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sexta-feira, 29 de abril de 2011

A REPÚBLICA INGLESA, BERÇO DA REVOLUÇÃO BURGUESA

Os que estão embasbacados com o casamento real nem sequer imaginam, mas a Inglaterra já foi uma república, berço da primeira revolução burguesa do Ocidente. Seu principal líder foi Oliver Cromwell (1599-1658), uma espécie de Robespierre e Napoleão avant la lettre, só que inglês. Ele criou um exército para lutar ao lado das forças do Parlamento contra o rei Charles I na guerra civil que deu origem à Revolução Inglesa de 1642. Embora Cromwell não tivesse nenhuma experiência militar até os 43 anos, ele criou e liderou uma poderosa força de cavalaria, os “Ironsides” e, em três anos, subiu da patente de capitão a tenente-general. Ele convenceu o Parlamento a estabelecer um exército profissional – o New Model Army – que ganhou as batalhas decisivas contra as forças do rei em Naseby (1645).

A monarquia foi abolida e proclamada a república. A aliança do rei com os escoceses e sua subsequente derrota na Segunda Guerra Civil convenceu Cromwell que o monarca deveria ser julgado. Ele teve um papel decisivo no julgamento e na execução de Charles I em 1649. Note-se que a sentença determinava a execução do rei de Inglaterra, ao contrário do que acontecerá no julgamento de Luís XVI, rei de França, em 1793, quando o ex-monarca será sempre referido como “cidadão Luís Capeto”. Conforme observou Cromwell na ocasião, “executaremos o rei com a coroa na cabeça”.

Oliver Cromwell
Na sequência, ele lutou para conquistar o apoio dos conservadores para a nova república por meio da supressão de elementos radicais do exército. Cromwell esmagou a resistência na Irlanda em 1649 e depois derrotou as forças que apoiavam o filho de Charles I, Charles II, o que acabou com a guerra civil. Em 1653, frustrado com a falta de progresso político, Cromwell dissolveu o Parlamento e autonomeou-se “Lord Protector”.

Em 1657, foi lhe ofereciada a coroa de rei, mas ele recusou. Organizou a igreja nacional (anglicana), estabeleceu o domínio dos puritanos, readmitiu os judeus no país e instaurou um relativo grau de tolerância religiosa. Cronwell morreu em 3 de setembro de 1658 em Londres. Depois da Restauração monárquica, seu corpo foi desenterrado e enforcado. É, os monarquistas não perdoam... 

Charles I insultado por soldados de Cromwell, de Paul Delaroche
“O que caracteriza a Revolução Inglesa é que pela primeira vez na história, um rei ungido foi julgado por faltar à palavra dada a seus súditos e decapitado em público, sendo seu cargo abolido. Aboliu-se a Igreja estabelecida, suas propriedades foram confiscadas e se proclamou - e inclusive se exigiu - uma tolerância religiosa bastante ampla para todas as formas do protestantismo. Por um breve espaço de tempo, e provavelmente pela primeira vez, apareceu no cenário da história um grupo de homens que falavam de liberdade, não de liberdades: de igualdade, não de privilégios; de fraternidade, não de submissão. Estas idéias haveriam de viver e reviver em outras sociedades e em outras épocas. Em 1647, o puritano John Davenport predisse com misteriosa exatidão que "a luz que acabava de ser descoberta na Inglaterra... jamais se extinguirá por completo, apesar de eu suspeitar que durante algum tempo prevalecerão idéias contrárias.


Ainda que a revolução fracassasse aparentemente, sobreviveram idéias de tolerância religiosa, limitações do poder executivo central a respeito da liberdade pessoal das classes proprietárias e uma política baseada no consentimento de um setor muito amplo da sociedade. Essas idéias reaparecerão nos escritos de John Locke e se consolidarão [...] com organizações partidárias bem desenvolvidas, com a transferência de amplos poderes ao Parlamento, com um Bill of Rights e um Toleration Act, e com a existência de um eleitorado assombrosamente numeroso, ativo e articulado. É precisamente por estas razões que a crise inglesa do século XVII pode aspirar a ser a primeira "Grande Revolução" na história mundial, e portanto, um acontecimento de importância fundamental na evolução da civilização ocidental.”


Lawrence Stone, A Revolução Inglesa

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A VIRTUDE PAGÃ, DE MAQUIAVEL A KENNAN


Nicolau Maquiavel
"A virtude pagã de Maquiavel é uma virtude pública, ao passo que a virtude judaico-cristã é, em geral, uma virtude mais privada. Um exemplo famoso de boa virtude pública e de virtude privada inadequada pode ser o do presidente Franklin Delano Roosevelt e suas nocivas fugas da verdade para fazer com que um Congresso isolacionista aprovasse a Lend-Lease Act (Lei de Empréstimos e Arrendamentos) de 1941, que permitia o empréstimo e arrendamento de materiais bélicos para os países aliados durante a Segunda Guerra Mundial. 'Na verdade', escreve o dramaturgo norte-americano Arthur Miller sobre Roosevelt, "a humanidade está em dívida com suas mentiras'. Em seu Discursos sobre a Primeira Década de Títo Lívio, Maquiavel aprova a fraude quando ela é necessária ao bem-estar da pólis. Essa não é uma ideia nova ou cínica: Sun-Tzen escreve que política e guerra constituem 'a arte de enganar', a qual, se praticada com sabedoria, pode levar à vitória e à redução de baixas. O fato de esse preceito ser perigoso e facilmente manipulável não o despoja de suas aplicações positivas".

