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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

ALÉM DAS APARÊNCIAS


Militantes da Irmandade Muçulmana comemoram vitória nas eleições egípcias 
As eleições parlamentares no Egito deram ampla vitória aos partidos islâmicos – o Partido Justiça e Liberdade, braço político da Irmandade Muçulmana, com mais de 40% dos votos, e os salafistas, com 20%. A vitória desses grupos, considerados fundamentalistas, fez soar os alarmes na Europa e nos EUA: estaria o Egito pós-Mubarak prestes a se transformar num Estado teocrático, como a Arábia Saudita, o Irã e os Emirados?


Há boas razões para supor que não. “Observadores ocidentais concentram excessiva atenção na ideologia da Irmandade”, diz o analisa Shadi Hamid, da Foreign Affairs. “No caso da maioria dos partidos políticos egípcios [...], a crença raramente é prognóstico preciso do seu comportamento”. Ele lembra que, longe de ser uma entidade ideologicamente inflexível, a Irmandade é essencialmente política e comprometida em atender aos interesses da organização, o que a torna mais preparada para as mudanças do que muita gente imagina. “Os dias da década de 80, quando o grupo pregava a implementação da Shar’ia (lei islâmica) por meio da luta armada, há muito tempo se tornaram passado”, diz Hamid.

Mustafá Kemal Attatürk
O que está acontecendo na Turquia mostra que o caminho para domesticar partidos religiosos é integrá-los ao regime democrático, não estigmatizá-los. A Turquia é um país muçulmano laico desde os tempos de Mustafá Kemal Attatürk, que nos anos 1920 fundou a república das cinzas do Império Otomano. Mas a laicidade da república turca tinha um fiador, o Exército, que várias vezes derrubou governos democráticos para defender os princípios kemalistas contra uma suposta ameaça de radicais islâmicos (ou esquerdistas). Mas desde 2003, quando um partido islâmico, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD) de Recep Tayyip Erdogan, chegou ao poder, as coisas mudaram. O partido abandonou a retórica religiosa, engajou-se na promoção do desenvolvimento econômico e na busca da integração com a União Europeia. Com isso, Erdogan ganhou apoio político suficiente para enquadrar o establishment militar e até para levar a cabo uma política externa mais ousada e independente dos Estados Unidos, chegando inclusive a romper a aliança diplomática que matinha com Israel.

O premiê turco Erdogan
No passado, a Irmandade distanciou-se dos islâmicos turcos de Erdogan por considerá-los traidores dos preceitos islâmicos, já que não passavam de democratas conservadores no estilo europeu. “Mas, tendo sobrevivido à repressão imposta por Mubarak com uma real chance de governar, a Irmandade tem voltada cada vez mais os olhos ao modelo turco”, diz Shadi Hemi. Ele lembra também que mesmo os salafistas, mais radicais e defensores da interpretação literal da lei islâmica, não representam ameaça imediata ao regime democrático. Os salafistas rejeitaram a política por razões teológicas e, agora, com 20% da representação parlamentar, não têm experiência suficiente para as grandes negociações do mundo da política.

Argélia: guerra civil fez 100 mil mortos
Como na Turquia, a verdadeira ameaça à incipiente democracia no Egito é o Exército, que hoje ainda controla o poder. E o discurso dos militares para justificar intervenções será sempre o de impedir a islamização do Estado. Os antecedentes são preocupantes. A Revolução Iraniana de 1979, que estabeleceu um Estado teocrático no Irã, colocou em guarda os países muçulmanos laicos. Em 1992, um partido islâmico ganhou as eleições na Argélia e o Exército deu um golpe “preventivo” para evitar a chegada dos religiosos ao poder. À época, muitos esquerdistas bem-pensantes – inclusive este escriba – consideraram que a intervenção dos militares era o mal menor. O que veio depois – uma sangrenta guerra civil que deixou pelo menos cem mil mortos – mostrou que estávamos redondamente enganados. Esqueceu-se que o Estado teocrático no Irã foi estabelecido por meio de uma ruptura revolucionária de um regime laico opressor, não por meio de eleições. A lição é que só a democracia, que exige flexibilidade para renegociações na busca de consenso, é capaz de domesticar partidos religiosos fundamentalistas.

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