A visita da blogueira dissidente
cubana Yoani Sánchez ao Brasil nos mergulhou outra vez nas trevas da Guerra
Fria. Ou, seria melhor dizer, num maniqueísmo de picadeiro. De um lado, a
direita hidrófoba, tromboteando na grande mídia a perseguição que Yoani estaria
sofrendo sob o regime dos irmãos Castro e o suposto apoio de amplos setores da
esquerda tupiniquim a essa perseguição. A Veja denunciou inclusive que um
esquema de difamação contra ela teria sido promovido pela embaixada de Cuba no
Brasil, com o apoio de setores do PT. Bem, os conservadores denunciam a censura
da ditadura cubana, mas querem interditar protestos contra Yaoni aqui no Brasil.
Muito democrático, não é? De outro lado, como numa imagem invertida, uma
esquerda sectária e stalinista vê em toda e qualquer crítica a Cuba o dedo do
imperialismo norte-americano e de seus lacaios e joga todo dissidente cubano na
vala comum dos gusanos contrarrevolucionários
de Miami. Essa “esquerda” tentou impedir a blogueira de fazer críticas ao
castrismo aqui no Brasil. O mesmo vezo autoritário e messiânico, só que com
sinal trocado, por supuesto.
Rosa de Luxemburgo: o direito à dissidência |
Ademais, ninguém é inocente nessa
história. Se a vetusta ditadura castrista e seus epígonos brasileiros querem
calar a blogueira, por outro lado Yoani Sánchez é incensada e bem paga por propagar
uma visão de mundo que interessa aos EUA e aos conservadores de todos os matizes.
Essa visão de mundo condena o stalinismo dos irmãos Castro, mas se cala sobre o
bloqueio norte-americano a Cuba. O texto abaixo, do La
Jornada , mostra quem está por trás de tanta badalação. E,
convenhamos: o melhor argumento contra a propaganda não é a censura, mas o
esclarecimento.
Salim Lamrani (*), no La Jornada ,
publicado no
blog Pragmatismo político
Yoani Sánchez, famosa blogueira cubana, é uma personagem
peculiar no universo da dissidência cubana. Nenhum opositor foi beneficiado a
exposição midiática tão massiva, nem de um reconhecimento internacional
semelhante em tão pouco tempo. Após emigrar para a Suíça em 2002, ela decidiu
retornar a Cuba dois anos depois, em 2004. Em 2007, integrou o universo de
opositores a Cuba ao criar seu blog “Generación Y”, e se torna uma crítica
feroz ao governo de Havana.
Nunca um dissidente cubano – muito menos no mundo –
conseguiu tantos prêmios internacionais em tão pouco tempo e com uma
característica particular: deram a Yoani Sánchez dinheiro suficiente para viver
tranquilamente em Cuba até o resto de sua vida. Na realidade, a blogueira tem
retribuído à altura os 250 mil euros que recebeu, o que equivale a mais de 20
anos do salário mínimo em um país como a França, a quinta potência mundial. O
salário mínimo em Cuba é de 420 pesos, o equivalente a 18 dólares ou 14 euros.
Isto é, Yoani Sánchez recebeu 1.488 anos de salários mínimos cubanos por sua
atividade opositora.
Yoani Sánchez tem estreita relação com a diplomacia
estadunidense em Cuba, como demonstra um documento “secreto”, por seu conteúdo
sensível, emitido pela Seção de Interesses Norteamericanos (Sina). Michael
Parmly, ex-chefe da Sina em Havana, que se reunia regularmente com Yoani
Sánchez em sua residência diplomática pessoal como indicam os documentos
confidenciais da Sina, manifestou a sua preocupação em relação à publicação dos
documentos diplomáticos dos EUA pelo WikiLeaks: “Ficaria muito incomodado se as
numerosas conversações que tive com Yoani Sánchez fossem publicadas. Ela
poderia pagar as consequências por toda a sua vida”. A pergunta que vem
imediatamente à mente é a seguinte: por quais razões Yoani Sánchez estaria em
perigo se a sua atuação, como afirma, respeita o marco da legalidade?
Em 2009,
a imprensa ocidental divulgou massivamente a entrevista
que o presidente Barack Obama havia concedido à Yoani Sánchez, e que foi
considerado um fato excepcional. Yoani também afirmou que enviou um
questionário similar ao presidente cubano Raúl Castro e que o mesmo não se
dignou a respondê-lo. No entanto, os documentos confidenciais da Sina,
publicados por WikiLeaks contradizem essas declarações. Foi descoberto que foi
um funcionário da representação diplomática estadunidense, em Havana, quem, de
fato, redigiu as respostas à dissidente e não o presidente Obama.
Mais grave ainda, Wikileaks revelou que Yoani, diferente de
suas afirmações, jamais enviou um questionário a Raúl Castro. O chefe da Sina,
Jonathan D. Farrar, confirmou a informação através de um e-mail enviado ao
Departamento de Estado: “Ela não esperava uma resposta dele, pois confessou que
nunca enviou (as perguntas) ao presidente cubano”.
