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sexta-feira, 1 de abril de 2011

FAVORITOS

Divisa


Minha divisa principal (tenho mais de uma) é: Eu faço aquilo que posso –


com essa significação de que eu vivo profundamente aquilo que não posso.






Eu me amo em ato; eu me odeio em potência.


Paul Valéry (1871-1945)




O que há


Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada —

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,


Porque eu desejo impossivelmente o possível,


Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,


Ou até se não puder ser...




Tabacaria



Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada.

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.



Álvaro de Campos (1890-1935)


THE SECOND COMING

Turning and turning in the widening gyre


The falcon cannot hear the falconer;


Things fall apart; the centre cannot hold;

Mere anarchy is loosed upon the world,

The blood-dimmed tide is loosed, and everywhere

The ceremony of innocence is drowned;

The best lack all conviction, while the worst

Are full of passionate intensity



(A Segunda Vinda


Girando e girando a voltas crescentes

O falcão não escuta o falcoeiro.

Tudo se parte; o centro não sustenta.


Mera anarquia avança sobre o mundo,


Marés sujas de sangue em toda parte


Os ritos da inocência sufocados.

Os melhores sem suas convicções,


Os piores com as mais fortes paixões)


W. B. Yeats (1865-1939)






Desencanto


Eu faço versos como quem chora


De desalento... de desencanto...


Fecha o meu livro, se por agora

Não tens motivo nenhum de pranto.





Meu verso é sangue. Volúpia ardente...


Tristeza esparsa... remorso vão...


Dói-me nas veias. Amargo e quente,


Cai, gota a gota, do coração.





E nestes versos de angústia rouca

Assim dos lábios a vida corre,


Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.




Arte de Amar
Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.


A alma é que estraga o amor.


Só em Deus ela pode encontrar satisfação.

Não noutra alma.


Só em Deus — ou fora do mundo.


As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas as almas não.






NU


Quando estás vestidas,


Ninguém imagina


Os mundos que escondes


Sob as tuas roupas.





(Assim, quando é dia,


Não temos noção


Dos astros que luzem


No profundo céu).






Mas a noite é nua,


E, nua na noite,


Palpitam teus mundos

E os mundos da noite.




 O último poema

Assim eu quereria o meu último poema.

Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais


Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas


Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume

A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos


A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

Manuel Bandeira(1886-1968)




VERDADE

A porta da verdade estava aberta,


mas só deixava passar


meia pessoa de cada vez.




Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava


só trazia o perfil de meia verdade.


E sua segunda metade

voltava igualmente com meio perfil.

E os meios perfis não coincidiam.




Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram ao lugar luminoso

onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em metades

diferentes uma da outra.




Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

Nenhuma das duas era totalmente bela.

E carecia optar. Cada um optou conforme

seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade(1902-1987)

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