O coronel Gaddafi estuda a Terceira Via de Anthony Giddens (à dir.) |
Reportagem publicada hoje na Folha de S. Paulo revela que a consultoria americana Monitor Group, sediada em Cambridge, Massachusetts, foi paga durante mais de quatro anos pelo governo da Líbia para polir a imagem do regime de Muammar Gaddafi perante o mundo a fim de atrair investidores. Acadêmicos de prestígio, como o americano Joseph Nye, de Harvard, e Anthony Giddens, da London School os Economics, foram despachados para reuniões com Gaddafi e próceres do regime para aconselhá-los. O Monitor Group ajudou inclusive Saif al Islam, filho do ditador, a produzir sua tese de doutorado na London School of Economics - trabalho que, conforme revelado esta semana, está cheio de plágios. A consultoria foi feita entre 2006 e 2010, depois que Gaddafi - antes tratado como pária por financiar grupos terroristas e colocado no mesmo patamar de demônios como Saddam Hussein - resolveu cooperar com o Ocidente e virou amigo de infância dos políticos de Washington e Londres. Afinal, a Líbia têm petróleo e gás natural e ninguém é de ferro...
Não é a primeira vez que instituições acadêmicas tidas como respeitáveis e sérias são apanhadas com a boca na botija receendo remuneração para defender interesses, digamos, nada acadêmicos. O documentário Trabalho Interno, premiado com o Oscar, mostra como acadêmicos de Harvard, Columbia, entre outras prestigiadas universidades americanas, eram pagos por Wall Street para escrever teses em defesa da desregulamentação do mercado financeiro, situação que levou o mundo à crise e recessão de 2008 - um rombo que até agora custou 30 milhões de empregos em todo o mundo.
Anthony Giddens |
Mas o que chama mais atenção nesse caso é a participação de intelectuais tidos como "de esquerda" no trabalho vender Gaddafi aos investidores. É preciso admitir, contudo, que eles foram coerentes com suas ideias liberticidas. Nye é o formulador da tese do uso do soft power - uso da capacidade de persuasão ao invés da força militar - na política internacional. Já o sociólogo Anthony Giddens, ex-guru de Tony Blair, é o teórico oficial dessa farsa grotesca chamada "Terceira Via", a justificativa ideológica da adoção, por governos de "esquerda", das políticas neoliberais da direita. "De acordo com Giddens, a Terceira Via procurava 'ir além dos direitistas que dizem que o governo é o inimigo e dos esquerdistas que dizem que o governo é a resposta'. Essa caricatura grotesca de todas as discussões anteriores sobre o papel do Estado tinha mais ou menos o mesmo rigor intelectual de Bambi, mas obviamente atraía os líderes políticos que tinham a esperança de ser tudo para todos. Os admiradores de Giddens incluíam não apenas Blair e Clinton, mas também o chanceler Schröder, da Alemanha, e o presidente Cardoso, do Brasil (grifo meu) [...]". Segundo o jornal britânico The Guardian, "quando (Giddens) chegou a Pequim cinco dias após a publicação do livro, todas as principais autoridades já o tinham lido. Stálin acreditava que era possível chegar ao socialismo num só país. Anthony Giddens é a globalização numa só pessoa". O trecho foi tirado do livro Como a picaretagem dominou o mundo, do jornalista Francis Wheen. "Visto que os chineses estavam empenhados num projeto bizarro de conciliar o marxismo com o capitalismo de livre mercado, é provável que tenham reconhecido Giddens como seu aliado natural", continua Wheen. "Em A terceira via e seus críticos, continuação de sua obra-prima, disse ele que 'as empresas não devem ser inibidas em sua expansão pela existência de regras e restrições excessivas".
Tony Blair e seu amigo Muammar Gaddafi |
Questionado, Giddens saiu-se com a desculpa que escreveu que o sistema líbio precisava mudar urgentemente, mas que ele acreditava que "poderia haver avanços com Gaddafi em cena". Então, tá. Seria mais honesto o argumento da realpolitik. E depois o FHC vem dizer que era a política externa do Lula que apoiava Gaddafi. Se faltava alguma coisa para enterrar esse thatcherismo travestido de social-democracia, agora não falta mais nada: a consultoria paga pela ditadura líbia foi a pá de cal.
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