Powered By Blogger

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

GALERIA DA INFÂMIA

O tenente-coronel Maurício Lopes Lima
Trecho final da matéria do grande jornalista Luís Claudio Cunha sobre os dilemas da Comissão da Verdade, entre eles o caso do tenente-coronel Maurício Lopes Lima; hoje, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região extinguiu processo que o responsabilizava, durante a ditadura, pela tortura da então militante da VPR Dilma Rousseff. O juiz federal Santoro Facchini entendeu que os possíveis crimes já prescreveram e que, por conseguinte, o processo está encerrado – embora a tortura seja considerada crime imprescritível, inclusive no Brasil.



O torturador de Dilma vai depor?

Luis Cláudio Cunha


[...]

A impunidade, estimulada pelos quartéis e abençoada pelo STF, será sacramentada na Comissão da Verdade pelo desfile inócuo de personagens que, desde já, sabem que nada do que for revelado — se revelado — produzirá quaisquer efeitos ou danos jurídicos. A fantasia da imparcialidade oculta a certeza de que os únicos crimes a serem investigados são os do aparelho de terror do Estado, até hoje intocado e intocável no Brasil.

Os militantes que combateram a ditadura com o desespero da luta armada foram confrontados, caçados, presos, torturados, desaparecidos ou mortos. Os que sobreviveram foram processados, condenados, encarcerados e, anos depois, anistiados pela mesma lei que espertamente acabou beneficiando seus algozes. Uma sobrevivente foi uma guerrilheira da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), ‘Estela’, codinome de uma economista mineira chamada Dilma Rousseff, presa e torturada em 1970 no DOI-CODI de São Paulo. Sobreviveu e foi condenada pela Justiça Militar a seis anos de prisão. Cumpriu três e, com o recurso, acabou punida com dois anos e um mês de cadeia. “Sobraram 11 meses, que eles não me devolveram. Sou credora do país”, brincava Dilma, então chefe da Casa Civil de Lula, numa entrevista que fiz com ela no final de 2005 para a revista IstoÉ.

Os vitoriosos, que comandavam os prédios públicos e os porões com as ferramentas de suplício do terrorismo de Estado, saíram impunes e ilesos desse confronto desigual. Os perdedores, que sangraram nas celas imundas do aparato repressivo clandestino do regime de tortura e censura que impuseram ao país durante duas décadas, escaparam com suas vidas destroçadas, os corpos machucados e o estigma de ‘terroristas’, ironicamente outorgado pelos terroristas oficiais que os combateram à margem da lei e da civilização. Um lado pagou, até com o sangue e a vida, as suas penas. O outro lado nem passou pelo singelo constrangimento do devido processo legal. Como é típico de um ‘governo chamado militar’.

A Comissão da Verdade não perderá seu tempo se convocar o depoimento de um pacato veranista das águas mansas da praia das Astúrias, no litoral paulista do Guarujá, onde vive o anônimo Maurício Lopes Lima. É um tenente-coronel reformado do Exército. Nos anos 70, era um dos mais temidos capitães do DOI-CODI da rua Tutóia, o maior centro de torturas do país.

Um dia chegou às suas mãos um sobrevivente da máquina de moer carne do DOPS do notório delegado Sérgio Fleury: o dominicano Tito de Alencar Lima, o frei Tito, ligado à ALN de Marighella e do senador Aloysio Nunes Ferreira. O capitão Lopes Lima deixou o judiado Tito sob o trato nada misericordioso de seis homens de sua equipe e do ímpio pau-de-arara.

O nome do bonzinho

Frei Tito de Alencar
No seu depoimento à Justiça, frei Tito contaria depois: “O capitão Maurício veio me buscar em companhia de dois policiais. ‘Você agora vai conhecer a sucursal do inferno’, ele disse”. Santa verdade. Meses depois, cada vez mais atormentado pelos demônios da tortura, frei Tito foi para o exílio e acabou se enforcando no bosque de um mosteiro nos arredores de Lyon, França, em 1974, um mês antes de completar 30 anos. Em novembro do ano passado, quatro dias após a eleição para presidente da ex-guerrilheira que sobreviveu à sucursal do inferno do capitão, o Ministério Público Federal ingressou com uma ação civil pública na 4ª Vara Cível de São Paulo contra três oficiais do Exército e um da PM, acusados pela morte em 1971 de seis presos políticos e pela tortura em 20 guerrilheiros. Um dos oficiais é o capitão Lopes Lima, uma das guerrilheiras é Dilma Rousseff.

