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quinta-feira, 29 de julho de 2010

A "BOMBA ATÔMICA BRASILEIRA" CRIADA PELO LOBBY ALEMÃO


Por ocasião da visita do presidente Lula ao Irã, em maio último, a imprensa alemã veiculou um artigo de um especialista em assuntos nucleares, o professor Hans Rühle, no qual ele sugere que o Brasil teria um "programa nuclear paralelo" - o que, no jargão técnico, significa "militar". Em outras palavras, o scholar insinuava que o Brasil estaria tentando construir uma bomba atômica, como o Irã. O grande "argumento" para defender essa tese era a resistência do governo brasileiro em assinar os "protocolos adicionais" ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Ora, se assinássemos esses protocolos, teríamos que abrir todas as instalações nucleares à inspeção aleatória e sem aviso prévio da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA). Além disso, teríamos que permitir o acesso da entidade à tecnologia de enriquecimento de urânio, que desenvolvemos sozinhos, sem a ajuda de nenhum pais, graças ao projeto Aramar. Lá pelas tantas, o artigo do prof. Rühle chega ao ponto e diz que o Brasil está "fabricando um submarino nuclear, que também está vedado aos inspetores. Sabemos que o grau enriquecimento de urânio desse tipo de programa permite a construção de armas atômicas". No fim, ele afirma peremptoriamente que "o programa do submarino é claramente uma cobertura para o programa da bomba nucelar", embora admita que não tenha provas concretas.  
Só mesmo a ignorância - o que não é o caso do prof. Rühle - ou a má fé para fazer afirmações desse naipe. Em primeiro lugar, qualquer leigo bem informado sabe que, para ser utilizado em submarinos de propulsão nuclear, o urânio precisa  ser enriquecido a taxas de cerca de 20%, enquanto que para fazer a bomba atômica é necessário um enriquecimento de cerca de 90%. E que muitos anos e know how separam um processo de outro.
Mas quem é o professor Rühle? Ele foi diretor de Planejamento do Ministério da Defesa da Alemanha de 1982 a 1988 - e, portanto, um sujeito com estreitas relações com o governo alemão. O artigo, publicado pelo German Council of Foreign Relations, foi republicado pela Der Spiegel e pela Deutsche Welle e reflete o ponto de vista do complexo militar-industrial alemão, incoformado até hoje com a perda de contratos de fornecimento de submarinos para a Marinha brasileira. Como lembra o site defesanet, "até 2009, um forte lobby administrado pelo estaleiro TKNS e junto a interesses nacionais, com a participação da Embaixada Alemã, financiou um serviço de assessoria de imprensa voltado a atacar o acordo da Marinha do Brasil com o grupo (francês) DCNS". Trata-se de um acordo para o fornecimento de quatro submarinos da classe Scorpène e posterior transferência da tecnologia do casco - a única coisa que o Brasil ainda não domina, já que desenvolveu o protótipo para o propulsor - para o futuro submarino nuclear.

O problema é que, antes do governo Lula, parte da Marinha estava comprometida com a indústria alemã de submarinos. Os nossos primeiros cinco submarinos são de origem alemã (Modelo U-214, da HDW/Tyssen Krupp, baseado no IKL-209), todos de propulsão diesel-elétrica. Os alemães não têm a tecnologia de submarinos nucleares e, para continuar fornecendo ao Brasil, era preciso que nós desistíssimos desta opção. O lobby alemão era muito poderoso e tinha nas mãos ninguém menos que o então chefe do

Estado-Maior da Armada, almirante Euclides Duncan Janot de Matos - posteriormente preso por corrupção -, que estava esperando apenas assumir o comando da Marinha para enterrar de vez o projeto do submarino nuclear. Mas Janot foi para a reserva e o governo retomou o projeto nuclear brasileiro, inclusive o do submarino. Mais: a nova orientação do Ministério da Defesa determinava a necessidade de transferência de tecnologia. Foi quando os franceses entraram na jogada, deixando os alemães furiosos. E muito jornalista desavisado - ou nem tanto - repercutindo a choradeira tedesca. 