Alexander Hamilton
"Enquanto não houver um Leviatã para dominar os países do mundo, as lutas pelo poder continuarão a definir a política internacional e uma sociedade civil global continuará fora de alcance. A democracia e a globalização são, na melhor das hipóteses, soluções parciais. Do ponto de vista histórico, as democracias têm se mostrado tão propensas à guerra quanto os outros regimes. Maurice Bowra, acadêmico de Oxford, escreve: 'Atenas representa uma refutação memorável da ilusão otimista de que as democracias não são beligerantes ou ávidas por um império'. A maior interpendência econômica no início do século XX não impediu a Primeira Guerra Mundial, ao passo que os Estados Unidos e a União Soviética permaneceram em paz muito embora houvesse pouco comércio entre as duas nações. A interdependência econômica cria seus próprios conflitos, enquanto novas democracias, em locais que apresentam instituições fracas e rivalidades étnicas, quase sempre são voláteis. Aqui, mais uma vez, nota-se a presença de Alexander Hamilton, a voz mais intensa da Revolução Americana:

Não vimos já tantas guerras alicerçadas em motivos comerciais desde que este se tornou o sistema predominante entre as nações, quantas ouve anteriormente ocasionandas pela cobiça de um território ou domínio? O espírito de comércio, em muitas instâncias, não incentivou tanto um quanto o outro? Vamos apelar para a experiência, o guia menos falível das opiniões humanas, para obtermos a resposta a estas dúvidas.

O cardeal Richelieu
"A característica que define o realismo é que as relações internacionais são governadas por princípios morais diferentes dos princípios da política interna - uma noção justificada pelas obras de Tucídides, Maquiavel, Hobbes, Churchill e outros. A necessidade de tal distinção foi enfatizada pelo nascimento do capitalismo moderno: o ímpeto pela raison d'etat de Richelieu. [...] O racionalismo exigido para gerenciar as complexas operações econômicas de um Estado francês burocratizado, que surgiu no início do século XVII, foi suplantando gradualmente  a arbitrariedade dos barões feudais, propiciando o pragmatismo de Richelieu. George Kennan observa que a moralidade privada não é um critério para comprar um Estado a outro.

George Kennan
'Aqui, precisamos permitir que outros critérios, mais amargos, mais limitados, mais práticos, prevaleçam', diz Kennan. O historiador Arthur Schlesinger Jr. avisa  que, quando se trata de questões externas, a moralidade não está em 'alardear valores morais absolutos', mas na 'premissa de que outros países possuem suas próprias tradições, interesses, valores e direitos legítimos'". 

Robert D. Kaplan, Warrior politics: why leadership demands a pagan ethos      

quarta-feira, 27 de abril de 2011

UMA CASA REAL PRA LÁ DE DECAÍDA


O príncipe William e Kate Midletton
Não agüento mais essa babação de ovo da mídia mundial em torno do casamento do príncipe William, filho da princesa Diana, e da "plebéia" Kate Middleton. É típico da mentalidade de colonizado, como nossas "classes altas", ou de despeitados, como os americanos, que tentaram fazer dos Kennedy uma família real. OK, sou republicano e, por esta razão, espero que as monarquias afundem no lodo da História.


Grace Kelly, atriz e princesa
Mas, reconheço, há dinastias e dinastias, bem como há reis e reis e rainhas e rainhas. Eu não desejaria um destino tão funesto para as simpáticas monarquias escandinavas, que não atrapalham ninguém e deixam seus países se tornarem paraísos do Welfare State. Eles também têm um passado impecável - o rei Hakon, da Noruega, por exemplo, resistiu aos nazistas e organizou um governo no exílio. O gracioso principado de Mônaco não merece a execração pública, nem mesmo depois que o príncipe Rainer III roubou das telas a maravilhosa Grace Kelly. Eu também não desejo má sorte ao rei Juan Carlos I de Espanha – apesar de ele pertencer à execrável dinastia Bourbon, aquela que não perdoa nem aprende – porque este monarca se revelou um notável defensor da jovem democracia espanhola.

Políbio dizia que os regimes políticos, qualquer que fosse sua natureza, terminam por entrar em entropia: a monarquia degenera em tirania, a aristocracia em oligarquia e a democracia em anarquia. Mas não é preciso ir tão longe – até porque esse aforismo não é um absoluto –, nem ser republicano para perceber que a casa de Windsor, que governa o Reino Unido há mais de um século, é uma das dinastias mais decadentes da Europa.

A rainha Vitória, de origem alemã
 Para começo de conversa, os Windsor nem são britânicos da gema. Eles descendem da Casa de Saxe-Coburg-Gotha, fruto do casamento da rainha Vitória, da casa de Hannover, com o príncipe Albert, filho do duque Ernest I de Saxe-Coburg-Gotha, em 1840. Eles são, portanto, uma dinastia de origem alemã. Em 1917, em meio à I Guerra Mundial, o rei George V mudou o nome da família para Windsor, para fazer frente ao sentimento antigermânico dos britânicos. Afinal, o rei era primo do kaiser alemão Wilhelm II. E George V foi tão covarde que não aceitou asilar seu outro primo, o czar russo Nicolau II, derrubado pela Revolução de fevereiro. Para o bem de todos, a família imperial russa acabou fuzilada pelos bolcheviques em 1918.

O ex-rei Edward VIII, Wallis Simpson e Hitler
George V morreu em 1936 e foi sucedido por seu filho primogênito, que subiu ao trono com o título de Edward VIII. Este soberano protagonizou um dos maiores escândalos recentes da corte britânica, ao renunciar ao trono menos de um ano depois de ser proclamado rei para se casar com a americana Wallis Simpson, duas vezes divorciada. Eles - ela, particularmente - foram humilhados pela corte, que jamais aceitou o casamento. Mas este, entretanto, foi o lado romântico do monarca; seu lado obscuro revelou-se na simpatia que ele nutria pelo III Reich. A tal ponto que o casal foi recebido em 1937, com todas as pompas, pelo ditador nazista Adolf Hitler. 

Seu irmão, George VI, não tinha nenhum apetite para o poder e era gago, como lembrou o filme ganhador do Oscar deste ano, O discurso do rei. É verdade que George VI acabou representando, ao lado da mulher, Elizabeth (a rainha-mãe), um símbolo importante na luta contra o nazismo, principalmente quando o Reino Unido enfrentou a barbárie sozinho. Mas sem a atuação carismática e galvanizadora do premiê Winston Churchill, o verdadeiro artífice da vitória, o monarca teria sido de pouca valia.

A rainha Elizabeth II
Sua filha, Elizabeth II, 85 anos recém-completados e rainha desde 1952, é a monarca britânica mais longeva de todos os tempos, superando inclusive sua trisavó Vitória, que morreu em 1901 aos 81 anos. Mas Elizabeth terá que reinar até 2015 para superar o recorde de sua antecessora no poder: 64 anos. Sob seu reinado, a casa de Windsor perdeu completamente a compostura, abrindo-se ao universo efêmero da sociedade- espetáculo ao mesmo tempo em que pretendia manter a majestade.

A princesa Diana
 O "casamento do século" do príncipe Charles com Diana Spencer transformou-se na farsa do século. A sucessão de escândalos - cujo ápice foi a declaração de Charles de que queria ser o "tampax" da então amante, Camille Parkes-Bowles - terminou com a morte trágida da princesa Diana num acidente automobilístico em Paris em 1997. Como a casa de Windsor se rendeu incondicionalmente ao mundo das celebridades, Elizabeth II, que odiava a ex-nora, foi obrigada a prestar homenagem à "princesa do povo" por orientação de um premiê oportunista, Tony Blair. 

Convenhamos: existe algum glamour nisso tudo? Meu consolo é que essa decadência dos Windsor contribua para aumentar o número de britânicos favoráveis à implantação de uma república. "Oh, my God!"     

terça-feira, 26 de abril de 2011

TEM, SIM, UM MOCINHO NESSA HISTÓRIA


O tenente William Calley Jr.
 O ex-tenente do Exército americano William Calley Jr. é um criminoso de guerra. Ele cumpriu apenas três anos e meio da pena de prisão perpétua pelo massacre de 109 civis vietnamitas em My Lai, 1968. Hoje ele vive em Columbus, Geórgia.

Outros criminosos de guerra, onze soldados americanos responsáveis por torturas na prisão iraquiana de Abu Ghraib, foram condenados a penas leves; nenhum oficial foi implicado. Cinco soldados americanos estão enfrentando uma Corte Marcial sob a acusação de matar deliberadamente civis afegãos. E até agora nenhum soldado ou oficial foi acusado pelas detenções ilegais de Guatánamo - documentos do WikiLeaks mostram que pelo menos 150 inocentes foram mantidos presos desde 2002. Os registros detalham ainda a utilização de métodos violentos - tortura, numa palavra - nos interrogatórios. Tudo o que o Pentágono tem a dizer sobre essas denúncias é que o vazamento foi "infeliz".   

O soldado Bradley Maning, antes...

Já o soldado raso Bradley Manning, de 23 anos, não é um criminoso de guerra mas está preso desde maio do ano passado na base militar de Quantico (Virgína) em condições duríssimas, embora ele não tenha sido julgado ou condenado. Ex-analista de inteligência lotado num batalhão de apoio da 2ª Brigada da 10ª Divisão de Montanha no Iraque, ele foi acusado de vazar 250 mil documentos secretos sobre operações ilegais do Exército americano para o WikiLeaks, que revelaram, entre outras coisas, o ataque de um helicóptero militar contra civis – inclusive crianças – em Bagdá em julho de 2007. Julian Assange, dono do WikiLeaks, também está sob a mira de Washington.

Sobre o soldado Bradley Manning pesam 22 acusações, e uma delas (“colaborar com o inimigo”) pode até condená-lo à pena de morte. Suas condições de prisão são cruéis e desumanas e podem ser definidas, pelos padrões de nações civilizadas, como tortura. “Desde a sua prisão, em maio, Manning é um preso exemplar, sem episódios de violência ou problemas disciplinares; no entanto, foi declarado desde o início ‘prisioneiro de segurança máxima’, o nível mais alto e mais repressivo da detenção militar, base para as medidas desumanas que lhe são impostas”, escreveu o jornalista Glenn Greenwald. “Desde o início, Manning é mantido em isolamento intensivo. Em 23 das 24 horas do dia – por sete meses seguidos e contando – ele fica completamente sozinho na cela. Mesmo na cela, as suas atividades são muito restritas: é proibido de se exercitar e está sob vigilância constante”.

...e depois de ser preso pelo Exército 

"Por razões que parecem simplesmente punitivas”, continua Greenwald, “direitos básicos em prisões civilizadas são-lhe negados, como travesseiro ou lençóis (ele não é e nunca foi de tendência suicida). Na única hora diária em que é retirado deste isolamento, é proibido de ver notícias ou programas ao vivo. O tenente Villiard desmentiu que as condições se assemelhem às de ‘filmes de prisão, em que o preso é atirado num buraco’, mas confirmou que ele está em confinamento solitário, exceto pela hora diária em que sai da cela. Em suma, Manning vem sendo submetido por muitos meses, sem interrupção, a condições desumanas de eliminação da personalidade, de destruição da alma, de indução à insanidade, em condições de isolamento similares às que foram aperfeiçoadas na penitenciária Supermax em Florence, Colorado – e tudo isso sem nem sequer ter sido condenado. E, como no caso de muitos prisioneiros submetidos a tratamentos desvirtuados como esse, o pessoal médico da Marinha agora administra-lhe doses regulares de antidepressivos para evitar que o seu cérebro se despedace pelos efeitos do isolamento”.

A coisa é tão grotesca que P. J. Crowley, porta-voz da secretária de Estado, Hillary Clinton, perdeu o cargo depois de ter declarado que o soldado Bradley Manning não fora declarado culpado de crime algum e que sua prisão era “contraprodutiva e estúpida”.

Prisioneiros em Guantánamo, que Obama prometeu fechar

Como alguém que denuncia crimes cometidos pelo Exército de um país democrático pode ser considerado traidor ou espião? Quem deveria estar preso são as autoridades que permitem e permitiram a ocorrência desses crimes de guerra. O presidente Barack Obama se elegeu prometendo, entre outras coisas, acabar com os abusos e fechar a prisão de Guantánamo. Ganhou o Prêmio Nobel da Paz por antecipação, mas não apenas não moveu uma palha para investigar as violações dos direitos humanos como manteve as guerras no Iraque e no Afeganistão, iniciadas por Bush.


