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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O HORROR VISÍVEL E O HORROR INVISÍVEL

Os singelos versos do poema Rosa de Hiroshima, de Vinícius de Morais (musicado por Gerson Conrad e interpretado por Ney Matogrosso), são uma das mais belas manifestações poéticas contra a estupidez, a crueldade e a violência da guerra nuclear.



Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas, inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas

Mas, oh não se esqueçam
da rosa, da rosa
da rosa de Hiroshima
a rosa hereditária
a rosa radioativa
estúpida, inválida
a rosa com cirrose
a anti-rosa atômica

sem cor sem perfume
sem rosa, em nada 
Todo ano o mundo relembra com horror a tragédia das duas bombas atômicas jogadas em agosto de 1945 pelos americanos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Calcula-se que 140 mil civis morreram na primeira e 80 mil na segunda. Isso sem falar dos incontáveis feridos que ficaram inválidos e das dezenas de milhares de pessoas contaminadas que morreriam de câncer anos depois. As cenas de pessoas mutiladas até hoje nos chocam e causam asco pelo deplorável estado a que chegou a condição humana. Quase voltamos ao estado da natureza hobbesiano (a guerra de todos contra todos).

Mas o horror trazido pelo medo atômico também nos deixou “cegos inexatos” em relação à violência de outros bombardeios da mesma época, não atômicos, mas igualmente indiscriminados contra civis. Como o de Dresden (Alemanha), entre 13 e 14 de fevereiro de 1945, quando aviões britânicos e americanos despejaram 3.900 toneladas de bombas e dispositivos incendiários na cidade, pulverizando-a e matando cerca de 22 mil civis. Ou os de Tóquio, entre 9 e 10 de março de 1945. Nestes, os americanos esperaram as condições meteorológicas ideais para que os incêndios provocados pelas explosões de bombas incendiárias e napalm jogadas pelas Superfortalezas voadoras B-29 sobre casas de madeira e bambu se espalhassem. Também não havia alvos militares. Entre 83 mil e 100 mil civis morreram. Ou então os terríveis bombardeios britânico-americanos - represália à ofensiva alemã sobre Londres em 1940 - que calcinaram Hamburgo, em 1943, e provocaram a morte de nada menos que 50 mil pessoas.

Mas, é bom lembrar – e a lembrança não é uma justificativa, ao contrário – de que quem começou a bombardear alvos civis foram os nazistas, em 1937 em Guernica (Espanha) e depois, em 1940, na Inglaterra. Com relação à "Pérfida Albion", os alemães ainda disseram que os objetivos dos bombardeios não eram os civis, mas as instalações militares e a infraestrutura do inimigo. O fato de muitas delas ficarem em cidades densamente povoadas ganhou uma “explicação” que depois os americanos batizariam de “dano colateral”: mortes de civis por “acidente”. Mas em Guernica não havia essa desculpa: os pilotos alemães da Legião Condor e os italianos da Aviazione Legionaria simplesmente massacraram a população para enfraquecer o moral republicano e “testar” a nova tática, como depois admitiu Hermann Göring, comandante da Lutfwaffe.

Tudo isso para dizer que toda guerra é bárbara; não existe guerra civilizada. "A moderação na guerra é um absurdo", escreveu o grande pensador prussiano Carl Von Clausewitz.

Mas ele também escreveu que a guerra é a continuação da política por outros meios. Assim,  há considerações de ordem política, militar e geopolítica que, senão justificam, pelo menos explicam o motivo da aparente insanidade do lançamento de Little Boy e Fat Man (nome das bombas lançadas, respectivamente, sobre Hiroshima e Nagasaki pelo bombardeiro Enola Gay). A primeira é que os EUA temiam que a guerra se prolongasse indefinidamente, dada a disposição do Exército nipônico de lutar até o último homem. Quanto teria custado em vidas americanas uma invasão por terra do Japão? Quanto tempo seria preciso até que os aliados provocassem a derrota final das forças do imperador Hirohito? Tudo isso entrou no cálculo de Washington.

Mas há outra questão, esta de natureza geopolítica e que talvez tenha pesado ainda mais na decisão da Casa Branca de lançar a arma fatal. No início de 1945, a União Soviética começou a atacar o Japão, invadindo as ilhas Sakalinas e Kurilas. Os americanos temiam que os soviéticos pudessem ocupar o Japão ou parte dele, como na Alemanha. Para evitar perder mais terreno para os soviéticos, o presidente Harry S Truman autorizou o lançamento das bombas atômicas sobre as cidades japonesas. O impacto deixou o Japão de joelhos e apressou o fim da guerra antes que o Exército Vermelho tivesse condições de avançar mais em território japonês.

O aliança com os soviéticos já dera lugar ao medo do "perigo vermelho". E, como disse Shakespeare, “o horror visível tem menos poder sobre a alma do que o horror imaginado”. 

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