quarta-feira, 28 de julho de 2010

AGORA, A GLOBO DEFENDE OS 'INTERESSES NACIONAIS'

A Rede Globo assinou um acordo com a Time-Life em 1962. Recebeu entre US$ 5 e US$ 6 milhões – uma fortuna na época. Com esse capital, foi montada toda a infra-estrutura da TV Globo, e o grupo Time-Life passou a ter influência direta na emissora brasileira, inclusive com um ex-diretor seu, Joseph Wallace, assumindo o cargo de diretor-executivo. Mas o pior não foi isso. O acordo, que se estendeu até 1969, violava o artigo 130 da Constituição de então, que proibia a presença de capital estrangeiro em meios que fossem concessão estatal. Logo que a Globo começou a funcionar, em 1965, a ilegalidade do acordo foi denunciada pelo então governador da Guanabara, o conservador Carlos Lacerda, da UDN. Foi constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Congresso Nacional para apurar a denúncia e a CPI concluiu que o acordo era inconstitucional. Mas o então marechal-presidente Castello Branco passou por cima da Carta Magna: baixou um decreto-lei que franqueava a estrangeiros a propriedade e orientação intelectual de empresas jornalísticas.

Agora, a mesma Globo que se beneficiou do capital externo através de um manobra da ditadura que violou a Constituição vem tentando vestir a máscara de “paladina dos interesses nacionais” saindo em defesa do respeito ao limite de participação de capitais externos nas empresas jornalísticas. Pressionada pela Globo, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) pediu ao Ministério Público que investigasse a origem do capital da Empresa Jornalística Econômico S.A. (Ejesa), que edita os jornais Brasil Econômico, O Dia, Meia Hora e Campeão. A alegação é que a Ejesa, que tem capital português, feriria o limite de 30% de capitais estrangeiros que é autorizado no controle dos meios de comunicação no Brasil. Por causa disso, a Ejesa pediu sua desfiliação da Associação Nacional dos Jornais (ANJ) por entender que a entidade defende os interesses das Organizações Globo.

A Globo, de qualquer maneira, pagou sua dívida com a ditadura: noticiário favorável, escândalo do Proconsult para tentar impedir a eleição de Leonel Brizola ao governo do Rio em 1982, boicote da campanha das diretas em 1984, edição do debate entre Fernando Collor e Lula em 1989...

http://www.youtube.com/watch?v=5J4hN1u0_hE&feature=related

terça-feira, 27 de julho de 2010

QUANDO OS MORTOS GOVERNAM OS VIVOS

“Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. [...] Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar e nessa linguagem emprestada. Assim, Lutero adotou a máscara do apóstolo Paulo, a Revolução de 1789-1814 vestiu-se alternadamente como a república romana e como o império romano, e a Revolução de 1848 não soube fazer nada melhor do que parodiar ora 1789, ora a tradição revolucionária de 1793-1795. De maneira idêntica, o principiante que aprende um novo idioma, traduz sempre as palavras deste idioma para sua língua natal; mas só quando puder manejá-lo sem apelar para o passado e esquecer sua própria língua no emprego da nova, terá assimilado o espírito desta última e poderá produzir livremente nela”. (Karl Marx, O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte)

 
 
Durante a exumação de Simón Bolívar, Hugo Chávez se emociona com o "esqueleto glorioso" e anuncia que não vê o Libertador como morto.
 
 
 

Depois de quatro anos, Fidel Castro volta a envergar a farda verde-oliva em cerimônia para comemorar o 26 de julho - "dia da rebeldia", que marca a tentativa de assalto ao quartel de Moncada em 1953, mas também homenageia José Martí, heroi da independência cubana.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

TRANSFORMISMO, DOENÇA SENIL DO ESQUERDISMO

Não, não é o que você está pensando. Não estou falando em transgressão de  identidades sexuais, como os travestis, drag queens ou pessoas que mudam de sexo. Tampouco me refiro às teorias científicas da Biologia, de Lamarck a Darwin, que defendem que a adaptação das espécies ao meio ambiente é a chave para explicar sua evolução biológica. Trata-se, na verdade, de um conceito da Ciência Política elaborado pelo pensador marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937), para quem "transformismo" é a maneira pela qual as classes dominantes cooptam lideranças políticas radicais das classes subalternas para excluír estas últimas de qualquer protagonismo nos processos de transformação social. Ele distingue dois períodos: o "transformismo molecular", em que personalidades políticas progressistas se incorporam individualmente ao "status quo" conservador; e o transformismo orgânico, em que grupos inteiros, antes radicais, se passam para o campo da reação.   

Isso explica os mecanismos que marcam a ação de antigos socialistas, comunistas e radicais no apoio a muitos governos contra-reformistas em países europeus. Ironicamente, o maior exemplo de transformismo na Europa seria o partido fundado por Gramsci, o Partido Comunista Italiano (PCI). Líder da resistência ao fascismo, tornou-se o maior Partido Comunista do Ocidente. Depois de propor uma aliança com a Democracia Cristã nos anos 70,  virou social-democrata na década seguinte e perdeu sua identidade. Hoje, unido ao que sobrou dos democratas-cristãos, sob o nome anódino de "Partido Democrático", foi para o centro do espectro político e é incapaz sequer de construir uma alternativa a um governo proto-fascista como o de Silvio Berlusconi. Fenômeno semelhante ocorreu com os socialistas franceses sob François Mitterrand (1981-1995) e com os socialistas espanhóis sob Felipe González (1982-1996).
  
No Brasil, o fenômeno é antigo mas sua expressão mais recente é o presidenciável tucano José Serra. Oriundo da esquerda estudantil católica radical dos anos 60 (a Ação Popular), Serra foi presidente da UNE e apoiou o governo João Goulart. No exílio,  converteu-se à social-democracia, mas ainda permaneceu no campo da esquerda. Como economista e parlamentar era alinhado aos chamados "desenvolvimentistas" inspirados pelas teses da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), que eram visceralmente contrárias ao monetarismo dos liberais e favoráveis ao papel estratégico do Estado. Como ministro de FHC José Serra disputou - e perdeu - espaço para os monetaristas radicais do governo como Gustavo Franco e Pedro Malan. Serra  tinha - ou parecia ter - mais afinidade teórica com as idéias da economista petista Maria da Conceição Tavares.
Mas no governo do Estado de São Paulo, Serra mandou às favas sua herança keynesiana e abraçou de vez  o ideário de Friedrich Hayek e Milton Friedman. Adaptou-se, dessa maneira, ao programa do PSDB, que desde os anos 80 e 90 já defendia a ideia de um "choque de capitalismo" baseada na crítica thatcherista ao welfare state e na defesa  das privatizações "à outrance" (sem tréguas), expressão cara a Mário Covas.
Agora, ávido por chegar à Presidência, o ex-desenvolvimentista José Serra não apenas reforçou a aliança dos tucanos com a direita mais tacanha - vide o Índio do Neardenthal - como também tornou-se o porta-voz de suas teses mais reacionárias. De quebra, o entorno demo-tucano-serrista capturou o ex-guerrilheiro Fernando Gabeira. O transformismo parece ser a doença senil do esquerdismo.   

COMO FUNCIONA (?) O SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL



Um vídeo didático sobre a financeirização da economia mundial
http://www.youtube.com/watch?v=YODjF4VTcTs&feature=player_embedded

quinta-feira, 22 de julho de 2010

COLAPSO DO COMUNISMO? E A CHINA?

