Por ocasião da visita do presidente Lula ao Irã, em maio último, a imprensa alemã veiculou um artigo de um especialista em assuntos nucleares, o professor Hans Rühle, no qual ele sugere que o Brasil teria um "programa nuclear paralelo" - o que, no jargão técnico, significa "militar". Em outras palavras, o scholar insinuava que o Brasil estaria tentando construir uma bomba atômica, como o Irã. O grande "argumento" para defender essa tese era a resistência do governo brasileiro em assinar os "protocolos adicionais" ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Ora, se assinássemos esses protocolos, teríamos que abrir todas as instalações nucleares à inspeção aleatória e sem aviso prévio da Agência Internacional de Energia Nuclear (AIEA). Além disso, teríamos que permitir o acesso da entidade à tecnologia de enriquecimento de urânio, que desenvolvemos sozinhos, sem a ajuda de nenhum pais, graças ao projeto Aramar. Lá pelas tantas, o artigo do prof. Rühle chega ao ponto e diz que o Brasil está "fabricando um submarino nuclear, que também está vedado aos inspetores. Sabemos que o grau enriquecimento de urânio desse tipo de programa permite a construção de armas atômicas". No fim, ele afirma peremptoriamente que "o programa do submarino é claramente uma cobertura para o programa da bomba nucelar", embora admita que não tenha provas concretas.
Só mesmo a ignorância - o que não é o caso do prof. Rühle - ou a má fé para fazer afirmações desse naipe. Em primeiro lugar, qualquer leigo bem informado sabe que, para ser utilizado em submarinos de propulsão nuclear, o urânio precisa ser enriquecido a taxas de cerca de 20%, enquanto que para fazer a bomba atômica é necessário um enriquecimento de cerca de 90%. E que muitos anos e know how separam um processo de outro.
Mas quem é o professor Rühle? Ele foi diretor de Planejamento do Ministério da Defesa da Alemanha de 1982 a 1988 - e, portanto, um sujeito com estreitas relações com o governo alemão. O artigo, publicado pelo German Council of Foreign Relations, foi republicado pela Der Spiegel e pela Deutsche Welle e reflete o ponto de vista do complexo militar-industrial alemão, incoformado até hoje com a perda de contratos de fornecimento de submarinos para a Marinha brasileira. Como lembra o site defesanet, "até 2009, um forte lobby administrado pelo estaleiro TKNS e junto a interesses nacionais, com a participação da Embaixada Alemã, financiou um serviço de assessoria de imprensa voltado a atacar o acordo da Marinha do Brasil com o grupo (francês) DCNS". Trata-se de um acordo para o fornecimento de quatro submarinos da classe Scorpène e posterior transferência da tecnologia do casco - a única coisa que o Brasil ainda não domina, já que desenvolveu o protótipo para o propulsor - para o futuro submarino nuclear.
O problema é que, antes do governo Lula, parte da Marinha estava comprometida com a indústria alemã de submarinos. Os nossos primeiros cinco submarinos são de origem alemã (Modelo U-214, da HDW/Tyssen Krupp, baseado no IKL-209), todos de propulsão diesel-elétrica. Os alemães não têm a tecnologia de submarinos nucleares e, para continuar fornecendo ao Brasil, era preciso que nós desistíssimos desta opção. O lobby alemão era muito poderoso e tinha nas mãos ninguém menos que o então chefe do
Estado-Maior da Armada, almirante Euclides Duncan Janot de Matos - posteriormente preso por corrupção -, que estava esperando apenas assumir o comando da Marinha para enterrar de vez o projeto do submarino nuclear. Mas Janot foi para a reserva e o governo retomou o projeto nuclear brasileiro, inclusive o do submarino. Mais: a nova orientação do Ministério da Defesa determinava a necessidade de transferência de tecnologia. Foi quando os franceses entraram na jogada, deixando os alemães furiosos. E muito jornalista desavisado - ou nem tanto - repercutindo a choradeira tedesca.
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