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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O FIM DE UM FARSANTE POPULAR

E vós, aprendei que é necessário ver e não só olhar para o céu; é necessário agir e não apenas falar. Esse monstro chegou quase a governar o mundo! Mas não sejamos afoitos em cantar vitória: o ventre que o gerou ainda é fecundo”.

Bertold Brecht, A resistível ascensão de Arturo Ui
Berlusconi e Mussolini: qualquer semelhança...
O primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, afirmou que se sente como o ditador fascista Benito Mussolini (1922-1943), que, em uma carta, confessou à amante que só servia para dar sugestões e não mais para aprovar leis. “Tenho mais poder como cidadão livre do que como chefe de governo. Estava lendo um livro sobre as cartas de Mussolini a Claretta (Clara Petacci) e, em um momento, ele escreveu: ‘Você não entende que não conto para mais nada? Só posso dar sugestões’. Senti-me na mesma situação”, confessou Berlusconi em uma entrevista ao jornal La Stampa, concedida depois de anunciar sua renúncia ao cargo. O bella, ciao!

Esse cidadão desqualificado, a quem seus concidadãos colocaram no poder por três vezes – ele só caiu pela gravidade da crise econômica –, tem razões de sobra para se sentir como o Duce; além da afinidade ideológica, ele foi o dirigente italiano que mais concentrou poder desde o reinado fascista. Berlusconi, que se projeta como self made man, cresceu se aliando ao que havia de pior na política italiana, a começar por Bettino Craxi, o premiê “socialista” que acabou morrendo no exílio para não ser preso. Outro amigão do peito do Cavalieri foi Lício Gelli, líder da loja maçônica P-2 (Propaganda Due), instituição com notórias ligações com a Máfia, o Banco Ambrosiano (do Vaticano), a extrema-direita neofascista e setores golpistas das Forças Armadas.

Berlusconi começou como incorporador; em 1978 ele fundou o grupo Fininvest, que se tornaria um império midiático e futebolístico - com o Milan - na Itália. Seu patrimônio atingiu cerca de US$ 9 bilhões em 2010, o que o faz o terceiro homem mais rico da Itália. Mas ele se destacou principalmente na política; em 1994, sobre as cinzas da Democracia Cristã, ele lançou a Forza Itália, um partido com ideário liberal-conservador; aliando-se aos xenófobos da Liga Norte e aos neofascistas da Aliança Nacional, ele construiu a coalizão Polo da Liberdade. Chegou ao poder pela primeira vez em 1994; foi reeleito em 2001 e em 2009.

Saluto del capo
Seu itinerário político se confunde com um prontuário policial: ele foi acusado de conluio com a máfia, lavagem de dinheiro, evasão fiscal, participação em homicídio e suborno de policiais e juízes. Foi condenado duas vezes: na primeira, por financiamento ilegal de partidos e, na segunda, por corrupção de inspetores fiscais. Nos dois casos, foi absolvido pelo tribunal de recursos. Em outros quatro processos foi absolvido por prescrição do crime. Alguns destes casos foram registrados durante a fase de investigação, como resultado dos outros que foram iniciados um processo no qual Berlusconi foi absolvido. Em outros processos, foram entregues na primeira instância ou em sede de recurso, as penas por crimes como corrupção judicial, o financiamento ilegal dos partidos políticos e falsa contabilidade. Em alguns, Berlusconi se beneficiou da legislação aprovada pela maioria parlamentar liderada por ele mesmo. Um exemplo desta última é a Lei Alfano, que estabelece que o presidente da República, o primeiro-ministro e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado não podem ser julgados por qualquer delito alheios à sua posição enquanto permanecerem no governo.

De acordo com os jornalistas Marco Travaglio e Enzo Biagi, Berlusconi entrou na política para salvar suas empresas da bancarrota e ele próprio de condenações da Justiça. Se foi isso, ele se saiu melhor que a encomenda. Berlusconi é a simbiose perfeita entre a hegemonia (poder midiático) e a coerção (poder político), no sentido gramsciano do conceito. A controvérsia sobre o conflito de interesses – o fato de ele ser dono de grupo empresarial e chefe do governo – está centrada no uso de seu império midiático para fins políticos, mas há suspeita até de falcatruas financeiras. Depois que começou a ser dirigida por uma equipe apontada por aliados políticos de Berlusconi, a RAI aumentou sua audiência, mas perdeu significativa parcela de seus anunciantes para a Mediaset, integrante do grupo do premiê.


Organizações de defesa da liberdade de imprensa alegam que a liberdade de expressão está sendo cerceada na Itália por causa do virtual monopólio das mídias controladas por Berlusconi – calcula-se que cerca de 90% da mídia italiana esteja em suas mãos. Por causa disso, a organização americana Freedom House rebaixou – como os americanos adoram ser juízes... – a classificação da Itália de “país livre” para “país parcialmente livre” – status compartilhado na Europa ocidental apenas pela Turquia.

De Gasperi ficaria envergonhado
Assistimos ao fim de um líder deplorável, um demagogo da pior espécie, candidato a ditador de opereta com fantasias de machão latino. E o fenômeno aconteceu em plena Itália, país tido como desenvolvido, civilizado e sofisticado. De que adianta terem produzido estadistas como De Gasperi, Togliatti, Aldo Moro e Enrico Berlinguer se acabaram elegendo Berlusconi como líder? E ainda tem gente que sonha com passaporte europeu...

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