A conta de Yoani Sánchez no
twitter
Além do sítio Generación Y, Yoani Sánchez tem uma conta no
twitter com mais de 214 mil seguidores (registrados até 12 de fevereiro de 2012 ).
Somente 32 deles moram em
Cuba. Por outro lado, a dissidente cubana segue a mais de 80
mil pessoas. Em seu perfil, Yoani se apresenta da seguinte maneira: “Blogger,
moro em Havana e conto a minha realidade através de 140 caracteres. Tuito, via
sms sem acesso à web”. No entanto, a versão de Yoani Sánchez merece pouco
crédito. Na realidade é absolutamente impossível seguir mais de 80 mil pessoas
apenas por sms, a partir de uma conexão semanal em um hotel. É indispensável um
acesso diário para isso na rede.
A popularidade na rede social twitter depende do número de
seguidores. Quanto mais numerosos, maior a exposição da conta. Da mesma
maneira, existe uma correlação entre o número de pessoas seguidas e a
visibilidade da própria conta. A técnica que consiste em seguir diversas contas
é utilizada para fins comerciais, assim como para a política durante as
campanhas eleitorais.
O sítio www.followerwonk.com permite analisar o perfil dos
seguidores de qualquer membro da comunidade do twitter. O estudo do caso Yoani
Sánchez é revelador em vários aspectos. Uma análise dos dados da conta do
twitter da blogueira cubana, realizada através de seu sítio, revela que a
partir de 2010 houve uma atividade impressionante de sua conta. A partir de
junho de 2010, ela se inscreveu em mais de 200 contas por dia, em uma
velocidade que poderia alcançar até 700 contas em 24 horas. Isto é, passar 24
horas diretas fazendo isto – o que parece improvável. O resultado é que é
impossível ter acesso a tantas contas em tão pouco tempo. Então, parece que
isto só é possível através de um robô.
Da mesma maneira, descobrimos que cerca de 50 mil seguidores
de Yoani são, na realidade, contas fantasmas ou inativas, que criam a ilusão de
que a blogueira cubana goza de uma grande popularidade nas redes sociais. Na
realidade, dos 214.062 perfis da conta @yoanisanchez, 27.012 são novos (e sem
fotos) e 20.600 são de características de contas fantasmas com atividades
inexistentes na rede (de 0 a
3 mensagens enviadas desde a criação da conta). Entre estes fantasmas que
seguem Yoani no twitter, 3.363 não têm nenhum seguidor e 2.897 seguem somente a
blogueira, assim como a uma ou duas contas. Algumas apresentam características
bastante estranhas: não têm nenhum seguidor, seguem apenas Yoani e emitiram
mais de duas mil mensagens.
Esta operação destinada a criar uma popularidade fictícia,
via twitter, é impossível de ser realizada sem acesso à internet. Necessita de
um apoio tecnológico e um orçamento consequente. Segundo uma investigação
realizada pelo diário La
Jornada , com o título “El ciberacarreo, la nueva estrategia
de los políticos en Twitter”, sobre operações que envolviam os presidenciáveis
mexicanos, diversas empresas dos Estados Unidos, Ásia e América Latina oferecem
este serviço de popularidade fictícia (“ciberacarreo” ou em português ciber
transporte) por elevados preços. “Por um exército de 25 mil seguidores
inventados no twitter , escreveu o jornal, pagam até dois mil dólares, e por
500 perfis manejados para 50 pessoas é possível gastar entre 12 mil a 15 mil
dólares”.
Yoani Sánchez emite, em média, 9,3 mensagens por dia. Em 2011, a blogueira publicou
uma média de 400 mensagens por mês, O preço de uma mensagem em Cuba é de um
peso convertido (CUC), o que representa um total de 400 CUC mensais. O salário
mínimo em Cuba é de 420 pesos cubanos, ao redor de 16 CUC. Yoani Sánchez gasta,
por mês, o equivalente a dois anos de salários mínimos em Cuba. Assim , a
blogueira gasta em Cuba com o twitter, um valor correspondente, caso fosse
francesa, a 25 mil euros mensais ou 300 mil euros por ano. Qual a procedência
desses recursos para estas atividades?
Outras perguntas surgem de maneiras inevitáveis. Como Yoani
Sánchez pode seguir a mais de 80 mil contas sem acesso permanente a internet?
Como conseguiu se inscrever em 200 contas diferentes por dia, desde de junho de
2010, com índices que superam até 700 contas/dia? Quantas pessoas seguem
realmente as atividades da opositora cubana na rede social? Quem financia a
criação das contas fictícias? Qual o objetivo? Quais os interesses escusos
detrás da figura de Yoani Sánchez?
* Salim Lamrani é graduado na
Universidade de Sorbone, professor encarregado dos cursos da Universidade
Paris-Descartes e da Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée e jornalista
francês, especialista nas relacões entre Cuba e Estados Unidos. Autor de Fidel
Castro, Cuba y Estados Unidos (2007) e Doble Moral: Cuba, la Unión Europea y los
derechos humanos (2008), entre outros livros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário