A possibilidade crescente de que Dilma Rousseff ganhe as eleições já no primeiro turno levou a mídia conservadora a construir uma nova "ameaça" para conjurar a catástrofe, já que a demonização da "terrorista" parece ter dado com os burros n'água. Agora, trata-se do perigo da "mexicanização", ou seja, se a vitória de Dilma e Lula for tão acachapante como se prevê, estaremos caminhando inexoravelmente para um governo sem oposição, em que o PT estaria prestes a controlar todos os mecanismos do Estado. Tese antes ventilada apenas nos escaninhos da academia, a "mexicanização " vem sendo esgrimida por editorialistas, cientistas políticos de alta plumagem - como Bolivar Lamounier -, debatedores e já virou o mote de alguns candidatos - principalmente de ex-esquerdistas como Roberto Freire e Fernando Gabeira.
Mas, afinal, que diabos é a "mexicanização"? Trata-se daquilo que Vargas Llosa chamou uma vez de "ditadura perfeita": o regime implantado no México pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI) - o nome é uma contradição em termos -, no poder entre 1929 e 2000. O regime, de fato, era sui-generis: embora formalmente democrático, com eleições, liberdade partidária e de imprensa, na prática submetia toda a vida política e institucional do país ao tacão do PRI, que controlava a máquina burocrática do Estado. Os sociólogos denominavam tal situação de "regime de Partido-Estado", em que até os funcionários públicos tinham que ser filiados ao PRI. O modelo foi copiado pelo Partido Colorado do Paraguai durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). No México, contudo, havia um ritual de "alternância de poder", com eleições presidenciais a cada seis anos, mas a escolha do sucessor era feita por um processo denominado "dedazo", em que o presidente de turno impunha ao partido o nome escolhido, sem direito a contestação.
Sérgio Motta: PSDB planejava ficar 20 anos no poder |
Voltando à vaca fria, é uma piada de mau gosto a oposição demo-tucana manifestar agora a preocupação com a alternância de poder e vir agitar o fantasma da "mexicanização". Parece aquele repórter que, recém-chegado ao campo de batalha, escreve: "Agora é guerra!" Quando estavam por cima, PSDB e PFL (atual DEM) verbalizaram claramente seu desejo de se perpetuar no poder. Para quem não lembra, no primeiro mandato de FHC, o então ministro da Comunicações Sérgio Motta, depois que o PFL lançou o Projeto 2000 na presunção de se transformar no maior partido do país, disse com todas as letras: “O PSDB tem projeto de poder para 20 anos; está aí para ficar. É o PSDB 2015 contra o PFL 2000”, ironizou o trator. “É uma proposta bastante ambiciosa, que os militares também tiveram", alfinetou o então senador pefelista Antônio Carlos Magalhaes, aliado incômodo de FHC. Já Inocêncio de Oliveira, líder do PFL na Câmara, deu de ombros: "Tudo bem, deixa o PSDB ir até 2015. O PFL vai além. Temos muito mais chances de ficar no poder até 2030".
"O sono da razão produz monstros" |
Expressando a percepção da elite sobre o projeto continuísta dos tucanos e pefelistas, o articulista Luis Adolfo Pinheiro, então colunista do Jornal de Brasília, escreveu esta pérola: “Até que enfim apareceu o secretário-geral de um grande partido para dizer de público que sua agremiação tem projeto para ficar 20 anos no poder. Num país que ama a improvisação e detesta olhar um ano atrás, o ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso causou furor, para não dizer mal-estar. A feliz declaração do secretário-geral do PSDB é oportuna e bem-vinda, até para obrigar a imprensa brasileira a levantar os olhos para o futuro que está além do horário de fechamento dos jornais. Que a sadia provocação do ministro seja vista pelos demais partidos que apóiam FHC como um desafio ainda maior de permanecerem não vinte, mas trinta anos no poder”. (extraído do livro Sérgio Motta - O Trator em Ação, de José Prata, Nirlando Beirão e Teiji Tomioka.
Mas tudo isso foram apenas intenções, diriam as polianas. Não, não foram: em 1997 Fernando Henrique enviou ao Congresso uma emenda constitucional para permitir a própria reeleição. Ele mudou a regra do jogo com o jogo em andamento, como se diz; pior: mudou a Constituição em proveito próprio. Seguiu os exemplos de Alberto Fujimori, no Peru, e Carlos Menem, na Argentina. Imaginem a reação da mídia conservadora ("equidistante" e "independente", como a Folha se autointitula) se Lula tivesse feito algo remotamente semelhante. Certamente iriam bater nos quartéis como as "vivandeiras" de 1964. Basta lembrar que, em 2008, durante meses, um factóide - o terceiro mandato que Lula estaria articulando - alimentou manchetes, debates e editoriais indignados e furibundos. Lula foi comparado a Luís XIV ("O Estado sou Eu"), Bonaparte e Hugo Chávez. Por pouco não pintaram-no como um novo Hitler.
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