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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A ENCRUZILHADA DO SECULARISMO NA FRANÇA

A Noite de São Bartolomeu (1572): massacre dos huguenotes pelos católicos sob as ordens da monarquia

Durante séculos a França foi assolada por guerras de religiões – entre as quais a famosa Noite de São Bartolomeu, de 1572, em que católicos sob as ordens da coroa massacraram milhares de huguenotes (protestantes).

Com a Revolução de 1789, a Constituição Civil do Clero confiscou as propriedades da Igreja Católica, que se recusou a aceitar os valores da nova República. Os jacobinos foram mais longe e tentaram abolir o cristianismo e instaurar o Culto à Razão. Mesmo após a queda de Robespierre, consolidou-se, entre os líderes políticos franceses, a convicção de que o Estado precisava ser protegido da religião, principalmente da Igreja. 

Durante o século XIX, com as indas vindas de revoluções e contrarrevoluções, a Igreja Católica e o Estado francês viveram às turras. Incidentes também ocorreram também com outras denominações; o mais grave foi “caso Dreyfus”, que envolveu um oficial judeu do Exército falsamente acusado de traição e condenado ao degredo na Ilha do Diabo. O episódio rachou a França em dois lados irreconciliáveis: de um lado os católicos, monarquistas, antissemitas e militaristas reacionários, e de outro os republicanos, anticlericais, radicais, democratas e socialistas.

O ministro M. Bienvendu-Martin separa Igreja e Estado
Mas foi somente no dia 9 de dezembro de 1905 que o Parlamento francês finalmente estabeleceu a separação formal entre a Igreja e o Estado. O projeto, de iniciativa do deputado socialista Aristide Briand, pôs fim à Concordata napoleônica de 1801, que regia as relações entre o Estado e a Igreja Católica. A nova lei proclamou a liberdade de consciência e garantia o livre exercício dos cultos.

O Estado manifestava assim sua vontade de neutralidade religiosa, mas não se eximia de suas responsabilidades. Queria garantir a todos os cidadãos franceses os meios de exercer livremente sua religião, respeitando as dos demais. O Estado francês não queria limitar a liberdade de consciência, nem confinar a religião à esfera privada. Não se pretendia, por exemplo, proibir que os cidadãos usassem símbolos religiosos.

É que antes, na virada do século XX, os partidários do laicismo se dividiam entre os herdeiros da tradição jacobina, que esperavam erradicar a religião cristã ou a confiná-la ao domínio privado; e líderes como Jean Jaurès e Aristide Briand, que queriam afirmar a neutralidade do Estado em relação a todas as crenças e, de outra parte, garantir a liberdade de consciência em conformidade com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
 
Em nenhum outro país do Ocidente a divisão entre a Igreja e o Estado é aplicada de modo tão escrupuloso como na França. Nas escolas e repartições públicas é proibido o uso ostensivo de vestimentas religiosas, enquanto os funerais de Estado sempre ocorrem em igrejas não-consagradas. Uma saudação no estilo “Deus abençoe a França” no final de um discurso do presidente da República é completamente impensável. 

O conceito francês de “laicité” (laicismo) – um termo para o qual a palavra secularismo é uma tradução imperfeita – tornou-se parte integral da identidade da República Francesa. Já nos Estados Unidos, onde os primeiros imigrantes se instalaram fugindo de perseguições religiosas na Europa, a separação das Igrejas do Estado é percebida como um meio de alcançar um objetivo oposto, segundo Martine Barthélémy, especialista do Instituto de Estudos Políticos. 

Para ela, essa separação serve para proteger a religião do Estado. “Todos nós temos os nossos mitos fundadores”, diz ela. “O nosso mito fundador é o ideal republicano, e o laicismo é uma parte essencial deste ideal. Nos Estados Unidos, a liberdade religiosa é uma parte importante dos americanos – é por isso que nós, de vez em quando, não entendemos os americanos, e vice versa”.

Uso do véu: polêmica em que a direita usa as vestes republicanas
A situação se complicou muito no século XX com a imigração em massa de muçulmanos para a França, principalmente oriundos das ex-colônias. A tradição de laicidade faz com que, hoje, a proibição do uso do véu pelos muçulmanos seja vista por muitos franceses como uma proteção em relação à pressão que essas garotas muçulmanas sofrem em casa. Na base dessa convicção, além da defesa do secularismo, está a suposição, difícil de ser comprovada, de que as muçulmanas preferem ir à escola sem véu. 

Barthélémy diz que falar em liberdade de expressão para defender o uso do véu pode ser utilizado por radicais islâmicos para exigir outras concessões que entram em confronto com a tradição secular da França, tais como a separação de moças e rapazes nas aulas de natação e de esportes, ou que as meninas sejam retiradas das aulas de biologia – exigências presentes em colégios na Alemanha e no Reino Unido. Mas há muitos setores, inclusive democratas e progressistas, que dizem que a proibição do uso do véu é uma violação dos direitos de cidadão, um dos valores mais caros da República Francesa.

Trata-se de uma discussão complexa, que não pode ser reduzida a posições maniqueístas. Tendo a concordar com a proibição, não do véu, mas de todo e qualquer símbolo religioso em nome da laïcitè, mas é impossível não ver a mão da direita xenófoba e islamofóbica por trás das vestes de Madeleine.  

Com informações do site Opera Mundi

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