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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A MAIS RECENTE PANACEIA DA DIREITA


A Veja e seus colunistas já estão em campanha pelo voto distrital. Um movimento pela adoção desse sistema está sendo lançado pelo mesmo pessoal do "cansei". Abaixo, duas análises sobre a nova tábua de salvação das oligarquias tupiniquins.  

O voto distrital e a direita


por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense


Estão vendendo ao país duas teses falsas. Uma é dita explicitamente: que os problemas da democracia brasileira se resolveriam se tivéssemos o voto distrital. A outra fica sugerida: que sua implantação no Brasil seria algo simples.


Com impressionante velocidade, a direita brasileira se descobriu favorável ao voto distrital desde criancinha. Sem que exista qualquer motivo lógico que explique o porquê, políticos, intelectuais, empresários e jornalistas conservadores se encantaram com ele e começaram, em coro, a defendê-lo. Ao mesmo tempo, passaram a espinafrar o voto proporcional, que faz parte das regras do nosso sistema político desde o Código Eleitoral de 1932.


Em nenhum lugar do mundo havíamos visto coisa parecida. A argumentação em favor do voto distrital nunca teve cor ideológica, nunca foi bandeira da direita ou da esquerda. A discussão sobre suas vantagens e desvantagens sempre permaneceu no plano técnico.


Quem tem um mínimo de informação sobre o assunto sabe que não há sistema eleitoral integralmente bom ou ruim. Todos têm aspectos positivos e negativos.


Sabe, também, que faz pouco sentido falar em voto distrital no abstrato, assim como de voto proporcional puro. Cada país tem seu sistema, com coloração e particularidades únicas. Há tantos sistemas de voto distrital (e de voto proporcional) quantos países que o adotam.


Existem democracias plenamente funcionais e bem sucedidas com voto distrital, e (muitas) outras com as diversas formas possíveis de voto proporcional. Aliás, em termos puramente quantitativos, a maioria dos países democráticos do mundo tem algum tipo de voto proporcional.


É compreensível que a campanha que a direita brasileira está fazendo em favor do voto distrital não apresente os ponderáveis argumentos que existem contra ele. Seus responsáveis têm todo o direito de subtrair da opinião pública o que é contrário a suas preferências. Afinal, na guerra ideológica, o que menos importa são os fatos.


Não é o mesmo que se pode dizer de quem, na mídia, deveria se ocupar do jornalismo. Chega a ser lamentável que veículos de informação assumam função de pura desinformação.


Estão vendendo ao país duas teses falsas. Uma é dita explicitamente: que os problemas da democracia brasileira se resolveriam se tivéssemos o voto distrital. A outra fica sugerida: que sua implantação no Brasil seria algo simples, que “só depende da vontade política”. Ou seja: que não é feita porque “alguém” não quer.


É com teses desse gênero que se fazem as campanhas que os profissionais do marketing político chamam de “construção de agenda” (mal traduzindo a expressão norte-americana agenda building). Identifica-se um incômodo, dá-se-lhe uma explicação, põem-se a mídia para promovê-la e convocam-se as “pessoas de bom caráter” a agir.


Já vimos esse filme várias vezes: há um problema (por exemplo, a falta de empregos em uma economia avançada), cria-se um “culpado” (por exemplo, os imigrantes do terceiro mundo) e pede-se aos eleitores que votem em quem vai “resolvê-lo” (por exemplo, um partido de direita).


Quando os problemas são reais e preocupam as pessoas, a questão é convencê-las de que o diagnóstico de suas origens é correto. Se o admitirem, abraçarão “a causa”, o que fica tanto mais fácil quando mais alto a mídia bater o bumbo.


Há uma nítida e compreensível insatisfação da maioria da sociedade brasileira com o sistema político. Além de sua crônica dificuldade de assegurar a todos adequada representação, ele padece de vários vícios, dos quais o mais irritante é a corrupção.


A direita brasileira, através de seus núcleos de pensamento estratégico e intelectuais, quer fazer com que o país acredite que o PT e, por extensão, o governo (ou o que ela chama de “lulopetismo”) são a favor do sistema de representação proporcional porque assim se perpetuariam no poder. Quer, portanto, que “as pessoas de bem” se tornem defensoras do voto distrital, assegurando-as de que só com ele é possível simplificar as eleições, aumentar a responsabilidade do eleito, a vigilância do eleitor, acabar com a corrupção.


Não existe qualquer evidência, seja baseada em nossa experiência com o voto distrital (pois já o tivemos durante várias décadas), seja na de outros países, que permita afirmações desse tipo. Nem ele é garantia de solução para tais problemas, nem faz sentido dizer que o voto proporcional os provoca.


