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quinta-feira, 28 de junho de 2012

O DESAFIO SUL-AMERICANO AOS EUA


“Nações que renunciam à luta pelo poder e deliberadamente escolhem a impotência deixarão de exercer influência nas relações internacionais, para o bem ou para o mal”
(Nicholas Spykman)

Nicholas Spykman é um dos grandes teóricos da geopolítica e da escola realista das relações internacionais. Suas teorias influenciaram teóricos e diplomatas contemporâneos como Hans Morgenthau, George F. Kennan, Zbigniew Brzezinski e Henry Kissinger. Durante a Guerra Fria, essa sofisticada escola deu o tom na política externa dos Estados Unidos. No governo Bush Jr., com o advento dos “neocons”, a diplomacia americana foi transformada em mero apêndice do messianismo político da extrema-direita. Abaixo, um texto do prof. José Luís Fiori sobre o grande teórico.

Nicolas Spykman e a América Latina

Para o principal geoestrategista norte-americano do século XX, qualquer ameaça à hegemonia dos EUA na América Latina deverá vir do sul, em particular da Argentina, Brasil e Chile. Uma ameaça à hegemonia nesta região terá que ser respondida através da guerra, escreve Spykman. 


José Luís Fiori
Nicholas Spykman
O principal “geoestrategista” norte-americano do século XX, nasceu em Amsterdã, em 1893, e morreu nos Estados Unidos, em 1943.
Era de origem holandesa, mas fez seus estudos superiores na Universidade da Califórnia, e foi professor da Universidade de Yale, onde dirigiu o seu Instituto de Estudos Internacionais, entre 1935 e 1940.
Morreu ainda jovem, com 49 anos, e deixou apenas dois livros sobre a política externa norte-americana: o primeiro, America’s Strategy in World Politics, publicado em 1942, e o segundo, The Geography of the Peace, publicado um ano depois da sua morte, em 1944.
Dois livros que se transformaram na pedra angular do pensamento estratégico norte-americano de toda a segunda metade do século XX, e do início do século XXI. Nicholas Spykman não foi um cientista, foi um “geopolítico” e a geopolítica não é uma ciência, é apenas uma disciplina que estuda a relação entre o espaço e a expansão do poder, antecipando e racionalizando as decisões estratégicas dos países que exercem poder fora de suas fronteiras nacionais.
É por isto, aliás, que só existe produção geopolítica relevante nas chamadas “grandes potências”, e cada uma delas tem sua própria “escola geopolítica”, com suas preocupações, objetivos e racionalizações específicas.
Como no caso clássico da “escola geopolítica alemã”, de Friederich Ratzel e Karl Haushofer, com a sua teoria do “espaço vital” e do “pan-germanismo”, que serviu de ponto de partida para explicar a “necessidade geográfica” de expansão alemã, na direção da Europa Central, e da Rússia/União Soviética.
Ou também, como no caso da “escola geopolítica inglesa” de Halford Mackinder, com sua famosa tese de que “quem controla o “coração do mundo” (situado mais ou menos entre Berlim e Moscou), “controla também a ‘ilha mundial’ (a Eurásia), e quem controla a ‘ilha mundial’ controla o mundo”.
Teoria que serviu de base para justificar a política externa britânica durante todo o século XX, e seu permanente veto e bloqueio a qualquer aliança entre a Alemanha e a Rússia/União Soviética.
Halford Mackinder
Dentro desta tradição, não há dúvida que Nicholas Spykman foi o pai da “escola geopolítica norte-americana”. Ele partiu das ideias de Halford Mackinder, mas modificou sua tese central: para Spykman, quem tem o poder mundial não é quem controla diretamente o “coração do mundo”, é quem é capaz de cercá-lo, como os Estados Unidos fizeram durante toda a Guerra Fria, e seguem fazendo até os nossos dias.
Spykman escreveu seus dois livros antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, e por isto chama atenção a sua capacidade genial de prever o que aconteceria depois da guerra, tanto quanto a semelhança entre suas propostas estratégicas e a política externa que os Estados Unidos adotaram efetivamente, durante a segunda metade do século XX, na Europa, Ásia e América.
Em 1942, Nicholas Spykman defendeu a necessidade de uma aliança estratégica e de uma hegemonia conjunta, anglo-americana, para “gerir o mundo” depois do fim da Guerra, como de fato ocorreu, em São Francisco, em Bretton Woods, e na formulação da Doutrina Churchill-Truman da “cortina de ferro”.
Além disto, Spykman defendeu a necessidade de que os Estados Unidos reconstruíssem e protegessem a Alemanha, depois da guerra, para facilitar a “contenção” da União Soviética, como aconteceu durante toda a Guerra Fria. E defendeu também a necessidade de reconstruir e proteger o Japão, para enfrentar a ameaça futura da China, que era na época o principal aliado asiático dos Estados Unidos.
Por fim, Spykman se opôs ao projeto da unificação europeia, e defendeu a manutenção do equilíbrio de poder europeu, tutelado pelos Estados Unidos, como vem acontecendo cada vez mais, depois da queda do Muro de Berlim. E com relação à América, o que foi que previu e propôs Nicholas Spykman? Sobre este ponto, chama a atenção o grande espaço que ele dedica na sua obra à discussão da América Latina, e em particular, à “luta pela América do Sul”. Ele parte de uma separação radical, entre a América dos anglo-saxões e a América dos latinos.
Nas suas palavras “as terras situadas ao sul do Rio Grande constituem um mundo diferente do Canadá e dos Estados Unidos. E é uma coisa desafortunada que as partes de fala inglesa e latina do continente tenham que ser chamadas igualmente de América, evocando uma similitude entre as duas que de fato não existe”.
Em seguida, ele propõe dividir o “mundo latino” em duas regiões, do ponto de vista da estratégia americana, no subcontinente: uma primeira, “mediterrânea”, que incluiria o México, a América Central e o Caribe, além da Colômbia e da Venezuela; e uma segunda que incluiria toda a América do Sul, abaixo da Colômbia e da Venezuela.
Feita esta separação geopolítica, Spykman define a “América Mediterrânea como uma zona em que a supremacia dos Estados Unidos não pode ser questionada. Para todos os efeitos trata-se um mar fechado cujas chaves pertencem aos Estados Unidos. O que significa que o México, Colômbia e Venezuela (por serem incapazes de se transformar em grandes potências), ficarão sempre numa posição de absoluta dependência dos EUA”.
Donde, qualquer ameaça à hegemonia americana na América Latina deverá vir do sul, em particular da Argentina, Brasil e Chile, a “região do ABC”. Nas palavras do próprio Spykman: “para nossos vizinhos ao sul do Rio Grande, os norte-americanos seremos sempre o “Colosso do Norte”, o que significa um perigo, no mundo do poder político. Por isto, os países situados fora da nossa zona imediata de supremacia, ou seja, os grandes estados da América do Sul (Argentina, Brasil e Chile) podem tentar contrabalançar nosso poder através de uma ação comum ou através do uso de influências de fora do hemisfério”.
E neste caso, conclui: “uma ameaça à hegemonia americana nesta região do hemisfério (a região do ABC) terá que ser respondida através da guerra”.
O mais interessante é que se estas análises, previsões e advertências não tivessem feitas por Nicholas Spykman, pareceriam bravata de algum destes populistas latino-americanos, que inventam inimigos externos e que se multiplicam como cogumelos, segundo a idiotia conservadora.

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