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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

DO VERDE AO VERMELHO


Dom Hélder Câmara
A trajetória de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda, cujo nascimento se comemora hoje, inverte a fórmula falsamente atribuída a Winston Churchill, segundo a qual “quem não foi de esquerda na juventude não tem coração; quem não virou de direita na maturidade não tem cabeça”. Dom Hélder, um dos pais da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, conhecido como “bispo vermelho” durante a ditadura e cujo nome era proibido de ser citado na imprensa pelos militares, chegou a flertar, durante os anos 1930, com o integralismo, a versão tupiniquim do nazi-fascismo. Outros intelectuais que ficariam conhecidos na maturidade por suas posições políticas progressistas quando jovens também beberam da fonte verde do Sigma; entre eles o jornalista Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Athayde), o político San Tiago Dantas (depois chanceler de Jango) e até o poetinha Vinícius de Moraes.
Bispos alemães fazem a saudação nazista 


Para entender essa reviravolta de Dom Hélder, é preciso levar em conta a conjuntura internacional da época. Foi um período marcado pelo impacto da Revolução Bolchevique de 1917 e por uma crise econômica e social tão catastrófica que pôs a nu os limites do liberalismo como modelo de sociedade, acelerando a ascensão de regimes nacionalistas e totalitários, como o fascismo e o nazismo. A Igreja Católica já fizera a opção pelo ultramontanismo reacionário desde o Concílio Vaticano I (1869), convocado pelo papa Pio IX, que demonizou a sociedade moderna e os valores iluministas, liberais e, principalmente, socialistas, em favor de uma idealização da Idade Média. Apesar de o papa Leão XIII (1810-1903) ter acenado à classe operária com a Doutrina Social da Igreja, a revolução soviética fez a Santa Sé a se passar de armas e bagagens para os exércitos da direita. Contra o comunismo, o Vaticano apoiou Mussolini, Hitler, Franco, Salazar e o croata Ante Pavelic, entre outros. Essa orientação só mudaria com o Concílio Vaticano II (1963-1965), convocado por João XXIII, que impulsionou os setores progressistas da Igreja. No Brasil do início do século XX, a Igreja Católica, depois da laicização do Estado advinda com a República em 1989, tentava estabelecer vínculos não-oficiais com o Estado, cristianizar as instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e enquadrar as práticas religiosas populares à ortodoxia litúrgica.

Tristão de Athayde

Jacques Maritain
Dom Hélder passou por uma reorientação ideológica antes de se tornar um militante da justiça social. Por meio de Alceu de Amoroso Lima, ele conheceu a obra do filosófo católico francês Jacques Maritain, que professava um "humanismo integral", a defesa da democracia e a aceitação do pluralismo religioso. Maritain influenciaria toda uma geração de intelectuais católicos que depois se tornariam protagonistas da Teologia da Libertação. O prelado cearense teve papel importante na fundação da Juventude Operária Católica (JOC) e da Juventude Universitária Católica (JUC), de onde sairia, nos anos 1960, a organização revolucionária Ação Popular. Dom Hélder também fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam), que foram fundamentais para forjar a Teologia da Libertação. O bispo tornou-se um advogado da reforma agrária e das reformas de base do governo João Goulart. Em sintonia com seu tempo, teve uma importante participação do Concílio Vaticano II, que rompeu com o ultramontanismo e abriu as portas da Igreja à modernidade.

Frei Tito de Alencar
Mas foi durante a ditadura militar que seu nome ganharia projeção internacional. E isso devido à sua decisão de denunciar a tortura contra prisioneiros políticos institucionalizada pelo regime dos generais. O arcebispo pagaria caro: em 1969, um de seus auxiliares na arquidiocese de Recife e Olinda, o padre Antonio Henrique Pereira da Silva Neto, foi assassinado pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC, grupo paramilitar de extrema-direita). "Em maio de 1970, Dom Hélder fez algo inconcebível de acordo com os líderes militares patrióticos do Brasil: durante um discurso em Paris em frente a milhares de pessoas, ele denunciou a prática de tortura no Brasil. O bispo mencionou especificamente o caso de Frei Tito de Alencar Lima, um dos frades dominicanos presos pelo regime e cujo tratamento recebido pelas forças de segurança de São Paulo fora tão brutal que acabaria por fazer com que o religioso tentasse cometer suicídio. Mais tarde, banido do país, Frei Tito se matou perto de Paris em 1974. O discurso detonou uma onda de críticas contra o arcebispo. A partir de então, a ditadura proibiu qualquer menção acerca do arcebispo por parte da mídia. O regime também se valeu de forte pressão diplomática para evitar que Dom Hélder ganhasse o Prêmio Nobel da Paz", diz o brazilianista Kenneth P. Serbin.

Dom Paulo Evaristo Arns 
A trajetória corajosa de Dom Hélder Câmara abriu caminho para que outros bispos progressistas, como Dom Paulo Evaristo Arns, continuassem na luta contra a tirania e a defesa dos oprimidos. Mas sob João Paulo II, a Igreja iniciou sua reação termidoriana, que isolou os progressistas e consolidou a hegemonia dos conservadores. Nos anos 1960 e 1970, os grandes símbolos da Igreja no Brasil eram figuras do calibre de Dom Hélder, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldáliga. Sem falar de Madre Cristina e de Madre Maurina. Hoje, quem domina a cena são marqueteiros carismáticos alienados e circenses, como o padre Marcelo e o padre Flávio de Melo... Enquanto isso, seus líderes espirituais ficam fazendo campanha contra o aborto, o casamento gay, o uso da camisinha para evitar a Aids e as células-tronco.        

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