“Se o século XX foi dominado, mais do que por qualquer outro evento singular, pela trajetória da Revolução Russa, o século XXI será moldado pelos resultados da Revolução Chinesa. O Estado soviético, nascido da Primeira Guerra Mundial, vencedor da Segunda, derrotado na fria réplica de uma Terceira, foi dissolvido depois de sete décadas com apenas um tiro, tão rapidamente quanto surgiu. O que sobrou foi uma Rússia menor em tamanho do que na época do Iluminismo, com menos de metade da população da URSS, com um capitalismo restaurado e mais dependente da exportação de matérias-primas que nos últimos dias do czarismo. Embora futuras reversões não possam descartadas, até agora o que sobrou da insurreição de Outubro, em sentido positivo, foi muito pouco. Sua realização mais duradoura foi negativa: a derrota do nazismo, feito que nenhum regime de outros países europeus poderia ter conseguido. [...]
O resultado da Revolução Chinesa oferece um contraste impressionante. Ao entrar em sua sétima década, a República Popular da China é um motor da economia mundial, o maior exportador singular para a União Européia, Japão e Estados Unidos, o maior detentor de reservas cambiais do mundo; por um quarto de século, a China vem exibindo as maiores taxas de crescimento da renda per capita, para a maior população já registrada no planeta. As grandes cidades chinesas não têm rivais para a ambição comercial e arquitetônica, os bens chineses são vendidos em toda parte. Construtores, pesquisadores e diplomatas chineses atravessam o mundo em busca de novas oportunidades e influência. A China é cortejada por amigos e também ex-inimigos. É a primeira vez na sua história que o antigo Império do Meio se tornou uma verdadeira potência mundial, cuja presença se estende para todos os continentes.

Com a queda da URSS, nenhuma fórmula para descrever aqueles eventos foi tão canonizada quanto “o colapso do comunismo”. Vinte anos depois, ela soa eurocêntrica. Visto sob essa nova perspectiva, o comunismo não apenas sobreviveu, mas está se tornando a história de sucesso de uma época. A natureza e a escala dessa realização, evidentemente, guardam mais do que um amarga ironia. Mas não há dúvidas sobre a diferença entre os destinos das revoluções na China e na Rússia”
(Perry Anderson, Two Revolutions)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

VÃO "CRISTIANIZAR" O SERRA?

O termo "cristianizar" surgiu depois da eleição presidencial de 1950 para designar a traição de um partido político a seu candidato a um cargo majoritário. Referia-se a Cristiano Machado, candidato oficial à Presidência da República pelo PSD (Partido Social Democrático), cujos líderes, por baixo do pano, apoiaram Getúlio Vargas, do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). No final, Getúlio ficou com 48,7% dos votos; o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN (União Democrática Nacional), 29,7%, e Cristiano Machado teve meros 21,5%. 

O fenômeno repetiu-se muitas vezes no cenário político brasileiro. A última delas ocorreu nas eleições municipais de 2008 em São Paulo, quando o PSDB "cristianizou" seu candidato, Geraldo Alckmin, em favor de Gilberto Kassab, do DEM, aliado do então governador José Serra. Agora, com a má fase da campanha presidencial demo-tucana, há sinais de que o PMDB de São Paulo está "cristianizando" José Serra, o candidato da coalizão regional PSDB-DEM-PMDB. Vários diretórios regionais do partido resolveram apoiar a chapa Dilma-Michel Temer. Temer, aliás, além de ser presidente nacional do PMDB, é de São Paulo. Se a tendência se confirmar, a "cristianização" rachará a coalizão, mas pode reunificar o PMDB.
É muito cedo para saber se o fenômeno de 1950 vai se repetir, e em que nível, mas fica o registro.  