Bradley Manning é o mocinho dessa história tipicamente americana.








segunda-feira, 25 de abril de 2011

NUM DIA COMO HOJE...

..ocorreram muitas coisas boas. Há datas que são funestas, como o 11 de setembro (Chile, 1973; EUA, 2001), mas outras, como 25 de abril, em que os acontecimentos são tão "alvissareiros", como diria o finado João Amazonas, que têm o poder de nos fazer voltar a acreditar na humanidade...  


Claude Joseph Rouget de Lisle

La Marseillaise (A Marselhesa) - O Hino Nacional da França foi composto em 25 de abril de 1792 por Claude Joseph Rouget de Lisle, a pedido do prefeito de Estrasburgo, para animar a luta dos exércitos revolucionários franceses contra as forças austríacas. A canção se chamou inicialmente Chant de guerre pour l'Armée du Rhin (Canto de Guerra para o Exército do Reno), mas ela acabou apropriada pelos marselheses, que a entoavam quando chegaram à Paris numa das jornadas revolucionárias. Adotada como hino nacional pela Convenção em 1795, a Marselhesa ficou banida sob os reinados de Napoleão Bonaparte (1799-1815) Luís XVIII (1815-1824) e Napoleão III (1852-1871). Resgatada pela Revolução de 1830 e pela Comuna de Paris de 1871, a Marselhesa teve seu status recuperado na III República, além de ter sido consagrada pelas Constituições das IV e V Repúblicas. Alguns imbecis politicamente corretos chegaram a propor a mudança da letra da Marselhesa por ela ser "muito sangrenta". Por esse critério, a Bíblia e os clássicos greco-romanos também deveriam ser reescritos...           




Populares de Lisboa saem às ruas em apoio à Revolução
Revolução dos Cravos - Em 25 de abril de 1974, um golpe militar derrubou o regime salazarista que dominava Portugal havia 40 anos. A senha para a movimentação das tropas foi a canção Grândola, Vila Morena, composta por Zeca Afonso, uma referência à fraternidade das pessoas de uma comunidade do Alentejo. A operação para depor o primeiro-ministro Marcelo Caetano foi organizada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), comandada por militares de média patente (capitães) que tinham lutado nas guerras coloniais. Os militares enfrentaram pequena resistência da PIDE, a polícia política do regime. O povo se confraternizou nas ruas com as tropas insurgentes; cravos foram colocados nos fuzis dos soldados, o que daria o nome à revolução. O movimento desencadeou um processo de intensa luta política e de classes que provocou muita instabilidade mas abriu as portas de Portugal ao século XX.        






Libertação da Itália - No dia 25 de abril de 1945, a resistência italiana - formada principalmente pelos comunistas - revoltou-se em Milão e outras cidades do norte da Itália contra a ocupação nazista e contra as falanges fascistas da República Social Italiana de Benito Mussolini. Foi neste contexto que os partigiani, guerrilheiros da resistência, sob a direcção do CLNAI (o comitê dirigente da libertação, que entre os seus dirigentes incluía Sandro Pertini, futuro presidente da República), foram ocupando sucessivamente Milão, Bolonha, Gênova e Veneza, antecipando-se à chegada das tropas aliadas. No próprio dia 25 de Abril, o CLNAI declara a insurreição geral e decreta a pena de morte para os generais fascistas. Três dias depois, a 28 de Abril, as tropas nazistas e fascistas capitulavam perante os exércitos aliados, e Mussolini era executado sumariamente pelos partigiani quando tentava fugir, com a sua amante Clara Petacci, para a Suíça. Os seus cadáveres, com os dos colaboradores, foram expostos na Praça Loreto, em Milão.







Ella Fitzgerald - Uma das maiores cantoras de
jazz de todos os tempos, conhecida como Primeira-Dama da Canção, nasceu em 25 de abril de 1917 em Newport New, Virgína. Nem divas como Billie Holiday a superaram. Segundo a definição de um especialista, Ella tinha uma "extensão vocal que abrangia três oitavas, era notória pela pureza de sua tonalidade, sua dicção, fraseado e entonação impecáveis, bem como uma rara habilidade de improviso semelhante a um instrumento de sopro". Ella gravou com Louis Armstrong, Count Basie, Duke Ellington e Joe Pass. Entre inúmeras músicas, destacam-se Summertime, Every Time You Say Goodbye, Begin the Beguine e discos memoráveis como Porgy and Bess.  







Paulo Vanzolini - Em 25 de abril de 1924 nascia em São Paulo Paulo Vanzolini, que se tornaria um importante zoólogo, mas ficaria famoso pelas atividades desenvolvidas nas horas de boemia, como compositor de MPB. Entre suas músicas estão Ronda, Volta por Cima, Na Boca da Noite, Capoeira do Arnaldo, Cuitelinho, Praça Clóvis, Samba Abstrato, entre outras.  




sábado, 23 de abril de 2011

O QUE NÃO APRENDEMOS COM AS TULIPAS



A cantora islandesa Björk
Até pouco tempo atrás a pequena Islândia era conhecida apenas por ser a terra natal da cantora pop Björk e da indústria pesqueira. Poucos sabiam do mergulho profundo que, nos últimos anos, o país tinha dado na globalização financeira,  desregulamentando tudo para atrair investimentos externos. A Islândia, com apenas 311 mil habitantes, virou o paraíso nórdico dos especuladores financeiros e era muito elogiada por agências de classificação por sua investment-friendly atmosphere. Britânicos e holandeses investiram cerca de US$ 5,3 bilhões no fundo Icesave, gerido pelo banco islandês Ladsbanki; em 2008 o banco quebrou, deixando os investidores na mão. O Reino Unido e Holanda simplesmente fizeram o que prescrevia o receituário neoliberal: reembolsaram seus investidores e mandaram a conta para a Islândia. O país que se virasse, apertasse os cintos e mergulhasse na recessão para pagar a dívida dos especu..., perdão, dos investidores. Mas os islandeses disseram não; por meio de um plebiscito, 60% rejeitaram arcar com o ônus, adotando o que o "mercado" classifica de "calote". 