É improvável que a direita fale essas coisas por ignorância. Mais fácil é imaginar que, apenas, finge saber como dar resposta às justas preocupações da sociedade.


(*) Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi



O voto distrital é excludente

Alberto Carlos Almeida (*)
Quem defende o voto distrital no Brasil defende a exclusão da representação de grande parcela de nosso eleitorado. O voto distrital é clamorosamente excludente. Essa exclusão é a mesma coisa que bipartidarismo. Todos os países que adotam o sistema eleitoral distrital tornam-se países governados por apenas dois partidos que se revezam no poder por meio de maiorias esmagadoras. Ninguém em sã consciência admitirá que a Grã-Bretanha, em toda sua complexidade social e demográfica, seja representada apenas por dois partidos. O mesmo vale para os Estados Unidos. Se esses dois países mudassem seu sistema eleitoral, trocando o voto distrital pelo voto proporcional, eles se tornariam, já nas primeiras eleições legislativas com o novo sistema, países multipartidários. O voto distrital é idêntico a uma camisa de força que limita os movimentos da representação.


Para se obter a maioria dos deputados em uma Câmara eleita por meio do voto distrital, basta que um partido obtenha somente 25% dos votos nacionais. Isso porque é preciso ter 50% de votos em 50% dos distritos, o que resulta nos 25% dos votos nacionais mencionados. Resultado: a maioria governa graças a uma minoria de votos, e a maioria dos votos – 75% – fica de fora do governo. É impossível ser mais excludente. No sistema proporcional, um partido só poderá ter a maioria da Câmara dos Deputados se obtiver 50% dos votos nacionais. É evidente, portanto, que o sistema eleitoral proporcional é infinitamente mais justo do que o distrital. Imagine-se no Brasil, onde todos os eleitores acham que todos os políticos são ladrões, um governo majoritário estabelecido com apenas 25% dos votos. Os eleitores vão dizer: além de ladrões, foram eleitos com a minoria dos votos. Seria a mais completa falta de legitimidade. Surpreende-me o fato de haver defensores desse absurdo no Brasil.


Para entender por que o sistema distrital obriga quem o adota a ter somente dois partidos importantes, vale entender o que acontece na eleição dentro de cada distrito. Em um distrito britânico onde há três candidatos, um conservador, um trabalhista e um liberal-democrata, é comum que o candidato liberal-democrata fique na terceira posição em proporção de votos. Somando-se todos os liberais-democratas que ficaram em terceiro lugar nos mais de 600 distritos britânicos, pode-se obter, por exemplo, que esse partido teve um total nacional de 10% dos votos. Porém, como esses 10% de votos não foram para nenhum candidato que ficou em primeiro lugar, foram desperdiçados, jogados no lixo, esses 10% de votos não elegeram deputado algum. Somente os liberais-democratas que ficaram em primeiro foram eleitos, mas, somando-se a votação nacional de todos os primeiros colocados desse partido, tem-se somente 6%. É por isso que o partido fica com 16% dos votos nacionais e somente 7% das cadeiras do parlamento. Isso jamais ocorre no nosso sistema eleitoral, que é o proporcional.


F
Margaret Thatcher
oi assim que em 1983 os liberais-democratas britânicos tiveram 25,4% dos votos, mas somente 3,5% das cadeiras, um completo absurdo, uma completa falta de proporcionalidade, uma total injustiça distributiva quando se considera a relação entre votos e cadeiras. Em 1987 foram 22,6% dos votos que resultaram somente em 3,4% de cadeiras; em 1992 ocorreu que 17,8% dos votos foram traduzidos em somente 3,1% de assentos no parlamento. Em 1997 a injustiça foi menor, mas permaneceu: 16,7% dos votos os levaram a obter 7% de cadeiras. Daí para a frente, a situação só fez piorar: em 2001, 18,3% dos votos resultaram em 7,9% de assentos parlamentares; em 2005, 22,1% dos votos conquistaram 9,6% das cadeiras, e em 2010 a situação foi ainda pior, quando 23% dos votos resultaram em somente 8,8% de cadeiras. Todos os lugares que adotam o voto distrital punem cruelmente o terceiro partido. Esqueça quarto partido, ele simplesmente não existe na prática.


A consequência prática imediata desse processo é que o eleitor médio percebe que o sistema pune o terceiro partido e assim ele passa a praticar o voto útil, escolhendo preferencialmente candidatos trabalhistas ou conservadores, que são os únicos partidos que realmente têm condições de obter a maioria parlamentar. Ou seja, além de todos os defeitos do voto distrital que venho mostrando nesta coluna, ele tem um defeito adicional perverso: estimula o voto útil. Esse fenômeno foi mostrado a primeira vez por Maurice Duverger nos anos 1950.

