Análise acuradíssima do pathos e do ethos da sociedade hiperconsumista, também chamada "pós-moderna", feita pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman:
[...]
Essa violência foi cometida, permitam-me acrescentar, em meio ao silêncio ensurdecedor de pessoas que particularmente se consideravam criaturas éticas e decentes, mas que não viam razão para que as vítimas da violência, que há muito tempo já não eram consideradas membros da família humana, devessem ser alvos de sua empatia e compaixão moral.
Zygmunt Bauman, Vida para Consumo - A Transformação das pessoas em mercadoria
"Os pobres são agora, e pela primeira vez na história registrada, pura e simplesmente um aborrecimento e uma amolação. Não possuem nenhum mérito capaz de aliviar seus vícios, e muito menos de redimi-los. Nada têm a oferecer em troca das despesas dos contribuintes. Dinheiro transferido para eles é mau investimento, que dificilmente será recompensado, muito menos trará lucros.
[...]
Os pobres da sociedade de consumidores são inúteis. Membros decentes e normais da sociedade - consumidores autênticos - nada desejam nem esperam deles. Ninguém (e, o que é mais importante, ninguém que de fato importe, que fale e seja ouvido) precisa deles. Para eles, tolerância zero. A sociedade ficaria melhor se os pobres queimassem seus barracos e se permitissem queimar com eles - ou apenas sumissem. Sem eles o mundo seria muito mais afetuoso e agradável de viver. Os pobres são desnecessários, e portanto indesejáveis.
Desnecessários, indesejados, desamparados - onde é o lugar deles? A resposta mais curta é: fora de nossas vistas. Primeiro, precisam ser removidos das ruas e de outros lugares públicos usados por nós, legítimos residentes do admirável mundo consumista. Se por acaso são recém-chegados e não tiverem vistos de residência em ordem, podem ser deportados para além das fronteiras e assim excluídos fisicamente do domínio das obrigações devidas aos portadores de direitos humanos.
[...] Os pobres são retratados como desleixados, pecaminosos e destituídos de padrões morais. A mídia colabora de bom grado com a polícia ao apresentar, a um público ávido por sensações, retratos chocantes de 'elementos criminosos', infestados pelo crime, pelas drogas e pela promiscuidade sexual, que buscam abrigo na escuridão de lugares proibidos e ruas perigosas. Os pobres fornecem os 'suspeitos de sempre' a serem recolhidos [...]
Excluídos da comunidade humana, excluídos dos pensamentos públicos. Sabemos o que pode vir em seguida quando isso acontece. Há uma forte tentação de se livrar de vez de um fenômeno rebaixado à categoria de incômodo absoluto, não compensado, nem mesmo aliviado, por qualquer consideração ética que se possa ter para com um Outro prejudicado, ofendido e sofredor; de eliminar um borrão na paisagem, apagar um ponto sujo na tela agradavelmente pura de um mundo ordenado e de uma sociedade normal.
Campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau |
Alan Finkielkraut nos relembra o que pode ocorrer quando as considerações éticas são silenciadas, a empatia se extingue e as barreiras morais se desvanecem: 'A violência nazista era cometida não porque se gostasse dela, mas pelo dever, não por sadismo, mas por virtude, não com prazer, mas com método, não por uma liberação de impulsos selvagens e um abandono dos escrúpulos, mas em nome de valores superiores, com competência profissional e tendo constantemente em vista a tarefa a ser realizada'.
Zygmunt Bauman, Vida para Consumo - A Transformação das pessoas em mercadoria
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