Trata-se de um blog despretensioso de um jornalista dublê de sociólogo que deixou as grandes redações depois de ter acumulado décadas de experiência e, em função disso, acredita que tenha algo a transmitir a eventuais leitores... além de, claro, cumprir o dever de ofício de ajudar a "desafinar o coro dos contentes", como dizia Torquato Neto, e de "consolar os aflitos e afligir os consolados", como pregava Joseph Pulitzer.
Muitos defensores da ideia do Fim da História, by Francis Fukuyama - a maioria caudatária da escola reacionária dos neocons - parecem acreditar que a História começou somente depois que eles nasceram. Tão dogmáticos quanto os seguidores do generalíssimo Francisco Franco, de Pol Pot ou mesmo dos defensores do pensamento "politicamente correto", esses niveladores do pensamento só conseguem ver os fatos históricos com as lentes do presente. Fazem tábula rasa do passado e das condições históricas que o geraram. Assim, o movimento operário internacional, por exemplo, que tem quase 200 anos de uma rica e complexa experiência, é jogado na vala comum do stalinismo e dos regimes soviéticos que entraram em colapso no final dos anos 1980.
"Nós que amávamos tanto a Revolução" ( Paris, 1968)
Veja-se o caso do maoísmo. As revelações recentes sobre as atrocidades da Revolução Cultural e do Grande Salto para a Frente serviram de pretexto para anular o significado histórico da Revolução Chinesa de 1949, que representou uma ruptura do equilíbrio de poder na Ásia que fazia da China um mero quintal dos países ocidentais. Mais grave, essa concepção não consegue entender por que os estudantes de maio de 1968, em Paris e em outros lugares do mundo, libertários ao extremo, carregavam estandartes de Mao Tsé-tung e exaltavam a Revolução Cultural desencadeada em 1966.
Revolução Cultural na China, 1966
Hoje, todos sabemos o que aqueles dramáticos acontecimentos significaram para os chineses e para a esquerda em geral. Mas na época, a percepção que se tinha daqueles fatos no Ocidente era completamente diferente: fazia-se uma leitura radical e libertária deles. Equivocadamente - sabemos hoje, mas não à época - os estudantes interpretavam o "chamado às massas" e a ação da Guarda Vermelha maoísta como um incitamento à rebelião dos jovens contra o establishment conservador ocidental do pós-guerra. E era isso o que importava pois, em nome dessa percepção, os estudantes parisienses tentaram "assaltar os céus" e "ser realistas exigindo o impossível". O filme La Chinoise, de Jean-Luc Godard, apesar de chatíssimo, expressa perfeitamente esse Zeitgeist (espírito da época).
Fidel e Che Guevara, mitos de uma época
A mesma coisa acontece com a Revolução Cubana e as figuras históricas de Che Guevara e Fidel Castro. Analisar o que isso significou como paradigma da transformações revolucionárias dos anos 1960 e 1970 à luz da atual degenerescência do regime cubano e do que sabemos sobre ele hoje revela miopia política crassa - ou má fé reacionária. Ao ver os manifestantes líbios protestando com figuras de Che Guevara, os sabichões - muitos deles viúvas de Stálin - podem decretar que eles são ingênuos por não perceberem que Guevara era militarista e prisioneiro da ideia marxista-leninista de ditadura de partido único. Mas o que importa não é o personagem histórico do Che, mas a percepção dele como símbolo de rebeldia e inconformismo que impera ainda hoje, a despeito do que significou sua atuação política concreta.
Talvez por isso seja instrutivo reler o Tema do Traidor e do Heroi, em Ficções, de Jorge Luis Borges, que inspirou o filme A estratégia da aranha, de Bernardo Bertolucci. Nela, um grupo de guerrilheiros irlandeses descobre um traidor entre eles, que era ninguém menos que o líder da insurreição. Resolvem executá-lo, mas manter a história em segredo, pois o mito do heroi era fundamental para alimentar a chama da liberdade até a vitória final.
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