Hoje quase esquecido, o sociólogo grego Nicos Poulantzas (1936-1979) foi um dos grandes renovadores do pensamento marxista dos anos 1960 e 1970. Inicialmente discípulo de Louis Althusser, ele evoluiria para uma concepção “eurocomunista” de esquerda, que compreendia o socialismo de forma radical, porém democrática. “O socialismo será democrático ou não será”, dizia ele. Talvez sua contribuição mais importante seja sua última obra, O Estado, o Poder, o Socialismo (1978), na qual Poulantzas incorpora elementos da genealogia de Michel Foucault e analisa o Estado não como um apêndice do poder de uma classe, mas como uma relação de forças entre classes e frações das classes dominantes e as classes dominadas. Em estado de depressão, Poulantzas se suicidou em Paris em outubro de 1979, mas sua obra, felizmente, hoje começa a ser reavaliada à luz do colapso da capitulação da esquerda reformista às teses neoliberais.
Trechos de um trabalho das pesquisadoras Lúcia Maria Wanderley Neves e Marcela Pronko, A Atualidade das idéias de Nicos Poulantazas no entendimento das polícitas sociais no século XXI:
“Para Poulantzas, o processo de organização do Estado capitalista não é o resultado da existência prévia de uma burguesia já consolidada como classe dominante que o criaria ou utilizaria como “simples apêndice” do exercício da sua dominação (visão instrumental do Estado). O próprio processo de organização do Estado é parte constitutiva do estabelecimento de relações de produção capitalistas como processo histórico específico que constitui as classes em luta. Nesse sentido, o Estado deve ser entendido como uma
relação, “mais exatamente como a condensação material de uma relação de forças entre classes e frações de classe, tal como ele expressa, de maneira sempre específica, no seio do Estado”. Entender o Estado como relação permite compreender as funções diferenciadas que ele desempenha, como resultado da sua configuração específica, no que diz respeito às classes dominantes e às classes dominadas. Em relação às classes dominantes, o Estado representa e organiza o interesse político de longo prazo do bloco no poder, entendido não como bloco monolítico, mas como unidade conflitual entre classes e frações de classes, sob a sob a hegemonia e direção de uma classe ou fração hegemônica. Isso é possível, segundo o autor, porque o Estado detém uma autonomia relativa em relação a classes e frações de classe particulares, representando o interesse político de longo prazo da burguesia em seu conjunto, isto é, do capitalista coletivo, embora o faça sob a direção de uma dessas classes ou frações.
Porém, o Estado condensa não apenas a relação de forças entre as frações do bloco no poder, mas também a relação de forças entre as classes dominantes e as classes dominadas Assim, “os aparelhos de Estado organizam-unificam o bloco no poder ao desorganizar dividir continuamente as classes dominadas, polarizando-as para o bloco no poder e ao curto-circuitar suas organizações políticas específicas”. A aparelhagem estatal consagra e reproduz a hegemonia ao estabelecer um jogo de compromissos variáveis e provisórios entre o bloco no poder e determinadas classes dominadas, de acordo com correlações de forças sempre específicas. Dessa forma, o autor afirma que “as lutas populares estão inscritas na materialidade institucional do Estado, mesmo se não se esgotam aí”’.
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