Islandeses protestam na capital, Reikjavik
 Foi o primeiro país a contestar a fórmula tradicional consagrada pelos arautos do mercado financeiro para sair da crise: acionar o Estado para salvar os bancos e impor planos recessivos para recuperar a credibilidade do país. O roteiro é conhecido: para garantir empréstimos de emergência e rolar a dívida, assegurando os bônus e lucros dos especuladores, os governos devem impor aos seus cidadãos "planos de austeridade" que implicam em altas taxas de desemprego e corte de benefícios sociais. Foi o que aconteceu na Grécia e é a solução que está sendo vendida a Irlanda e Portugal, os países mais afetados pela crise.

Segundo o conselheiro econômico do governo da Islândia, Michael Hudson, da Universidade de Missouri, o país nórdico se inspirou no exemplo da Argentina (quem diria?), que em 2002 deu um calote na sua dívida externa para depois reestruturá-la em termos bem mais favoráveis aos interesses nacionais, não ao dos credores. "Ninguém debateu se os pagadores de impostos devem resgatar instituições financeiras", escreveu a eurodeputada francesa Eva Joly no jornal britânico The Guardian. "Espero que o espírito de luta dos holandeses se espalhe". Esperamos todos (menos os credores e os ideólogos do Consenso de Washington, claro...).

Até especialistas financeiros estão convencidos de que não há outra saída senão reestruturar o perfil da dívida. Em outras palavras, calote, mesmo que parcial. Como escreveu o jornalista Clóvis Rossi, "a Grécia, um ano depois de ter recebido ajuda (110 bilhões de euros, o que está longe de ser pouco dinheiro), continua patinando economicamente e continua pagando juros insuportáveis (23% na quinta-feira, mais que o dobro dos 10,2% que pagou antes de ser socorrida). Quer dizer o seguinte: os europeus deram aos gregos [...] uma pilha de dinheiro para que os mercados estivessem avisados de que havia butim a ser colhido, o que, em tese, deveria levar a que reduzissem os juros (ah, as esperanças no livre mercado, acrescento eu...). Mas, tanto quanto o economista-chefe do Deustsche Bank, todos os demais credores sabiam que a Grécia não conseguiria conviver com um programa de austeridade violento, que minava suas já reduzidas chances de crescimento, e, ao mesmo tempo, pagar toda a dívida. Então, cobram antecipadamente a perda que terão com o calote que julgam inevitável".

Crises começaram com as tulipas, no sécul XVII
Crises especulativas ocorrem desde a infância do capitalismo e são periódicas. A primeira delas foi no século XVII, na Holanda, quando um simples bulbo de tulipa chegou a valer o equivalente a 24 toneladas de trigo. Foi uma corrida desenfreada até a quebradeira geral. Mas os países, como lembrou o economista canadense John Kenneth Gailbraith, têm uma peculiar capacidade de se esquecer dessas crises - e de não aprender nada com elas. "A História é a soma das coisas que poderiam ter sido evitadas", dizia o ex-chanceler alemão Konrad Adenauer. 
Crack da Bolsa de Nova York, 1929

Há cem anos, viveu-se a primeira globalização econômica, que produziu tantas ilusões sobre o crescimento acelarado quanto sobre a inevitabilidade da "paz perpétua". Na sequência, veio a carnificina de 1914-1918 e a uma gravíssima crise econômica, social e política, que desembocou no Armaggedom de 1929, com o crack da Bolsa de Nova York. O mundo mergulhou nas sombras da Grande Depressão, dos totalitarismos e da Segunda Guerra Mundial. Só depois dessa tragédia de proporções bíblicas os líderes do mundo capitalista aprenderam alguma coisa e colocaram freios na especulação.


Foram os "30 gloriosos anos" do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), quando o capital especulativo foi controlado com rédea curta. Mas o modelo se esgotou e logo começou a se falar na necessidade de abrir a economia "às forças do mercado". Desde 1979, a desregulamentação virou regra e, com ela, novamente, a crença numa era de crescimento econômico único e de altos ganhos de produtividade. "A inevitável dinâmica da competição e integração econômica tornou-se a ilusão da nossa era [ela...] exclui implicitamente a política enquanto palco de escolhas", diz o historiador Tony Judt, recentemente falecido. É como se as opções de política econômica fossem determinadas pela natureza.

Esse consenso foi novamente abalado com a crise de 2008, quando foi a vez de o Muro de Wall Street vir abaixo. Em toda parte, o laissez-faire foi deixado de lado e o Estado convocado a socorrer os bancos e a restaurar as condições para a volta do funcionamento do cassino financeiro. Às custas dos cidadãos, claro. Se isso não mudar e o exemplo da Islândia não prosperar, as consequências poderão ser catastróficas. A crise não dá sinais de arrefecer na Europa e nos EUA, ao mesmo tempo em que os partidos xenófobos, neofascistas e o Tea Party estão à espreita.
E o pior, não há um Keynes ou um Roosevelt no horizonte. 

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A ENTROPIA DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL


George Steiner
"É razoável supor que toda alta civilização desenvolve tensões implosivas e impulsos à autodestruição? Será que uma cultura complexa - agregado tão delicadamente equilibrado, ao mesmo tempo dinâmico e confinado - tende, necessariamente, a um estado de instabilidade e, por fim, de conflagração? O modelo seria o de uma estrela que, após alcançar uma massa crítica, uma equação crítica de trocas de energia entre a estrutura interna e a superfície radiante, implode, inflamando-se, no momento da destruição, com o mesmo brilho visível que associamos às grandes culturas em sua fase terminal. Seria a fenomenologia do ennui e de ujm anseio pela destruição violenta uma constante na história das formas sociais e intelectuais, após essas terem atravessado certo limitar de complicação?
[...]

