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terça-feira, 14 de junho de 2011

LÁ, COMO CÁ


Ollanta Humala, novo presidente do Peru

Essa análise do jornal argentino Página/12, transcrita abaixo, mostra o papel da grande mídia na campanha presidencial do Peru, na qual ela cerrou fileiras em torno da candidata da oligarquia, Kiko Fujimori, desencadeando uma campanha suja contra o candidato de centro-esquerda – afinal eleito presidente – Ollanta Humala. Um paralelo notável com o que aconteceu no Brasil no ano passado, quando Dilma Rousseff foi eleita presidente a despeito de ter quase toda a grande mídia contra si.

Martín Granovsky, do Página/12

“Se acontece mais de uma vez, não deve ser casualidade. E aconteceu. Ollanta Humala ganhou o segundo turno apesar do ataque virulento do El Comercio, o grupo midiático que domina o mercado do Peru. O fenômeno repete o que ocorreu nas últimas eleições presidenciais sul-americanas, vencidas pela brasileira Dilma Rousseff, em outubro último, com 54% dos votos.

O grupo El Comercio, da família Miró Quesada, controla o jornal do mesmo nome. Foi fundado no século XIX como La Nación, tem o peso empresarial do grupo Clarín e dispõe da capacidade articuladora de interesses que, juntos, ambos representam. Também é co-proprietário da TV Peru, que por sua vez controla a Plural TV, que por sua vez controla a Companhia Peruana de Radiodifusão e Produtora Peruana de Informação (Canal N). Além do jornal El Comercio, o grupo é dono de outros três, Trome, Peru.21 e Gestão, e das revistas Somos, Ruedas y Tuercas, e PC World.


Foi daí que partiu o bombardeio massivo (“cargamontón”, como se diz no Peru) contra Humala e a defesa de Keiko Fujimori.


Na agressão, El Comercio perdeu seu principal colunista, Mario Vargas Llosa. O escritor deu instruções ao jornal El País, da Espanha, que vende suas colunas, para mudar-se para o jornal La República, onde começou a publicar no domingo das eleições. Antes enviou uma carta de renúncia a Francisco Miró Quesada, Diretor do El Comercio. Vargas Llosa escreveu:

'Desde que um punhado de acionistas, encabeçados pela senhora Martha Meier Miró Quesada, tomou o controle desse diário e do grupo de canais de televisão e periódicos dos quais é proprietário, o jornal se converteu em uma máquina propagandista da candidatura de Keiko Fujimori, violando as mais elementares noções da objetividade e da ética jornalística; silencia e manipula informações, deforma os fatos, abre suas páginas às mentiras e calúnias que podem prejudicar o adversário, ao mesmo tempo em que, em todo o grupo, jornalistas independentes são demitidos ou intimidados, e se recorre às insídias e golpes baixos dos piores pesquisas que vivem do sensacionalismo e do escândalo'.


E acrescentou:

'Não posso permitir que minha coluna Pedra de toque siga aparecendo nesta caricatura do que deve ser um órgão de expressão genuinamente livre, pluralista e democrático'.


Vargas Llosa não é um esquerdista desaforado. Os leitores do Página/12 tiveram a oportunidade de conhecer em primeira mão, na entrevista publicada no dia 22 de abril, suas advertências contra 'as debilidades coletivistas' dos social-democratas e sua afirmação de que 'a intervenção do Estado gera injustiça'.

Em 1990, após ser considerado favorito, Vargas Llosa perdeu as eleições para Alberto Fujimori, que o derrotou no segundo turno. Depois, em 1992, o escritor se opôs ao auto-golpe e à dissolução do Parlamento. A reação de Fujimori foi tão violenta que a Espanha concedeu nacionalidade a Vargas Llosa para apoiá-lo.

O caso de Vargas Llosa marca um ponto interessante no debate sobre os meios e o poder. Vargas Llosa deixou o jornal El Comercio porque viu ferido seu narcisismo ante uma possível vitória de Keiko Fujimori, a filha do tirano? É uma pergunta que não tem resposta. Talvez tampouco tenha sentido. Na política, valem os fatos. E Vargas Llosa produziu três. Um, anunciar seu voto para Alejandro Toledo, no primeiro turno. Disse que eleger Humala ou Keiko era 'escolher entre o HIV e o câncer'. O segundo fato, depois da derrota de Toledo, foi avisar que votariam em Humala considerando-o um 'o mal menor'. O terceiro foi abandonar o El Comercio.

O criador e a criatura, Keiko Fujimori

Para além do que vai ocorrer no futuro entre Humala e Vargas Llosa, uma hipótese é possível: o autor de 'Os cachorros' deixou El Comercio porque acreditou que o grupo midiático ultrapassou um limite. Qual? O limite da democracia. Vargas Llosa é um liberal que, com incongruência, apoia neoconservadores que sustentaram ditaduras, como Milton Friedman no caso do Chile, às quais ele mesmo se opôs. Convém levar em conta que Humala ganhou no segundo turno por pouco menos de 3% dos votos: 51,45% contra 48,54. Se sua base foram os pobres da serra e os pobres do litoral, é evidente que conseguiu desequilibrar o resultado com o apoio de uma parte dos setores médios e inclusive de setores médios com explícitas ideias de centro-direita, como Vargas Llosa.


