Levantamento do Ministério da Defesa revelado pela Folha de S. Paulo de domingo mostra que metade do equipamento militar das Forças Armadas do Brasil está sem condições de uso. Segundo a reportagem de Igor Gielow e Fernando Rodrigues, apenas 1.079 dos 1.953 blindados e 37 dos 79 helicópteros do Exército têm condições operacionais, enquanto que a Força Aérea hoje só consegue operar 85 de seus 208 caças e a Marinha tem 132 de seus 318 principais equipamentos parados. Além disso, há uma concentração absurda de contingente das Forças Armadas na região Sudeste e Sul do país: 48% da força terrestre – contra 13% na Amazônia; 71% da Armada no Rio de Janeiro (12,5% na Amazônia) e 60% da Força Aérea no sul-sudeste (27% na Amazônia e região Nordeste). Esse quadro mostra tanto o processo de sucateamento das Forças Armadas nas últimas décadas quanto o anacronismo da doutrina militar brasileira – concentrar tropas no sul-sudeste é do tempo em que a Argentina e os comunistas – os chamados “inimigos internos” da Doutrina de Segurança Nacional – representavam as grandes ameaças ao Brasil.
O sucateamento ocorreu em parte pela desmoralização dos militares durante a ditadura (1964-1985) e em parte pela ausência de vontade política para adaptá-los aos novos tempos pós-guerra fria. Em vez disso, os governos pós-ditadura mantiveram intacta a tutela militar e os privilégios corporativos dos fardados, evitando "irritá-los" com questões sobre a violação dos direitos humanos, mas também se esquivando de pensar em integrá-los à sociedade democrática. Houve, é verdade, a instauração do processo de indenização às vítimas do regime militar no segundo mandato do governo FHC. Mas as Forças Armadas continuavam a ser vistas como uma espécie Espada de Dâmocles na cabeça da cidadania.
Sword of Damocles, 1812, Richard Westall (1765-1812), |
Militar brasileiro integrante da Minustah, Força de Paz da ONU no Haiti |
Pracinhas da FEB na Itália contra o nazismo |
Tortura: quando os militares se igualaram à meganha |
Um documento dos comandos militares que vazou para a imprensa na semana passada revelou que os chefes das três Forças questionam a simples existência da Comissão da Verdade, criada pelo governo para apurar as circunstâncias das violações de direitos humanos – torturas e assassinatos – de presos políticos sob a custódia do Estado durante a ditadura militar. A finalidade dessa Comissão é apenas histórica e ela não questiona a Lei da Anistia – que, na interpretação dos militares e do STF, anistiou também os responsáveis pelas arbitrariedades do Estado. Mesmo assim, os comandantes consideram que a Comissão da Verdade é “revanchista”. “Foi em represália a esse projeto que o patrono designado para a turma de aspirantes de 2010, no Exército, foi o general Médici, patrono do período ditatorial em que se deram os piores e mais numerosos crimes da repressão militar”, escreveu o jornalista Janio de Freitas, também na Folha. Foi também em represália a esse projeto de esclarecimento dos crimes da ditadura que o general José Elito de Carvalho Siqueira, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, teve o desplante de dizer que os militares não tinham do que se arrepender pela existência de "desaparecidos" políticos. Suas desculpas posteriores não mudam a questão.
É preciso enterrar a herança do general Góes Monteiro |
Já passou da hora de enquadrar os militares às instituições democráticas e republicanas. É preciso ensinar a disciplina de direitos humanos nas escolas militares e enterrar de vez os devaneios salvacionistas vindos dos "bivaques dos granadeiros", junto com as "vivandeiras", na expressão gongórica de Castello Branco. E punir os crimes da ditadura, se quisermos ser um país civilizado. O general Góes Monteiro, artífice da transformação da instituição militar em força política nacional, dizia que era preciso acabar com a "política no Exército", típica do período tenentista, para impor ao país a "política do Exército". Já chega! Hoje é necessário impor, de fato, a política do Estado Democrático de Direito sobre as Forças Armadas para que elas exerçam seus novos papéis. Não será possível modernizá-las se elas não forem enquadradas. Se a guerra é um assunto sério demais para ser deixado a cargo dos militares, imaginem a política, mesmo a política militar...
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