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Mikhail Gorbatchov |
Lembro-me, quando estive na Rússia
em 1996 para fazer a cobertura da reeleição de Bóris Yeltsin, de como nós,
jornalistas ocidentais, corríamos para cobrir a votação do ex-presidente soviético
Mikhail Gorbatchóv. Ao notar a escassez de interesse dos coleguinhas russos
pelo ex-dirigente, perguntei o motivo a uma das únicas nativas presentes ao local onde ele votaria. “Gorbatchóv só
interessa para vocês, ocidentais. Para nós, ele é uma farsa!”, disse ela em tom
de aberto desprezo. Na época, fazia pouco tempo que Gorbatchóv deixara o poder
(1991), abrindo caminho para o fim da União Soviética e a implosão do comunismo.
Para os russos, fora um golpe mortal no orgulho nacional. Essa percepção era
compartilhada pela maioria da população, tanto que Gorbatchóv teve míseros 1%
dos votos e encerrou ali sua carreira política.
A história, entretanto, certamente
reservará a Gorbatchóv um papel de destaque. O último dirigente do Partido Comunista
da União Soviética foi o grande responsável pelo fim da Guerra Fria ao promover
reformas – a perestroika (reestruturação econômica) e a glasnost (abertura política)
– para revitalizar o sistema instaurado na Rússia por Lênin e os bolcheviques em
1917. “Gorba” acabou destampando uma panela de pressão que levou ao fim do
comunismo. Mesmo sabendo dos riscos, o líder soviético nunca recuou de sua determinação
de abrir o regime e afrouxar o controle sobre os satélites soviéticos. Sem essa
decisão, as revoluções de 1989, que varreram o stalinismo do Leste europeu, teriam tido o mesmo destino trágico das revoltas da Hungria, em 1956, e de Praga
em 1968. Não por acaso, Gorbatchóv sofreu uma tentativa de golpe por parte da
linha dura do PCUS em agosto de 1991, pouco antes da implosão da URSS.
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Lula recebe o título Doutor Honoris Causa da Sci Po |
Algo semelhante ocorre no
Brasil em relação ao ex-presidente Lula. Em recente artigo, o sociólogo Marcos
Coimbra lembrou que apenas duas lideranças brasileiras são conhecidas
internacionalmente: Lula e FHC. Mas a percepção da grande mídia e de nossos
formadores de opinião sobre o reconhecimento internacional que ambos recebem é
antagônica. Quando se trata do ex-presidente tucano, jornais, revistas e tevês registram
as deferências com destaque e consideram “naturais” as celebrações de suas
virtudes. Acham, inclusive, uma injustiça a baixa popularidade ostentada pelo “príncipe
dos sociólogos”.
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O flautista de Hamelin |
Mas, quando se trata do
ex-torneiro mecânico que chegou ao Palácio do Planalto, a coisa pega. Lula tem índices
de popularidade inéditos na história republicana e é cada vez mais admirado no
exterior – seja pela esquerda ou pela direita –, mas a mídia conservadora torce
o nariz e ridiculariza cada vez que ele recebe alguma homenagem, não importa de
quem. É como se todo mundo estivesse se deixando levar pelo flautista de Hamelin. Para os senhores da razão tupiniquim, Lula é tosco, manipulador, corrupto e
empulhador. Sugerem que o povo não quer ver tais evidências porque é “comprado”
pelo Bolsa Família, e que os estrangeiros são fascinados pela figura exótica do
ex-líder sindical.
“Será que todo mundo – literalmente – está errado e a direita brasileira certa?”, pergunta Coimbra. “Só sua imprensa, seu porta-vozes e representantes sabem ‘quem é o verdadeiro Lula?’ O resto do planeta foi ludibriado pelas artimanhas do petista”?
“Será que todo mundo – literalmente – está errado e a direita brasileira certa?”, pergunta Coimbra. “Só sua imprensa, seu porta-vozes e representantes sabem ‘quem é o verdadeiro Lula?’ O resto do planeta foi ludibriado pelas artimanhas do petista”?
Para a desgraça da direita,
contudo, a semelhança termina aqui. Lula não é Gorbatchóv e sua popularidade
continua intacta, apesar dos ataques virulentos e das tentativas recentes de
ligá-lo a todos os malfeitos do país. O resultado das eleições deste ano,
principalmente em São Paulo ,
explicam, além do preconceito, as razões para tanto ódio que a direita antediluviana local lhe dedica.
Mas o lugar de Lula na História está reservado, se não ao lado de Gorbatchóv, com certeza num patamar muito superior ao de FHC.
Mas o lugar de Lula na História está reservado, se não ao lado de Gorbatchóv, com certeza num patamar muito superior ao de FHC.
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