http://www.youtube.com/watch?v=P7mHf-UCZp0
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabiaQue a casa quer ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quatel e uma prisão:
Prisão de que sofreriaNão fosse eventuialmente
Um operário em construção.Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário Soube naquele momento
Naquela casa vazia Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua propria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração E como tudo que cresce
Ele nao cresceu em vão - Excercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edificio em construção
Que sempre dizia "sim"
começam a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta Era o uisque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhjos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução
Como era de se esperar
As bocas da delação Comecaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.
Dia seguinte o operário
Ao sair da construção Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Porém, por imprescindível
Ao edificio em construção Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento Da construção que crescia.
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração: - Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não. Disse e fitou o operário
Que olhava e refletia
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não ves o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martirios
Um silêncio de prisão. Um siêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silencio apavorado Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperanca sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção
(O Operário em Construção, Vinícius de Moraes, 1956)
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