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quinta-feira, 14 de abril de 2011

DE COMO O INDIVIDUALISMO DESLOCOU O COLETIVISMO

último livro de Tony Judt (O mal ronda a Terra) traz, entre outras coisas, reflexões perspicazes sobre a geração dos baby boomers, a rebelião juvenil de 1968 e a weltanschaaung (visão de mundo) da nova esquerda da época. Não é preciso concordar com tudo o que Judt escreve para reconhecer a profundidade de suas análises. Mas é claro que ele se refere à juventude dos países capitalistas desenvolvidos; nosotros abaixo do Equador, bem como os tchecos, sob botas, tanques e baionetas, éramos diferentes:

Estudante enfrenta policiais do CRS em Paris, maio de 1968
“Para a nova geração, a “mudança” não viria pela ação da massa disciplinada, conforme a orientação dos porta-vozes autorizados. A própria mudança parecia ter se deslocado para o mundo em desenvolvimento, ou ‘terceiro’ mundo (Argélia, Vietnã, Congo, Colômbia, China, Bolívia, Chile, citações minhas). A iniciativa de inovação e ação radical agora se encontrava nos camponeses distantes ou no novo grupo de cidadãos revolucionários. No lugar do proletariado masculino, agora havia categorias como negros, estudantes, mulheres e, um pouco depois, homossexuais.”

[...]

“Acima de tudo a nova esquerda – formada por uma imensa maioria de jovens – rejeitava o coletivismo herdado de seus predecessores. Para a geração anterior de reformistas [...] era evidente que ‘justiça’, ‘igualdade de oportunidades’ ou ‘segurança econômica’ eram objetivos comuns que só poderiam ser atingidos pela ação conjunta. Quaisquer que fossem as deficiência dos dirigentes, estas seriam o preço a pagar pela justiça social – e um preço que valeria muito a pena.

A "identidade" pautou o discurso político dos jovens dos anos 1960
“Uma parte da juventude via as coisas de modo bem diferente. A justiça social não preocupava mais os radicais. A geração dos anos 1960 não se unia em torno dos interesses comuns, mas sim das necessidades e dos direitos de cada um. O ‘individualismo’ – a afirmação da exigência pessoal de liberdade privada maximizada e irrestrita para exprimir desejos autônomos que fossem respeitados e institucionalizados pela sociedade como um todo – tornou-se a própria palavra de ordem da esquerda naquele momento. ‘Cuidar da própria vida’, ‘deixar rolar’, ‘fazer o amor e não a guerra’: não são metas sem atrativos, mas no fundo trata-se de objetivos privados, e não bens públicos. Como seria de se esperar, eles levaram à afirmação abrangente de que ‘o pessoal é político’.


Woodstock, 1969: paz, amor e individualismo
 A política dos anos 1960 desenvolveu-se então em um conjunto de reivindicações individuais sobre o Estado e a sociedade. A ‘identidade’ passou a colonizar o discurso público: identidade privada, identidade sexual, identidade cultural. Daqui à fragmentação da política radical e sua metamorfose em multiculturalismo foi um passo curto (grifos meus). Curiosamente, a nova esquerda permaneceu sensível aos atributos coletivos dos humanos que residiam em terras distantes, onde podiam ser reunidos em categorias sociais anônimas como ‘camponeses’, ‘pós-coloniais’, ‘subalternos’ e assim por diante. Em casa, porém, o indivíduo reinava supremo.


[...]

"Mas o individualismo da nova esquerda não respeitava nem o propósito coletivo nem a autoridade tradicional: afinal de contas, era tanto nova quanto de esquerda. O que lhe restava era o subjetivismo do interesse e do desejo privados – medido de modo pessoal. Isso, por sua vez, conduzia ao recurso do relativismo estético e moral: se algo é bom para mim, não me cabe determinar se é bom ou mal para outros – muito menos impor isso a eles (‘cuidar da própria vida’).

[...]

"Isso não quer dizer que a nova geração radical era insensível à injustiça ou à política maligna: os protestos contra a Guerra do Vietnã e os conflitos raciais dos anos 1960 não foram insignificantes. Mas se distanciaram do senso de propósito coletivo, sendo vistos como uma extensão da manifestação e da raiva individual.

"Os paradoxos da meritocracia – a geração dos anos 1960 foi acima de tudo o bem-sucedido produto dos Estados de bem-estar social sobre os quais despejava seu desprezo juvenil – refletiam falta de coragem. As antigas classes dominantes deram lugar a uma geração de engenheiros sociais bem-intencionados, mas nenhuma das duas estava preparada para a rejeição radical de seus filhos. O consenso implícito das décadas do pós-guerra se rompera e um consenso novo, decididamente artificial, começava a emergir em torno do interesse particular. Os jovens radicais jamais teriam descrito seus objetivos desta forma, mas foi a distinção entre a valorizada liberdade pessoal e os irritantes constrangimentos públicos que mais mexeu com suas emoções. E essa distinção, ironicamente, também descrevia a nova direita emergente”.

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