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segunda-feira, 19 de março de 2012

O GENERAL E OS PRIMATAS


Delegações ao Acordo de Evian, 1962
Passou em brancas nuvens na França o cinqüentenário da independência da Argélia. Pudera: naquele 19 de março de 1962, acabava-se o império colonial da França com o beneplácito do maior defensor da grandeur francesa: o general Charles De Gaulle. O cessar-fogo foi assinado em Evian, na França, entre representantes de De Gaulle e da Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina. Bandeado de vez para a direita para tentar se reeleger, o presidente Nicolas Sarkozy disse que a França não tinha do que se arrepender pela feroz repressão aos argelinos: “atrocidades foram cometidas por ambos os lados. Esses abusos foram e devem ser condenados, mas a França não pode se arrepender de ter realizado essa guerra”. É como dizer que, durante a ocupação francesa, "atrocidades foram cometidas de ambos os lados". Aliás, é a mesma linguagem dos saudosistas da ditadura aqui. Quanta diferença de Jacques Chirac que, embora conservador, teve a dignidade de reconhecer a responsabilidade do Estado francês na deportação de judeus durante a II Guerra Mundial... 

Tropas franceses vigiam prisioneiros argelinos 
Depois de terem lutado ao lado dos franceses na guerra, os argelinos esperavam algum reconhecimento, mas no dia seguinte à vitória contra a Alemanha, em 8 de maio de 1945, o Exército francês reprimiu duramente manifestantes na cidade de Sétif, matando dezenas de milhares de argelinos. A guerra da Argélia mesmo começaria bem depois, em 1954, no mesmo ano em que os franceses tinham sido humilhados pelos vietnamitas na batalha de Dien Bien Phu e expulsos da Indochina. Os guerrilheiros da FLN, formada aquele ano, começaram atacando alvos militares franceses na Argélia, como faziam os militantes da Resistência contra os ocupantes nazistas. O governo francês de então era chefiado pelo socialista Pierre Mendès-France e tinha como ministro do Interior um certo François Mitterrand. Apesar de serem de esquerda, eles responderam aos ataques com uma feroz repressão. A França enviou os paraquedistas, tropa de elite do Exército, para quebrar a espinha dorsal da guerrilha. Apesar de muitos militares franceses serem ex-integrantes da Resistência, eles fizeram uso da tortura sistemática, aterrorizando os habitantes da kabash (bairro árabe) para buscar informações e desbaratar a FLN.

A chegada dos paraquedistas: cena de A Batalha de Argel
Os guerrilheiros responderam realizando atentados terroristas contra civis franceses (os pied-noirs). Esses episódios são narrados em vários filmes, entre eles a inesquecível Batalha de Argel (1966), de Gillo Pontecorvo. Comandados pelo general Jacques Massu, os militares e pied-noirs praticamente obrigaram o governo a entregar o poder ao general De Gaulle, líder da Resistência contra os nazistas. Ele aceitou sob a condição de ter plenos poderes, o que obteve com mudança da Constituição e a fundação da V República. Foi um tremendo erro de cálculo dos conservadores.

Isso porque o velho general não estava disposto a repetir os erros de seus antecessores. Percebendo que a França não poderia vencer aquela guerra, em vez de usar a mão pesada contra os guerrilheiros da FLN, De Gaulle começou a negociar com eles, provocando a ira dos pied-noirs e dos generais que o chamaram. Sentiram-se traídos. Em abril de 1961, os franceses argelinos e oficiais liderados pelos generais Raoul Salan, Maurice Challe e Andre Zelle tentaram um golpe para depor De Gaulle e instaurar um regime de direita na França. Eles tomaram Argel, mas um apelo do general pelo rádio pedindo aos soldados que não aderissem ao golpe abortou a rebelião. Inconformados, vários oficiais da Argélia formaram um grupo terrorista, a OAS (Organisation de l’Armée Secrete, Organização do Exército Secreto) para enfrentar a FLN e matar De Gaulle. Quase conseguiram em 22 de agosto de 1962, quando seu Citroën foi metralhado em Paris.

Charles De Gaulle: visão de estadista
De Gaulle submeteu a independência da Argélia a um referendo em abril de 1962, no qual 90% dos eleitores se manifestaram favoravelmente. Encerrava-se assim, democraticamente, um dos capítulos mais sangrentos da história da França. E hoje Sarkozy sequer reconhece a responsabilidade da França. Perto de De Gaulle, Sarkozy é um primata, do mesmo naipe que os generais que tentaram deter o rumo da História (opa, falei como hegeliano...)





Batalha de Argel (trailer):


 

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