Trechos da matéria do repórter investigativo
britânico Andrew Jennings, que relembra os pecados do atual presidente da CBF, José
Maria Marin, durante a ditadura militar.
Por Andrew Jennings
São Paulo, Setembro de 1975: Claudio Marques era um provocador
barato, um porta-voz dos torturadores que entrava nos lares da cidade pela TV.
“Conheci o Claudio pessoalmente, como jornalista, e ele me parecia um
canalha. Acho que ele não era mais do que um oportunista que viu na ditadura
uma forma de obter favores, patrocínio para sua coluna, seu programa de TV, um
emprego, qualquer coisa”, lembra o jornalista Nemércio Nogueira, amigo e colega
de Vlado na BBC.
Claudio fazia tudo que podia para conseguir a gratidão dos generais.
Fleury queria vermelhos? Claudio proveria. Ele começou a escrever sua “Coluna
Um”.
“Viram o noticiário de ontem na TV Cultura? Falando do esquerdista
vietnamita Ho Chi Min?”
Não interessava que a materia tivesse vindo da BBC Visnews, ali estava
a prova de que o canal estatal tinha sido tomado pelos vermelhos! E o governo
vai ficar parado assistindo a isso?
Isso foi na primeira semana de setembro. Dois dias depois, a coluna de
Claudio espalharia o veneno pela segunda vez.
As prisões dos comunistas suspeitos começou na última semana de
setembro. Amarrados na Cadeira de Dragão, com eletrodos no nariz e no pênis, e
afogados em baldes de água, eles estavam gritando nomes.
A campanha se mudou para o Congresso.
* * * * * * *
José Maria Marin e o seu padrinho, Paulo Maluf |
São Paulo, 9 de outubro, 1975 : O fantoche escolhido para fazer o
aquecimento era o deputado Wadih Helu, outra criatura da ditadura. Ele tomou
assento nas fileiras da Arena enquanto providenciava lugares discretos para os
interrogatórios dos torturadores de Fleury.
Helu trazia “denúncias graves” a seus colegas na Assembléia.
Veja só: o
governo tinha acabado de inaugurar um novo sistema de esgoto e quem assiste à
TV Cultura não ficou sabendo disso. Eles não mandaram equipe! (controle sua vontade de rir, o fim da história é funesto).
Fingindo tremer de raiva, o deputado Helu prosseguiu: “A ausência da
equipe da TV Cultura nas inaugurações do governo não é novidade para quem tem
acompanhado a coluna de Cláudio Marques, denunciando a infiltração de elementos
comunistas na TV do estado”.
Helu subiu o tom: “Eles só mostram notícias negativas, nada de
positivo. Estão fazendo proselitismo do comunismo subserviente, tornando-se,
como diz Claudio Marques, ‘a TV Cultura vietnamita de São Paulo’, usando
dinheiro do povo para prestar um desserviço ao governo e à Pátria”.
Helu sentou. Era a vez do deputado arenista José Maria Marin.
“Acho estranho que apesar da imprensa estar levantando o problema há
tempos, pedindo providências aos órgãos competentes em relação ao que está
acontecendo no canal 2, não tenha acontecido nada até agora”.
“Não é só uma questão daquilo que eles publicam mas o desconforto que
provocam não apenas aqui, nem apenas nos círculos políticos, mas que se comenta
em quase todos os lares paulistas”.
Alguma
coisa tinha que ser feita.
“Gostaria de chamar a atenção da Secretaria de Cultura de São Paulo,
do governador do Estado que devem definitivamente apurar as denúncias
publicadas na imprensa de São Paulo, em especial, pelo corajoso jornalista
Claudio Marques”.
“Faço um apelo ao governador do Estado: ou jornalista está errado ou
está certo. Essa omissão por parte da Secretaria do Estado e do governador não
pode persistir. Mais do que nunca é necessário agir para que a
tranquilidade reine novamente nesta Casa e, principalmente, nos lares de São
Paulo”.
Sérgio Fleury e seus gorilas agora tinham carta branca para trabalhar.
Essa era a mensagem do discurso de Marin. O relógio estava correndo depressa no
sentido de abreviar a vida de Herzog.
“Naquele tempo a gente vivia no olho do furacão”, lembra o amigo e
colega de Vlado, Paulo Markun. Oito dias depois, Markun foi preso. “Fui
torturado e confessei que era membro do Partido Comunista”, disse.
Na noite de 24
de outubro, 15 dias depois dos discursos raivosos de Helu e Marin
na Assembléia, os policiais chegaram na TV Cultura querendo levar Vlado. Os
colegas de redação argumentaram que ele estava fechando o jornal da noite e
que, se o levassem naquele momento, o programa não iria ao ar. Vlado se
ofereceu para ir voluntariamente à polícia no dia seguinte.
Vlado foi incauto? Era ingênuo? Um colega e amigo dele me disse:
“Minha interpretação é que, morando em endereço bem conhecido, sendo um
jornalista renomado, com um cargo alto na TV estatal, e sem envolvimento na
luta armada, ele não tinha muito o que temer”.
São Paulo, 7 de outubro de 1976 : Um ano e dois dias depois de “salvar” a TV
Cultura – e incitado a prisão que terminou com o assassinato de Herzog – Marin
mais uma vez discursava na Assembléia Legislativa de São Paulo.
E novamente, o deputado reclamava. Não sobre os vermelhos. Dessa vez,
estava aborrecido com a falta de reconhecimento público a Sérgio Fleury, o
delegado. Um homem que recentemente tinha emboscado e matado os guerrilheiros
corajosos o bastante para enfrentar a ditadura.
Isso foi tirado da gravação oficial do discurso de Marin: “Aqueles que
o conhecem de perto, sabem que ele é um chefe de família exemplar, mas, mais do
que tudo, ele cumpre seus deveres como policial da maneira mais louvável
possível”.
“Não conseguimos entender como um policial desse calibre, um homem que
dedicou sua vida inteiramente ao combate do crime, um homem que muitas vezes
pôs em risco não apenas a sua vida mas a de seus familiares não está recebendo
o reconhecimento que merece”.
“Conhecendo seu caráter como eu conheço, não há dúvida de que Sérgio
Fleury ama sua profissão; de que Sergio Fleury se dedica ao máximo, sem medir
esforços nem sacrifícios para honrar não apenas a polícia de São Paulo, mas
acima de tudo seu título de delegado de polícia. Ele deveria ser uma fonte de
orgulho para a população de nossa cidade”.
“Por isso, senhor relator, na certeza de refletir o pensamento dos
moradores de São Paulo, queremos expressar o orgulho que sentimos por ter em
nossa polícia o delegado Sérgio Fleury”.
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