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Dom Hélder Câmara |
A trajetória de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda, cujo nascimento se comemora hoje, inverte a fórmula falsamente atribuída a Winston Churchill, segundo a qual “quem não foi de esquerda na juventude não tem coração; quem não virou de direita na maturidade não tem cabeça”. Dom Hélder, um dos pais da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, conhecido como “bispo vermelho” durante a ditadura e cujo nome era proibido de ser citado na imprensa pelos militares, chegou a flertar, durante os anos 1930, com o integralismo, a versão tupiniquim do nazi-fascismo. Outros intelectuais que ficariam conhecidos na maturidade por suas posições políticas progressistas quando jovens também beberam da fonte verde do Sigma; entre eles o jornalista Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Athayde), o político San Tiago Dantas (depois chanceler de Jango) e até o poetinha Vinícius de Moraes.
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Bispos alemães fazem a saudação nazista |
Para entender essa reviravolta de Dom Hélder, é preciso levar em conta a conjuntura internacional da época. Foi um período marcado pelo impacto da Revolução Bolchevique de 1917 e por uma crise econômica e social tão catastrófica que pôs a nu os limites do liberalismo como modelo de sociedade, acelerando a ascensão de regimes nacionalistas e totalitários, como o fascismo e o nazismo. A Igreja Católica já fizera a opção pelo ultramontanismo reacionário desde o Concílio Vaticano I (1869), convocado pelo papa Pio IX, que demonizou a sociedade moderna e os valores iluministas, liberais e, principalmente, socialistas, em favor de uma idealização da Idade Média. Apesar de o papa Leão XIII (1810-1903) ter acenado à classe operária com a Doutrina Social da Igreja, a revolução soviética fez a Santa Sé a se passar de armas e bagagens para os exércitos da direita. Contra o comunismo, o Vaticano apoiou Mussolini, Hitler, Franco, Salazar e o croata Ante Pavelic, entre outros. Essa orientação só mudaria com o Concílio Vaticano II (1963-1965), convocado por João XXIII, que impulsionou os setores progressistas da Igreja. No Brasil do início do século XX, a Igreja Católica, depois da laicização do Estado advinda com a República em 1989, tentava estabelecer vínculos não-oficiais com o Estado, cristianizar as instituições sociais, desenvolver um quadro de intelectuais católicos e enquadrar as práticas religiosas populares à ortodoxia litúrgica.
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Tristão de Athayde |
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Jacques Maritain |
Dom Hélder passou por uma reorientação ideológica antes de se tornar um militante da justiça social. Por meio de Alceu de Amoroso Lima, ele conheceu a obra do filosófo católico francês Jacques Maritain, que professava um "humanismo integral", a defesa da democracia e a aceitação do pluralismo religioso. Maritain influenciaria toda uma geração de intelectuais católicos que depois se tornariam protagonistas da Teologia da Libertação. O prelado cearense teve papel importante na fundação da Juventude Operária Católica (JOC) e da Juventude Universitária Católica (JUC), de onde sairia, nos anos 1960, a organização revolucionária Ação Popular. Dom Hélder também fundou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam), que foram fundamentais para forjar a Teologia da Libertação. O bispo tornou-se um advogado da reforma agrária e das reformas de base do governo João Goulart. Em sintonia com seu tempo, teve uma importante participação do Concílio Vaticano II, que rompeu com o ultramontanismo e abriu as portas da Igreja à modernidade.
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Frei Tito de Alencar |
Mas foi durante a ditadura militar que seu nome ganharia projeção internacional. E isso devido à sua decisão de denunciar a tortura contra prisioneiros políticos institucionalizada pelo regime dos generais. O arcebispo pagaria caro: em 1969, um de seus auxiliares na arquidiocese de Recife e Olinda, o padre Antonio Henrique Pereira da Silva Neto, foi assassinado pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC, grupo paramilitar de extrema-direita). "Em maio de 1970, Dom Hélder fez algo inconcebível de acordo com os líderes militares patrióticos do Brasil: durante um discurso em Paris em frente a milhares de pessoas, ele denunciou a prática de tortura no Brasil. O bispo mencionou especificamente o caso de Frei Tito de Alencar Lima, um dos frades dominicanos presos pelo regime e cujo tratamento recebido pelas forças de segurança de São Paulo fora tão brutal que acabaria por fazer com que o religioso tentasse cometer suicídio. Mais tarde, banido do país, Frei Tito se matou perto de Paris em 1974. O discurso detonou uma onda de críticas contra o arcebispo. A partir de então, a ditadura proibiu qualquer menção acerca do arcebispo por parte da mídia. O regime também se valeu de forte pressão diplomática para evitar que Dom Hélder ganhasse o Prêmio Nobel da Paz", diz o brazilianista Kenneth P. Serbin.
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Dom Paulo Evaristo Arns |
A trajetória corajosa de Dom Hélder Câmara abriu caminho para que outros bispos progressistas, como Dom Paulo Evaristo Arns, continuassem na luta contra a tirania e a defesa dos oprimidos. Mas sob João Paulo II, a Igreja iniciou sua reação termidoriana, que isolou os progressistas e consolidou a hegemonia dos conservadores. Nos anos 1960 e 1970, os grandes símbolos da Igreja no Brasil eram figuras do calibre de Dom Hélder, Dom Paulo Evaristo Arns e Dom Pedro Casaldáliga. Sem falar de Madre Cristina e de Madre Maurina. Hoje, quem domina a cena são marqueteiros carismáticos alienados e circenses, como o padre Marcelo e o padre Flávio de Melo... Enquanto isso, seus líderes espirituais ficam fazendo campanha contra o aborto, o casamento gay, o uso da camisinha para evitar a Aids e as células-tronco.
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