na luta contra os brancos. Com o fim da guerra civil, exigiam eleições diretas para os sovietes, liberdade de expressão para partidos de esquerda, libertação dos presos políticos e fim dos comissários do partido. Enfim, denunciavam a ditadura do partido bolchevique e exigiam uma “democracia proletária direta”. Trotsky e o general Tukhachevsky – depois fuzilado nos expurgos de Stálin – esmagaram a rebelião a ferro e fogo, não sem antes caracterizá-la como “contra-revolucionária”, a soldo dos generais czaristas e das potências ocidentais. A prática de difamar adversários do campo da esquerda se tornaria marca registrada do stalinismo. E a ironia é que, no dia seguinte à derrota de Kronstadt, os bolcheviques comemoravam o 50º aniversário da Comuna de Paris, com Lênin fazendo as vezes de Thiers...  

Cartaz da NEP, que reintroduziu o capitalismo
Começou então o X Congresso do Partido Comunista russo. Depois de terem eliminado as demais organizações de esquerda (mencheviques, socialistas revolucionários e anarquistas), tornando-se o único partido legalizado no país, os bolcheviques proibiram a existência de facções dentro do próprio partido, estendendo a ditadura sobre si próprios. Ao mesmo tempo, aboliu-se o “comunismo de guerra” e criou-se a NEP (Nova Política Econômica), que restabelecia as práticas capitalistas vigentes antes da revolução. Os camponeses deveriam vender parte da produção ao Estado, mas adquiram o direito de lançar o restante no mercado. Pequenos empreendimentos capitalistas no comércio e na indústria foram autorizados e os estímulos materiais foram reintroduzidos nas fábricas, acabando com o igualitarismo.

Nascia uma economia em que conviviam medidas socialistas –estatização das empresas, minas, transportes e bancos – com capitalistas (estímulo ao pequeno e médio produtor rural e ao pequeno empresário urbano), além da economia tradicional (economia de subsistência empregada pelos camponeses pobres). Para Lênin, a NEP era “uma mistura de czarismo com práticas capitalistas sob um verniz soviético”.


Esse modelo foi abandonado por Josef Stálin em 1928, quando, depois de ter eliminado a “oposição de esquerda” (liderada por Trotsky), adotou-lhe o programa econômico, acabando com a NEP e coletivizando a agricultura na marra. Desencadeou-se a guerra civil no campo contra os “kulaks” (camponeses ricos). Foi outro episódio sangrento, que custou milhões de vidas. A partir daí a URSS consolidou um modelo estatal-planificado que garantiu a industrialização do país e criou condições para a vitória contra o nazi-fascismo em 1945. Depois, esse sistema entrou em entropia e implodiu em 1989. Mas essa é outra história.
 
Deng Xiaoping
O modelo híbrido abandonado pela URSS nos anos 1930 foi resgatado e aperfeiçoado pelos dirigentes chineses pós-maoístas, liderados por Deng Xiaoping. Hoje o Partido Comunista Chinês combina a economia de mercado com a ditadura de partido único. E baseia a legitimidade de seu poder na constante expansão da economia de base capitalista, mas com a inclusão de grandes massas ao mercado de consumo. Resta saber se a gerontocracia cubana, no poder há 60 anos, será tão habilidosa quanto a liderança chinesa, que inclusive se renova a cada década, para manter o poder do regime.  

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