Humala derrotou o grupo El Comercio? Talvez seja mais proveitoso experimentar outro cenário: Humala liderou uma mudança e entrou em sintonia com ela, enquanto El Comercio foi contra. E a mudança – presente no humor social, no sentido comum, na alma dos peruanos – varreu tanto Keiko como o El Comercio. Se os grandes grupos de poder não são invencíveis, por que o seriam os grupos midiáticos gigantes que articulam a expressão desses grupos? Por que triunfariam quando diante deles há uma aliança social e uma construção política.


O nome de Lula ressoou na campanha peruana. É possível que, como símbolo, a palavra Lula desperte menos resistências que a palavra Chávez. Mas, como estratégia de fundo e não só de marketing eleitoral, Humala se inspirou no método lulista de alianças. Entre o primeiro e o segundo turno, não teve dúvida em reunir-se com Toledo, em agradecer o apoio de Vargas Llosa e em prometer que faria 'um governo de concertação nacional' baseado na honestidade. E, ao mesmo tempo, manteve sua promessa dupla de ampliar as políticas sociais de educação, assistência e saúde e de implantar um imposto especial para a renda extraordinária da mineração. O grupo El Comercio, como Keiko, acabou indo contra a maioria dos peruanos que acreditaram no projeto de Humala.

El Comercio não se deu por vencido nem quando o escrutínio atingiu um ponto sem retorno. No dia 7 publicou a seguinte manchete: 'Incerteza por falta de sinais claros'. Em um dos títulos secundários admitia que 'o volume de negociações foi baixo', mas assinalava que 'a Bolsa de Valores de Lima teve a pior queda da história, com 12,45%'. Acrescentava que 'especialistas sustentam que devem ser definidas com rapidez as novas cabeças do Ministério de Economia e Finanças e do Banco Central' e, em um editorial, indicava que 'o novo presidente deve dar uma mensagem tranquilizadora aos cidadãos, ao mercado e aos setores econômicos'. Puro terrorismo financeiro.

No mesmo dia, o jornal La República escolheu outro título: 'Ollanta dá o primeiro passo'. Informava sobre a designação de uma comissão de transferência do poder desde o triunfo até a posse, dia 28 de julho, sob o comando da vice-presidenta eleita Marisol Espinoza.


La República publicou uma interessante coluna do historiador Nelson Marique, 'Balanço de feridos'. 'As dúvidas em torno do que um governo de Humala poderia representar foram minimizadas pela perspectiva de contribuir para o retorno do fujimorismo', escreveu Manrique. 'Não conheço nenhum outro momento da história peruana em que tenha se produzido uma convergência tão ampla e comprometida de escritores, cientistas políticos, cineastas, sociólogos, jornalistas, historiadores, linguistas, educadores, etc., em torno de uma causa comum resumível em duas palavras: decência e dignidade'. Para Manrique, esse 'aval ético' envolve 'a responsabilidade de exercer vigilância sobre os atos do novo governo'.

Alberto Fujimori e os militares, nos quais se apoiou para governar

É aguda a análise sobre a contribuição do grupo El Comercio para o triunfo de Humala. 'Desempenhou também um papel importante o ‘efeito saturação’ provocado pela campanha de demolição empreendida pela maioria dos meios de comunicação contra Ollanta Humala. Quando, em uma campanha propagandista, se baixa de um certo ponto, ela deixa de ser efetiva e acaba produzindo o efeito contrário ao desejado. O bombardeio midiático ultrapassou amplamente esse limite e suas mensagens não só deixaram de funcionar, como alimentaram o ceticismo dos espectadores em relação ao desempenho do grosso da imprensa, rádio e TV. O desempenho do grupo El Comercio merece uma menção especial, pois fez um esforço homérico para destruir sua própria credibilidade'.

Segundo Marinque, El Comercio passou tanto, mas tanto, do limite que, ao final, se converteu 'em uma excelente recordação de como foram os tempos de Fujimori'.

Lula governou oito anos com a oposição ferrenha do jornal Folha de São Paulo, da revista Veja e da Rede Globo. Deixou o poder no dia 1° de janeiro deste ano com uma popularidade superior a 80%. A melhoria real da vida dos brasileiros, mais sua percepção subjetiva de uma melhora – Lula sempre fala da recuperação da autoestima e esse foi seu elogio a Néstor Kirchner no velório do ex-presidente – atuaram como um dique de contenção contra o qual se esborrachou o bombardeio da grande mídia do Brasil.”

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