terça-feira, 20 de julho de 2010

JOVENS: OS MADUROS E OS TRESLOUCADOS

Pouca idade não é, necessariamente, critério de avaliação política quando se trata de exercício do poder. Três presidentes americanos assumiram a Casa Branca antes dos 50 anos: John Kennedy, aos 43; Bill Clinton aos 46 e Barack Obama aos 47. Todos enfrentaram e superaram desafios gigantescos: Kennedy evitou uma guerra nuclear mundial durante a crises dos mísseis em 1962 e encaminhou a lei de direitos civis; Clinton enfrentou uma ameaça de impeachment da direita raivosa e conseguiu se safar e Obama já conseguiu, antes do meio do mandato, aprovar no Congresso as reformas da previdência e a financeira. Por isso, é pífio o argumento de que as sandices do candidato a vice na chapa de José Serra, deputado Índio da Costa (DEM-RJ), podem ser atribuídas à sua pouca idade (39 anos). Mas tipos como este também servem para lembrar que a juventude, por si só, jamais deve ser tomada como critério isolado de virtù política, como entendia Maquiavel. A arrogância juvenil do desqualificado candidato a vice faz  lembrar o sábio Tancredo Neves, candidato à presidência da República em 1984, respondendo ao tresloucado Paulo Maluf, então com 53 anos, que desdenhara da idade provecta do adversário (75 anos): "Nero, aos 30 anos , incendiou Roma; Adenauer, aos 85, reconstruiu a Alemanha". Ou então a tirada atribuída ao indefectível Jânio Quadros, que teria dito a Fernando Collor, candidato a presidente aos 40 anos em 1990, que ele era muito jovem para o cargo. "Mas o senhor se elegeu aos 43 anos", retrucou Collor. E Jânio, com aquele ar professoral: "Pois é. E veja o senhor a merda que deu!"

sábado, 17 de julho de 2010

A ÁCIDA LUCIDEZ DE ORWELL

"As massas nunca se revoltarão espontaneamente, e nunca se revoltarão apenas por serem oprimidas. Com efeito, se não se lhes permitir ter padrões de comparação nem ao menos se darão conta de que são oprimidas"



"A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa"


"Santos deveriam ser considerados culpados até provarem sua inocência"

"Se liberdade significa alguma coisa, é o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir"

"Existem coisas em que só intelectuais são loucos de acreditar"

"Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado"

"Quando se diz que um escritor está na moda, isso quer dizer que ele é admirado por menores de trinta anos"
George Orwell - aliás, Eric Arthur Blair, 1903-1950 - jornalista e escritor de esquerda, combatente na guerra civil espanhola ao lado dos republicanos, crítico feroz tanto do imperialismo quanto do stalinismo 

sexta-feira, 16 de julho de 2010

OPERÁRIO EM CONSTRUÇÃO

Construção (Chico Buarque de Hollanda)
http://www.youtube.com/watch?v=P7mHf-UCZp0

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa quer ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente
Um quatel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventuialmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
começam a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhjos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução

Como era de se esperar
As bocas da delação
Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.

Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão

Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não ves o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão.
Um siêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silencio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperanca sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção
(O Operário em Construção, Vinícius de Moraes, 1956)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

MARÍLIA DE DIRCEU

Minha bela Marília, tudo passa;
A sorte deste mundo é mal segura;
Se vem depois dos males a ventura,
Vem depois dos prazeres a desgraça.
Estão os mesmos Deuses
Sujeitos ao poder ímpio Fado:
Apolo já fugiu do Céu brilhante,
Já foi Pastor de gado.
A devorante mão da negra Morte
Acaba de roubar o bem, que temos;
Até na triste campa não podemos
Zombar do braço da inconstante sorte.
Qual fica no sepulcro,
Que seus avós ergueram, descansado;
Qual no campo, e lhe arranca os brancos ossos
Ferro do torto arado.
Ah! enquanto os Destinos impiedosos
Não voltam contra nós a face irada,

Façamos, sim façamos, doce amada,

Os nossos breves dias mais ditosos.
Um coração, que frouxo
A grata posse de seu bem difere,
A si, Marília, a si próprio rouba,
E a si próprio fere.

Ornemos nossas testas com as flores.
E façamos de feno um brando leito,
Prendamo-nos, Marília, em laço estreito,
Gozemos do prazer de sãos Amores.
Sobre as nossas cabeças,
Sem que o possam deter, o tempo corre;

E para nós o tempo, que se passa,
Também, Marília, morre.

Com os anos, Marília, o gosto falta,
E se entorpece o corpo já cansado;
triste o velho cordeiro está deitado,
e o leve filho sempre alegre salta.
A mesma formosura
É dote, que só goza a mocidade:
Rugam-se as faces, o cabelo alveja,
Mal chega a longa idade.