Sigmund Freud
A noção de um desejo de morte, que opera tanto no indivíduo quanto na consciência coletiva, é, como o próprio Freud enfatizou, um tropo filosófico. Mas a sugestão tem uma força extraordinária, e a descrição que Freud faz das tensões que as maneiras civilizadas impõem aos instintos humanos centrais e não realizados continua válida. Assim como as insinuações, abundantes na literatura psicanalítica (que é, por si mesma, pós-darwiniana), de que há nas interrelações humanas uma inelutável pulsão à guerra, a uma afirmação suprema da identidade à custa da destruição mútua.

[...]

Edgar Allan Poe
Por volta de 1900, havia uma propensão terrível, uma sede mesmo, por aquilo que Yeats viria a chamar 'maré turva de sangue'. Exteriormente srena e brilhante, a belle époque estava demasiado madura, de um modo ameaçador. Sob a superfície do jardim, compulsões anárquicas estavam chegando a um ponto crítico. Notam-se imagens proféticas do perigo subterrâneo, de influências destrutivas prontas a levantar-se dos esgotos e dos porões que atormentavam a imaginação literária desde o tempo de Poe e do Les misérables [...]. A corrida armamentista e a crescente febre do nacionalismo europeu eram, acho, apenas os sintomas exteriores desse mal-estar intrínseco. O intelecto e o sentimento foram, literalmente, fascinados pela perspectiva de um fogo purificador.

Trincheiras, Primeira Guerra Mundial


[...]

Como já vimos, as antevisões de guerra e as fantasias de destruição universal eram abundantes. No entanto [...], ninguém previu a escala da carnificina. [...] Historiadores diplomáticos e militares debate até hoje se houve ou não algum aterrador erro de cálculo. Que transformou em massacre a guerra profissional e essencialmente limitada? Diferentes fatores intervieram: a mortífera consolidação das trincheiras, o poder de fogo, a enorme extensão coberta pelas frentes ocidental e oriental. mas foi também, suspeita-se, uma questão de automatismo: uma vez que a complexa maquinaria de conscrição, do transporte, da manufatura foi posta em marcha, tornou-se demasiado difícil de parar. O empreendimento tinha sua própria lógica, para além da razão e das necessidades humanas. 

[...] O que havia sido erro de cálculo e acidente incontrolável na Primeira Guerra Mundial tornou-se método na Segunda. 

[...]

Campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau 
Muita coisa foi dita sobre a perplexidade e solidão do homem depois que o Céu desapareceu da crença ativa. Sabemos do vazio neutro dos céus e sabemos dos terrores que esse desaparecimento acarretou. Mas pode ser que a perda do Inferno tenha sido o deslocamento mais severo. Pode ser que a transformação do Inferno numa metáfora tenha deixado uma lacuna formidável nas coordenadas de que a mente ocidental dispõe para localização. Não ter Céu nem Inferno é ficar intoleravelmente carente e solitário em um mundo que se tornou plano. Dos dois, o Inferno demonstrou ser o mais fácil de recriar (as imagens que o reproduziram sempre foram mais detalhadas). 

Inferno, de Hyeronimus Bosch
Em nossa atual barbárie, está em ação uma teologia extinta, um corpo de referências transcendente cuja morte lenta e incompleta produziu formas substitutas, paródicas. O epílogo da crença, a passagem da fé religiosa à convenção oca, parece um processo mais perigoso daquilo que os philosophes anteviram. As estruturas da decadência são tóxicas. Precisando do Inferno, aprendemos a construí-lo e administrá-lo na terra. A pouca distância da Weimar de Goethe ou das ilhas da Grécia. [...] Ao pormos o Inferno acima da superfíkcie, saímos da ordem principal e das simetrias da civilização ocidental".

George Steiner, No Castelo do Barba Azul

  

quarta-feira, 20 de abril de 2011

SEMANA SANTA: "ÉCRASEZ L'INFÂME"


Essa procissão lembra a Inquisição e não é proibida 
 Pra não dizer que não falei dos clérigos na semana santa:


Justiça proíbe 'procissão ateia' em Madri



De Madri para a BBC Brasil


Os organizadores distribuiram cartazes convocando a manifestação


O Tribunal de Justiça de Madri proibiu nesta quarta-feira a realização, prevista para a quinta-feira desta Semana Santa, de uma manifestação antirreligiosa organizada por seis instituições laicas espanholas.

Chamada oficialmente de “procissão ateia”, a manifestação levaria às ruas faixas com dizeres como "Congregação da Cruel Inquisição", "Irmandade da Santa Pedofilia" e "Confraria do Papa do Santo Latrocínio" com o objetivo de "derrubar a hipocrisia social e moral que representa a Semana Santa Católica".


Os organizadores disseram que irão acatar a decisão judicial, mas acrescentaram que convocariam uma manifestação similar em outra data simbólica para o Catolicismo.


Eles também prometem realizar um grande evento no próximo mês de agosto durante a visita do Papa Bento 16 a Madri.


Por outro lado, a associação anti-aborto Faz-te ouvir anunciou que analisa o material de divulgação da procissão ateia para saber se é possível abrir um processo, alegando incitação ao ódio.


Chamas
Os organizadores da “procissão ateia” anunciaram com cartazes pelo centro da capital espanhola a hora e percurso do evento, convocado para passar diante de igrejas e ao lado de procissões católicas.


Os cartazes traziam imagens do papa e ilustrações sacras alteradas. Também foram distribuídos folhetos com a frase "a única igreja que se ilumina é a que arde (em chamas)".


O presidente da Associação Madrilenha de Ateus e Livres Pensadores, Luis Veja, disse à BBC Brasil que a proposta da manifestação era "mexer com a ideologia e a consciência católica".

"Queremos uma procissão sim, porque a palavra procissão não é exclusiva do Catolicismo. E vamos continuar combatendo a hipocrisia e o fundamentalismo", afirmou.


