"O incomparável repórter Caco Barcellos, da Globo, participou do Seminário “Poder Judiciário e Imprensa”, promovido pela Escola de Magistratura da Justiça Federal da Terceira Região.
Aqui se tenta reproduzi-la de forma não literal.
Há uma diferença essencial entre o jornalismo “investigativo” e o jornalismo “declaratório”, começou Caco.
O investigativo é o do repórter ativo, com luz própria, que investiga antes de a informação se tornar pública.
Que ouve os envolvidos e, a partir das declarações, começa a investigar, confrontar a declaração com os fatos que apurou.
Declaratório é o jornalismo praticado na maioria das redações brasileiras.
(Frequentemente, a fonte é anônima – PHA).
Ao ouvir o “outro lado”, o que esse jornalismo declaratório consegue, na melhor das hipóteses é criar uma polêmica.
Investigar depois de colher as declarações.
Caco deu dois exemplos desastrosos de jornalismo declaratório.
Um ocorreu no lado direito do espectro político e outro, no lado esquerdo.
No lado direito, o impeachment do presidente Collor se iniciou na imprensa com a entrevista de um irmão ressentido.
A imprensa não provou uma linha do que ele disse.
Collor sofreu uma punição política, mas não se provou nada contra ele.
A denúncia judicial e a denúncia de imprensa devem ter sido, portanto, incompetentes.
No lado esquerdo, se fala de um mensalão.
A partir de uma declaração de um deputado advogado criminalista que disse existir um mensalão.
Cadê a prova?
A imprensa não conseguiu produzir uma prova de que havia um mensalão.
(Ou como diz o Mino Carta, o mensalão ainda está por provar-se – PHA).
É no que dá o jornalismo “declaratório”.
Caco, em seguida, falou do preconceito de classe na Justiça e na imprensa.
[...]
No Brasil existe o que se chama na linguagem policial – e da imprensa policial – o “auto de resistência”, explicou Caco.
É como se registra a morte de um civil que teoricamente entrou em confronto armado com a polícia.
Outra maneira de se nomear os atos que resultam em autos resistência, diz Caco, seria usar a expressão “esquadrão da morte” – que todo brasileiro conhece.
A imprensa esconde os autos de resistência das estatísticas.
E as vítimas também.
Num levantamento que o Caco fez, de 4 mil e 200 vítimas da Policia de São Paulo, três eram de classe média.
Todos os outros trabalhadores de São Paulo.
Nos últimos anos, no Rio, houve 5 mil mortes nas mesmas circunstâncias.
Caco desafiou a plateia:
Dê o nome de uma única vitima de um auto de resistência.
Dê o nome de um dos 5 mil.
Estamos diante de uma manifestação de preconceito de classe, disse Caco.
O regime militar que tanto lamentamos matou 400 pessoas.
Em quatro meses, no Rio, as tropas de elite mataram 500 pessoas.
E ninguém sabe quem morreu.
Você não verá na imprensa nem na Justiça.
Em tempo: Caco contou que um Juiz se ofereceu para lhe dar uma informação em off. Dessas informações tão comuns na imprensa brasileira: quando alguém destrói o caráter de outro, sem sujar as mãos. O Juiz disse que a Juíza ia aos presídios de Niterói para ter relações sexuais com presos. Caco perguntou, também em voz baixa, no ouvido do Juiz: e ela gozava?
Paulo Henrique Amorim"
Observação minha: só para comparar, na Irlanda do Norte, o conflito entre o governo britânico e o IRA (Exército Republicano Irlandês) matou 3.500 pessoas entre 1969 e 1997; em 17 anos de ditadura de Pinochet no Chile (1973-1988), 3.200 pessoas foram assassinadas.
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