Com o cinismo típico de sua turma, o capitão Lopes Lima deu uma entrevista ao jornal Tribuna de Santos, logo após a eleição de sua ex-presa: “Se eu soubesse naquela época [1970] que ela seria presidente, eu teria pedido – ‘Anota aí meu nome, eu sou bonzinho’”. A Comissão da Verdade devia anotar o nome do hoje tenente-coronel Maurício Lopes Lima e convocar para depor o homem que garante saber muito mais sobre o Brasil daqueles duros tempos: “Tortura era a coisa mais corriqueira que tinha. Toda delegacia tinha seu pau-de-arara. Dizer que não houve tortura é mentira, mas dizer que todo delegado torturava também é mentira. Dependia da índole”, disse ele ao jornal. A índole de Lopes Lima era bem conhecida por Dilma, que o vetou como testemunha de acusação no seu processo da Justiça Militar: “O capitão é torturador e, portanto, não pode ser testemunha”, esbravejou a torturada.

Quando foi presa, aos 22 anos, Dilma foi levada pelo antecessor do DOI-CODI, a OBAN (Operação Bandeirante), para a rua Tutóia, o mesmo destino do jornalista Wladimir Herzog cinco anos depois. Lá, ele aguentou um dia de tortura — e morreu. Dilma suportou 22 dias – e sobreviveu. “Levei muita palmatória, me botaram no pau-de-arara, me deram choque, muito choque. Comecei a ter hemorragia, mas eu aguentei. Não disse nem onde morava. Um dia, tive uma hemorragia muito grande, hemorragia mesmo, como menstruação. Tiveram que me levar para o Hospital Central do Exército. Encontrei uma menina da ALN: ‘Pula um pouco no quarto para a hemorragia não parar e você não ter que voltar’, me aconselhou ela”, segundo o dramático relato que Dilma fez em 2002 ao repórter Luiz Maklouf Carvalho.

A oitiva do torturador da presidente é fundamental porque os documentos sobre ele estão virando farelo, como a broa dos imortais da Academia. No início de julho passado, o jornal Correio Braziliense noticiou o estranho sumiço, nos arquivos do Exército, dos documentos funcionais do tenente-coronel Lopes Lima. O ministro da Defesa Nelson Jobim informou ao Ministério Público, com a candura dos inocentes, que os documentos que poderiam atestar a tortura em Dilma tinham sumido: “Vários dos possíveis documentos referentes aos acontecimentos mencionados, bem como os eventuais termos de destruição, foram destruídos [sic]". Ou seja, os documentos foram deliberadamente destruídos e os papéis que atestavam esta autorização também sumiram…

No ato solene do Planalto, a presidente Dilma falou da importante conexão entre a criação da Comissão da Verdade e a lei que escancara, sem qualquer restrição, os documentos sobre abusos aos direitos humanos. “Uma não existe sem a outra. Uma é pré-requisito para a outra”, reforçou. Minutos antes, falando ao vivo na tv estatal NBR, a secretária nacional de promoção dos direitos humanos da Presidência da República, Nadine Borges, foi ainda mais otimista: “Não estamos partindo do zero, em termos de documentação. Só no Arquivo Nacional temos mais de 20 milhões de documentos do Projeto Memória Revelada”.

O começo do fim
Nessa bolada de papéis, porém, não estão os documentos esfarelados do Exército sobre o torturador de Dilma. Dele e de muitos mais. Em julho passado, falando ao jornal O Estado de S.Paulo, o sonso Nelson Jobim explicava ao repórter porque não acreditava em polêmica sobre o fim do sigilo sobre papéis sensíveis do período da ditadura: “Não há documentos [sobre o regime militar]. Nós já levantamos e não têm. Os documentos já desapareceram, foram consumidos [sic] à época”, disse o então ministro da Defesa, sem explicar quem consumiu e como desapareceu um acervo sob a guarda de instituições militares que jamais denunciaram este espantoso sumiço. Naquela época, Jobim reclamava estar cercado por idiotas, o que não é difícil de entender.

Pau de arara, instrumento de tortura que perdura até hoje nas delegacias
Com este mau exemplo de cima, é difícil ser otimista quanto à boa vontade dos órgãos militares e antigas repartições do aparato repressivo para fornecer documentos oficiais à curiosidade dos cidadãos brasileiros. A melhor esperança para acesso a papéis fundamentais de nossa história recente é a memória privatizada dos tempos da ditadura. Veteranos das Forças Armadas ou velhos servidores da repressão devem guardar em baús escondidos em suas casas os documentos que, em algum momento, sobreviveram ao sumiço programado de evidências incômodas sobre abusos cometidos nos porões. De repente, um ou outro arquivo costuma aparecer em reportagens esparsas de jornais e revistas, brindados com depoimentos de torturadores arrependidos ou testemunhas inesperadas.