Se o Brasil adotar o voto distrital, sobreviverão apenas três partidos, que provavelmente serão o PT, o PMDB e o PSDB. Os demais serão liquidados, extintos, aniquilados. Se alguém tiver dúvidas quanto a essa afirmação, dê-se ao trabalho de ver a composição da Câmara dos Deputados dos países que adotam o voto distrital.


O sistema distrital pune o terceiro partido e premia o partido mais votado. É um sistema perverso, porque fabrica artificialmente a maioria. Não se trata de mágica, é um resultado real e concreto de um sistema que distorce a representação. Mais uma vez o melhor exemplo para demonstrar esse fenômeno é a Grã-Bretanha.

Em 1983, Margaret Thatcher foi eleita primeira-ministra pela segunda vez, com seu partido obtendo 42,4% dos votos. O impressionante é que o Partido Conservador conquistou nada menos do que 61% das cadeiras do Parlamento, praticamente 20% a mais do que sua votação. Em 1987 a desproporção também ficou muito próxima disso: com somente 42,3%, obteve-se 57,9% dos assentos. Em 2001 foi a vez dessa injustiça distributiva favorecer o Partido Trabalhista: foram 40,7% de votos que resultaram na conquista de 62,5% das cadeiras. Em 2005, foram 35,2% de votos para o partido de Tony Blair, e eles conquistaram 55,2% de cadeiras. Isso seria intolerável no Brasil.


O voto distrital elimina o multipartidarismo, aniquila todos os partidos menos três, pune o terceiro partido tornando-o um nanico sem poder de influência nas decisões governamentais, incentiva o voto útil, e por fim cria uma maioria artificial dando mais cadeiras do que votos para o partido mais votado. No voto distrital o vencedor leva tudo (“the winner takes all”).

Plenário da Câmara dos Deputados

A nossa Câmara dos Deputados tem 513 representantes e o partido mais votado, o PT, ficou com 80 cadeiras. No voto distrital o PT teria ficado provavelmente com 280 cadeiras, isto é, mais do que 50% dos assentos. Hoje o primeiro-secretário da Câmara é o deputado Eduardo Gomes, do PSDB do Tocantins, um parlamentar da oposição. Isso jamais ocorreria se o PT tivesse 280 cadeiras. Ao contrário, toda a mesa da Câmara seria composta por deputados petistas. No sistema distrital, a maioria simplesmente manda e ocupa todos os espaços. Em todos os países com voto distrital, a mesa da câmara é 100% controlada pelo partido que tem a maioria, e o mesmo acontece para todas as comissões legislativas. Funciona novamente aqui o princípio do vencedor leva tudo.

Margaret Thatcher extinguiu em 1986 o Greater London Council, que era a prefeitura da grande Londres, porque seu ocupante à época, Ken Livingstone, era um duro opositor. É impensável esse tipo de medida no Brasil. É impossível que Dilma, insatisfeita com a oposição que lhe fizessem o prefeito de São Paulo ou do Rio, simplesmente extinguisse uma dessas prefeituras. Aliás, como nosso sistema é predominantemente conciliatório, é muito difícil que prefeitos de cidades importantes façam oposição ao presidente.


Nós brasileiros temos preconceito contra nós mesmos. O sistema proporcional que adotamos resulta na existência de um grande partido de centro, o PMDB. O sistema distrital americano resulta na existência de somente dois partidos, Republicano e Democrata. Se formos pensar fora da caixinha, fora do tradicional, veremos que a relação custo-benefício do PMDB é bem mais favorável do que a simples existência de dois partidos como democratas e republicanos. No último mês vimos os prejuízos (de bilhões e bilhões de dólares) causados pelo sistema americano ao seu próprio país e ao mundo. Um sistema que, graças ao voto distrital, não incentiva o consenso, mas somente o conflito. O PMDB, ao contrário, confere total governabilidade ao Brasil.


Aliás, ainda no terreno da comparação, desde 1928 somente os presidentes peronistas cumprem integralmente o mandato na Argentina. Todos os radicais eleitos não tiverem esse destino. Isso aconteceu porque não existe um PMDB na Argentina. É possível que nós brasileiros tenhamos um excelente sistema eleitoral, embora não saibamos disso ou não reconheçamos esse fato. Em suma, não há motivos razoáveis para adotarmos o excludente voto distrital.
(*) Sociólogo e professor universitário




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