Que havemos de esperar, Marília bela?
Que vão passando os florescentes dias?
As glórias, que vêm tarde, já vêm frias;
E pode enfim mudar-se a nossa estrela.
Ah! Não, minha Marília,
Aproveite-se o tempo, antes que faça
O estrago de roubar ao corpo as forças
E ao semblante a graça.
Tomás Antônio Gonzaga, Marília de Dirceu, Lira XIV

terça-feira, 13 de julho de 2010

14 DE JULHO, SEMPRE!

"Não se pode reinar inocentemente"


"Toda a gente está ansiosa pela República; ninguém quer nem a pobreza nem a virtude"


"As virtudes indomáveis dão lugar a costumes atrozes"

Louis Antoine de Saint-Just (1767-1784)

La Marseillaise
http://www.youtube.com/watch?v=4K1q9Ntcr5g

La Marseillaise interpretada por Mireille Mathieu (1989)
http://www.youtube.com/watch?v=SIxOl1EraXA&feature=related

O EXTERMINADOR ATACA NOVAMENTE

O exterminador Nelson Tanure (à dir.) voltou ao ataque e já acabou com mais um grande veículo da imprensa brasileira. Há um ano ele devolvia a Gazeta Mercantil aos seus antigos proprietários, depois de ter enterrado o mais tradicional jornal de economia do Brasil. Agora, o empresário das docas anuncia o fim da circulação do Jornal do Brasil impresso: em breve, aquele que foi um dos mais influentes jornais do país existirá apenas em versão digital. Perto desse tipo de predador, o empresário William Randolph Hearst (1863-1951, à esq.), modelo para o Cidadão Kane, de Orson Welles, foi um benfeitor da humanidade.
O Jornal do Brasil foi fundado em 1891 para defender o deposto regime monarquista. Entre seus colaboradores estavam intelectuais do porte de Joaquim Nabuco, Eça de Queirós, José Maria da Silva Paranhos, Oliveira Lima e o barão do Rio Branco. Rui Barbosa chegou a ser seu redator-chefe em 1893, mas foi afastado naquele mesmo ano quando o marechal Floriano Peixoto mandou fechar o jornal. O motivo: o Jornal do Brasil entrevistara o contra-almirante Custódio de Melo, líder da segunda Revolta da Armada. Foi reaberto em 1894 sob a direção da família Mendes Almeida; posteriormente passaria ao controle do conde e da condessa Pereira Carneiro e finalmente para o genro deles, Nascimento Brito. Nos anos 1930, depois de uma série de crises financeiras, o JB foi transformado num “boletim de anúncios” e passou a ser jocosamente chamado de “jornal das cozinheiras”.

Em 1956, a condessa lançou o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Dois anos depois, ela chamou o jornalista Odylo Costa Filho para comandar uma equipe de jovens e dinâmicos jornalistas que promoveu uma ampla reforma gráfica e editorial. Foi talvez a maior revolução da imprensa no Brasil. O JB se transformou num veículo dinâmico e moderno, tornando-se um modelo que os demais diários do país em pouco tempo copiariam. Embora tenha apoiado do golpe cívico-militar de 1964, o JB fez um jornalismo crítico depois da instalação da ditadura.
Sua edição mais memorável foi a de 14 de dezembro de 1968, um dia depois da decretação do AI-5, que acabou com as garantias constitucionais no país. Impossibilitado de criticar diretamente o regime, o jornal apelou para a fina ironia: no alto da primeira página, uma pequena chamada no canto superior direito lembrava: “Ontem foi o dia dos cegos”. Na previsão do tempo, no canto superior esquerdo, a seguinte metáfora: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx. 38º em Brasília. Mín 5º nas Laranjeiras”.
Agora, o JB acabou melancolicamente, quase como a Gazeta Mercantil. Tanure vai se notabilizando como coveiro de grandes jornais brasileiros. Bem que ele podia fazer uma oferta aos Civita pela Veja...