A nova circunstância política criada pela lei pioneira de acesso a documentos e pela nascente Comissão da Verdade pode gerar um clima de confiança que desperte a memória ou injete confiança em personagens imprevistos que podem jogar luz sobre a treva espessa do regime militar. Por si só, a lei e a comissão não têm instrumentos ou indução para forçar a passagem da verdade, enredados num cipoal de restrições legais e condicionantes calculadas que inibem o acesso a novas informações. Como sempre, a pressão da sociedade civil é que irá determinar se a Comissão da Verdade terá, ou não, fôlego para remover o entulho de mentiras da ditadura.

A  tardia e enfraquecida Comissão da Verdade talvez não represente o fim da ditadura finada em 1985, mas pode ser o começo do fim da impunidade insepulta há um quarto de século. Um bom início é começar pelo fim, mostrando força para convocar e ouvir o homem que torturou a presidente da República.

Anotem o nome dele: tenente-coronel reformado do Exército Maurício Lopes Lima, o bonzinho.

Se vencer esta primeira batalha de fogo, a Comissão da Verdade mostrará que é, realmente, de verdade.




______________________________________________________________


Nomes aos bois
Já que a Comissão da Verdade vai finalmente ser instalada, eis aqui os nomes de alguns dos torturadores mais notórios da ditadura – muitos já foram desta para melhor, outros permanecem como mortos-vivos e outros ainda, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, são como vampiros que não morrem nunca. Os nomes foram tirados do site conversaafiada, do Paulo Henrique Amorim:

Brilhante Ustra: assassino impenitente
1) Cinco militares decisivos do DOI-CODI de São Paulo no Governo Geisel: os capitães Homero César Machado, Dalmo Lúcio Cirillo, Benoni de Arruda Albernaz, os majores Inocêncio Fabrício de Mattos Beltrão e Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foram seus comandantes. Ustra criou e comandou o DOI da rua Tutóia entre 1970 e 74. Nos seus 40 meses de comando, morreram ali 40 presos e houve 502 denúncias de tortura, segundo levantamento da Arquidiocese de São Paulo, do cardeal d. Paulo Evaristo Arns.

2) Coronel Francisco Homem de Carvalho, o Carvalhinho, Comandante da PE do Exército na Barão de Mesquita fundador do SNI com Golbery e comensal do general toda segunda-feira.

3) General-de-Brigada Confúcio Danton de Paula Avelino, chefe do CIE quando morreu em SP o operário Manoel Fiel Filho, em fevereiro de 1975, quatro meses após a morte (também por enforcamento) do jornalista Vladimir Herzog, o que levou à exoneração do general Ednardo D´Ávila Mello do comando do II Exército.


4) General-de-Brigada Reformado Valmir Fonseca Azevedo Pereira, comandante (ou presidente) do site Ternuma (Terrorismo Nunca Mais), que reúne militares da reserva e nostálgicos da ditadura. O patrono do site é o general Garrastazu Médici.

5) Cabo Félix Freire Dias, codinome ‘Dr. Magno’ ou ‘Dr. Magro’. O homem que esquartejou o deputado Rubens Paiva, um dos desaparecidos do regime, na ‘Casa da Morte’ em Petrópolis, centro clandestino de tortura do DOI-CODI carioca.

6) General-de-Divisão Antônio Bandeira, comandante da PF e dos Exércitos em Porto Alegre e Recife. Morreu deixando com a filha um baú de documentos, divulgado em parte pelo jornalista Amaury Ribeiro Jr. em O Globo.

7)Sargento Marival Chaves Dias do Canto, ex-integrante do CIE, que ouviu do cabo Félix o relato do esquartejamento de Rubens Paiva.


8) Tenente-coronel José Antônio Nogueira Belham, sucessor de Ustra na chefia do Setor de Operações do CIE, em Brasília, e chefe do DOI-CODI do Rio (como major, em 1971), quando Rubens Paiva passou por sua repartição, na rua Barão de Mesquita.


9) Brigadeiro João Paulo Burnier, linha-dura da Aeronáutica, que mandou prender Sérgio Macaco em 1968 quando o capitão do Para-Sar se recusou a plantar a bomba terrorista no Gasômetro do Rio. Morto, para felicidade geral da nação.