As críticas dos laicos se concentram especialmente na intervenção do Vaticano em assuntos políticos como a liberdade religiosa, leis de aborto e casamento gay, além dos escândalos de pedofilia dentro da igreja.

Entre os críticos ao protesto estava o prefeito de Madri, Alberto Ruiz Gallardón, que disse ser contra "provocações contra a fé".

No entanto, ele disse que a prefeitura que "não se considera competente para autorizar ou recusar a celebração desta procissão" e recomendou uma decisão judicial sobre o caso

[...]



O Bacalhau e o Vaticano,


De Fátima Oliveira (O Tempo)

Trecho:


Desde fim do século XV, começo do XVI, o Vaticano, em reconhecimento ao sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, decretou que os cristãos não poderiam consumir carnes “quentes” durante a Quaresma. Falam que o Vaticano era proprietário da maior frota bacalhoeira – caravelas para a pesca do bacalhau que levavam os “dóris”, barcos a remo, nos quais os pescadores (bacalhoeiros) se lançavam ao mar para a pesca. Visando a maximizar seus lucros, o Vaticano proibiu o consumo de carne durante a Quaresma, quando então as vendas de bacalhau explodiram. Já era um alimento apreciado nas camadas populares europeias, sobretudo portuguesas, por ser nutritivo e barato.


Durante séculos, até a Segunda Guerra Mundial, o bacalhau foi comida de pobre, mesmo no Brasil, cujo consumo massivo se deu após a chegada da corte portuguesa. Não é à toa que comer bacalhau em qualquer biboca do Rio de Janeiro é sempre saborear um manjar dos deuses. É a manha da tradição culinária sedimentada na corte.

terça-feira, 19 de abril de 2011

QUEM SE IMPORTARÁ COM ELES?


Manifestações da maioria xiita contra a monarquia sunita do Bahrein

A ditadura sunita do Bahrein, apoiada por tropas da também sunita Arábia Saudita - ambos aliados fundamentais dos EUA no Oriente Médio - está destruindo mesquitas e lugares sagrados da maioria xiita (70% da populaçao) do país, segundo o jornal britânico The Guardian. Soldados sauditas, parte do contingente de mil homens que entrou no Bahrein no mês pássado para ajudar a monarquia sunita a reprimir as manifestações populares contra o regime, destruíram cerca de sete mesquistas e 50 lugares sagrados dos xiitas. A mesquita mais famosa destruída foi a do líder espiritual xiita no Bahrein, o xeque Abdul Amir al-Jamri, morto em 2006. Os soldados saudistas ainda picharam os escombros da mesquita com ofensas aos xiitas e vivas ao regime do Bahrein.

Agora, imaginem se isso estivesse acontecendo num país hostil a Washington ou ao Ocidente. Imaginem se o Irã deslocasse tropas para defender os xiitas do Bahrein, do Iraque ou do Líbano. As trombetas do Apocalipse já teriam soado e as forças da Otan já estariam bombardeando o país para impedir o massacre de inocentes, como está acontecendo na Líbia. Mas o Bahrein e a Arábia Saudita podem fazer o que bem entenderem e sempre estarão a salvo de serem classificados como "regimes párias" pelos EUA e, em consequência, sofrerem ataques devastadores da Otan.

Os EUA apoiam a teocracia sunita do rei saudita Abdullah

EUA e Reino Unido fazem qualquer coisa para evitar desestabilizar seus aliados do Golfo Pérsico, como a teocracia wahhabita da Arábia Saudita e a monarquia absolutista do Bahrein. Além de produtores de petróleo, eles são peças fundamentais no xadrez geopolítico dos EUA na região. No Bahrein, inclusive, está sediada a 5ª Frota da Marinha americana, responsável pela defesa dos interesses de Tio Sam no Golfo Pérsico e Oceano Índico.

Enquanto o Ocidente está com todas as atenções voltadas para a Líbia - onde os britânicos, depois dos franceses, estão apoiando os insurgentes - a maioria xiita do Bahrein poderá ser massacrada à vontade. Eles nasceram no país "errado" e sua luta contra a ditadura é impertinente. Ninguém se importará com eles.    


segunda-feira, 18 de abril de 2011

TEIMOSAS ILUSÕES


1959, vitória de Fidel; início do mito
Poucos eventos da História recente tiveram tanta repercussão e alcance quanto a Revolução Cubana. No alvorecer de 1959, um bando de guerrilheiros barbudos e maltrapilhos derrubou a sangrenta ditadura de Fulgêncio Batista – que transformara Cuba num cassino americano. O episódio incendiou corações e mentes em todo o mundo. Comandados por Fidel Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos, os guerrilheiros fizeram uma revolução que não estava nos manuais - sofreu oposição até do Partido Comunista de Cuba.


Che morto na Bolívia, 1967
O caráter heroico da revolução cubana se consolidou há exatos 50 anos, quando a pequena ilha repeliu a tentativa de derrubada do regime por uma força paramilitar de exilados cubanos apoiados e financiados por Washington – o famoso episódio da Baía dos Porcos. O mito de Davi contra Golias se consolidou na crise dos mísseis de 1962 – quando os EUA ameaçaram atacar Cuba por causa da instalação de mísseis nucleares soviéticos. O assassinato de Che Guevara no interior da Bolívia em outubro de 1967, lutando pela revolução continental, foi o apogeu da utopia cubana.

Fidel e Leonid Brejnev em Moscou
A partir de 1968, o regime cubano acertou os ponteiros com a realpolitik. Para enfrentar o embargo econômico americano, Fidel Castro vendeu a alma ao Kremlin, alinhando-se incondicionalmente aos interesses de Moscou. Em troca, Havana recebeu subsídios econômicos gigantescos, que garantiram a sobrevivência do regime, apesar do embargo americano, enquanto a União Soviética durou. Então, Cuba virou uma versão caribenha do stalinismo: partido único, economia planificada, militarização da sociedade, prisões de dissidentes e expurgo da máquina partidária de qualquer voz dissonante de El Comandante. O fascínio pela farda e a barba ainda faziam de Fidel um ícone "rebelde", disfarçando sua similaridade com os métodos dos apparatichks do bloco soviético. 