10) Coronel aviador Pedro Correa Cabral, piloto de helicóptero no combate à guerrilha do Araguaia. Transportou cadáveres dos guerrilheiros para a Serra das Andorinhas, a 100 km de Xambioá.


11) Major Adyr Fiuza de Castro, comandante do DOI-CODI do Rio no governo Geisel. Era a versão carioca de Ustra, o chefe do DOI paulista. Chegou a general.

12) Delegado Edgar Fuques, da Polícia Federal. Comandava a seção de investigações da PF no sul, em 1978, quando houve o sequestro dos uruguaios Lilian Celiberti e Universindo Diaz. Fez um relatório concluindo que não houve sequestro.

13) Delegado Marco Aurélio Garcia, diretor do DOPS gaúcho, que sequestrou os uruguaios.

14) Delegado Pedro Seelig, chefe da operação de prisão e tortura dos uruguaios, maior nome da repressão no sul do país.

15) Inspetor Nilo Hervelha, do DOPS gaúcho, braço direito de Seelig, citado pelos presos como o torturador mais violento.

16) Médico psicanalista Amílcar Lobo, atendia no DOI-CODI da Barão de Mesquita e subia a serra encapuzado sob o codinome de ‘Dr. Carneiro’ para remendar os torturados da ‘Casa da Morte’ em Petrópolis – segundo depoimento da ex-presa política Inês Etienne, que sobreviveu ali 96 dias entre maio e agosto de 1971. Lobo admitiu em 1987 ter atendido no DOI carioca, com vida, o membro do PCB David Capistrano, outro ilustre desaparecido do regime, como Rubens Paiva, que Lobo também atendeu no DOI, ainda vivo, cheio de hematomas, horas antes de morrer – e desaparecer.

17) Coronel do Exército Attila Rohrsetzer, chefe da DCI (Divisão Central de Informações), que integrava todo o sistema de inteligência no sul do país. Era um dos 20 denunciados no inquérito policial-militar aberto e logo concluído, sem nenhum acusado, que investigou a morte do sargento Manoel Raimundo Soares, que apareceu em 1966 manietado às costas, boiando num afluente do Guaíba, após 150 dias de prisão e tortura no DOPS gaúcho. A Assembléia do Rio Grande do Sul abriu uma CPI para o ‘Caso das Mãos Amarradas”.

Instalações do DOI-CODI nos anos 1970
18) General Thaumaturgo Sotero Vaz, veterano do combate à guerrilha do Araguaia, ex-comandante do CIGS (Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus) e um dos representantes ocultos do Brasil (como major) na reunião secreta convocada por Pinochet que fundou a Operação Condor em Santiago do Chile, em novembro de 1975. O outro representante do Brasil era o então coronel Flávio de Marcos, também veterano do Araguaia. Por ordem de Geisel, o Brasil estava lá como ‘observador’ e, por isso, não assinou a ata de fundação da Condor, firmada pelas outras cinco ditaduras do Cone Sul.

19) General Danilo Venturini, chefe da Casa Militar de Figueiredo, ex-diretor da ESNI (Escola Nacional de Informações, do SNI, no Governo Geisel) e comandante do Batalhão da Guarda Presidencial na época de fundação da Condor.

A esta lista, eu acrescentaria o médico Harry Shibata, que assinava os atestados de óbitos dos prisioneiros assassinados no DOI-CODI e que teve o CRM cassado mas continua livre, leve e solto por aí.  Mas a lista é enorme e deve ser aumentada...  

5 comentários:

  1. Sabe porque não há comentários, porque esse assunto cheira a naftalina.

    ResponderExcluir
  2. punição para os torturadores!

    ResponderExcluir
  3. Eu e toda minha família passamos por essa época e nunca fomos perseguidos, torturados, mortos, esquartejados, molestados, estuprados, sequestrados, assaltados. Nunca ficamos sem uma educação muito boa, segurança, moradia. Podíamos brincar à vontade nas ruas até tarde da noite, sem medo de bandidos. Não sabíamos ou tínhamos qualquer contato com drogas ou nossos bairros eram dominados facções de CV ou PCC. Éramos do povo e tínhamos toda a liberdade do mundo, porque respeitávamos a Lei e a Ordem. Estranho é que os "torturados" e "sobreviventes" daquela época, estão hoje no poder e sendo julgados por corrupção, roubo, desfalques, desvios...Grandes heróis mesmo...Fique com eles e faça bom proveito!!!

    ResponderExcluir