General Arnaldo Ochoa, fuzilado por "traição"
A decadência daquela utopia revolucionária já era perceptível nos anos 1980, mas tornou-se cristalina em 1989, antes mesmo do desmoronamento do bloco soviético. Naquele ano, um heroi militar cubano e até então uma das estrelas do regime, o general Arnaldo Ochoa, foi preso, julgado e condenado à morte sob acusação de envolvimento com o narcotráfico. O julgamento foi uma farsa dos irmãos Castro típica dos Processos de Moscou dos anos 1930. Especulou-se que Ochoa foi sacrificado para encobrir o envolvimento de Fidel com operações escusas. Outra versão é que o general seria um defensor da linha reformista do líder soviético Mikhail Gorbatchóv e, portanto, uma ameaça ao poder dos Castro.

Orlando Zapata, dissidente morto
O colapso do comunismo não levou à queda do regime castrista por várias razões, mas a principal delas é que em Cuba a revolução socialista não tinha sido imposta por um Exército estrangeiro de ocupação, como acontecera nos países do Leste europeu. Por ter tido um caráter de libertação nacional, ela ainda dispunha de crédito junto ao povo cubano. Para se manter no poder, Fidel Castro impôs a Cuba o “período especial”, dolarizando a economia e permitindo a realização de atividades privadas controladas. Foi uma imitação pífia do modelo chinês - abertura econômica com partido único. O resultado foi o fim do igualitarismo inicial da revolução cubana e a criação de uma sociedade de apartheid, em que os cidadãos se dividem entre os que têm divisas (dólares) e os que não têm. Isso sem falar na intolerância paranoica frente do regime frente a qualquer crítica, mesmo de intelectuais que não se aliaram à máfia de Miami e ao imperialismo. Em 2003 vários foram condenados a penas de mais de 20 anos de prisão. Um deles, Orlando Zapata, morreu em 2003 consequência de uma greve de fome.  

As "jineteras" voltaram ao Malecón
Hoje, mais de 50 anos depois da queda de Batista, a herança do castrismo é catastrófica. Cuba é um país estagnado econômica, politica, moral e ideologicamente. Os Comitês de Defesa da Revolução controlam e espionam a vida dos cidadãos, enquanto estes buscam acesso a bens de consumo e dólares. A prostituição - que Fidel orgulhava-se de ter exterminado - está de volta mas ruas. E agora, para enfrentar a crise, o regime anuncia demissões em massa na máquina estatal. O embargo americano é em grande parte responsável por essa penúria, mas não explica tudo e sua manutenção acaba sendo um conveniente pretexto para os irmãos Castro manterem sua ditadura. O mais difícil é entender por que tantos setores da esquerda democrática – principalmente na América Latina – ainda têm pruridos em criticar esse regime e se sentem na obrigação de defendê-lo a qualquer custo, deixando à direita o monopólio da crítica ao totalitarismo castrista.

Um país que parou no tempo
A razão mais forte para essa postura acrítica em relação a Havana reside sem dúvida as conquistas sociais da Revolução, que contrastam com as fortes desigualdades latino-americanas. Para quem vem de uma tradição intelectual e política em que a igualdade é um valor fundamental, pode ser difícil criticar Cuba de Fidel, mesmo no atual estágio de degenerescência. Mas trata-se de um sofisma. “É possível argumentar”, diz a cientista política argentina Claudia Hilb, “que Cuba continua sendo um regime bastante igualitário se o compararmos com outros países da região e é possível defender também que seus índices sociais, apesar de caírem desde 1989, continuam entre os melhores da América Latina. Entretanto, não devemos nos esquecer que já em 1959 os índices de desenvolvimento social de Cuba a situavam, em todos os casos, entre os quatro primeiros lugares da América Latina – ou seja, a situação na época em Cuba tinha que ser comparada com a do Chile e do Uruguai e Argentina, não com o Haiti ou El Salvador”. Ela lembra também que é possível argumentar que, mesmo nas atuais condições, um morador de um setor carente de Cuba goza de melhores condições do que um morador de uma favela de Buenos Aires. Argumento enganoso, ela diz, “ou por acaso alguém acha lícito defender a ditadura de Pinochet argumentando que os moradores de assentamentos no Chile viviam, àquela época, melhor que os habitantes de Soweto ou vice-versa?”. Questões incômodas, mas pertinentes.

Mikhail Bakunin, líder anarquista
E este é o ponto nevrálgico: “é um argumento ainda mais enganoso, com certeza, quando pretendemos esquecer quais eram as esperanças que a esquerda latino-americana e mundial depositou, em 1959, na Revolução Cubana: a esperança de uma revolução que realizaria, enfim, o sonho de uma sociedade de homens livres, emancipados, libertos da exploração. [...] Talvez o balanço da Revolução Cubana, o balanço das revoluções de tipo socialista do século XX, deva concluir com o caráter ilusório desse sonho. O resultado não foi a formação de uma sociedade livre da exploração”.

Mas não precisamos ir tão longe. Antes mesmo da queda do Muro de Berlim, a maioria da esquerda reformista e mesmo radical incorporou a democracia como valor universal e não mero expediente tático para a conquista do poder. O regime cubano, calcado na tradição leninista, é totalmente refratário à essa perspectiva. É um modelo degenerado, que sequer conseguiu se reciclar, como fizeram os chineses. E só a partir do reconhecimento do colapso desse modelo poderemos nos engajar firmemente no propósito de construir uma sociedade mais justa e mais democrática, embora ainda imperfeita, posto que a perfeição não é obra de homens, mas de deuses, aos quais não temos acesso, ou de demônios, aos quais teríamos que vender nossa alma.

“Liberdade sem socialismo é privilégio; socialismo sem liberdade é escravidão e brutalidade”, dizia o teórico anarquista Mikhail Bakunin. Neste caso ele estava certo e Marx, errado.