Hoje se completam 68 anos da
batalha de Monte Castello, primeira grande vitória dos pracinhas sobre os
soldados da Wehrmacht no Norte da Itália. A FEB embarcou sob críticas, aqui e
no exterior, pois ninguém acreditava que uma tropa formada por “capiaus” de um
país tropical pudesse fazer frente aos exércitos do III Reich. Era mais fácil uma
cobra fumar, diziam. Pois a cobra fumou! E o incrível é que, mesmo depois da
consagração militar nos campos de batalha, nosso “complexo de vira-latas” continuou
tentando desmoralizar as façanhas dos pracinhas na Itália, como o execrável livro
que o William Waack escreveu sobre a FEB. Já o establishment militar praticamente
ignora a epopéia da FEB contra o nazi-fascismo, mas faz questão de associar a
tropa de facínoras da ditadura à herança das Forças Armadas. Adaptando Brecht,
infeliz o povo que esquece seus heróis e acoberta criminosos de Estado. Aqui,
um texto sobre Monte Castello.
A
Força Expedicionária Brasileira conquistou Monte Castello enfrentando os
alemães em cinco confrontos
Luis Felipe da Silva Neves
Em julho de 1944,
desembarcaram em Nápoles os primeiros soldados da Força Expedicionária
Brasileira, a única tropa latino-americana que lutou na Europa. Se a entrada do
Brasil na Segunda Guerra Mundial em 1942 deveu-se ao clamor popular causado
pelo afundamento de dezenas de navios mercantes, a presença dos pracinhas na
Itália atendia a três interesses do governo ditatorial da época: elevar o país
no cenário internacional do pós-guerra, dar treino e armas aos militares e
distrair a opinião pública, desgastada com uma década de regime de exceção.
Poucos locais têm um significado tão especial na
história das Forças Armadas brasileiras quanto o Monte Castello. Situado no
Apenino Tosco-Emiliano, cerca de 50 quilômetros ao norte de Florença e a 1.000 metros acima do
mar, não se trata de uma montanha destacada na paisagem, como muitos tendem a
imaginar, e sim um morro com contornos difusos, rodeado por outros maiores. A
FEB atacou o lugar sem sucesso por quatro vezes, três em novembro e uma em
dezembro de 1944, até que a vitória sorriu após o quinto assalto, em 21 de fevereiro de 19 45.
Nenhum dos cinco ataques isolados pode ser considerado
uma batalha; aliás, não houve batalhas na frente italiana após Cassino, em maio
de 1944. A
tomada de Monte Castello isoladamente pouco valia; era necessário que outros
montes em volta, como Belvedere, Mazzancana e Torracia, também fossem
conquistados. A importância do lugar residia no fato de que, com os alemães e
seus canhões instalados nas cristas desses montes, era impossível para os
aliados prosseguir o avanço para o norte.
Se normalmente já há vantagens da defesa sobre o
ataque na guerra moderna, isso se torna ainda mais verdade em um terreno
montanhoso. Foi possível aos alemães defender eficazmente suas posições sem
empregar grandes contingentes. Calcula-se que havia em Monte Castello
cerca de 350 “tedescos” – os alemães na Itália, de acordo com os brasileiros –
espalhados por pequenos abrigos camuflados e resistentes, cuidadosamente
dispostos para maximizar o efeito do fogo. Uma só metralhadora MG 42, a melhor da guerra, podia
varrer uma larga faixa de terreno a várias centenas de metros com uma quantidade
de tiros assustadora – e havia dezenas delas –, além de morteiros e da
artilharia situada mais atrás.
Quanto
aos soldados alemães que os pracinhas enfrentaram, há entre os brasileiros quem
goste desqualificá-los, pintando-os como “velhos” cansados. É certo que a
frente italiana era de quarta importância para a Alemanha, – e é natural que lá
não fossem usadas suas tropas de melhor qualidade, mas é um equívoco achar que
o alemão lutou mal na Itália – ou em qualquer outro lugar. Na verdade, o
exército da Wehrmacht – Forças Armadas do III Reich – era o
melhor do mundo. O soldado alemão comum recebia melhor treinamento do que os
oficiais anglo-americanos, o sistema de seleção e preparo dos oficiais não
comissionados era inigualável e o sistema operacional tático era mais flexível
e eficaz – no fim das contas, o alemão era praticamente imbatível quando lutava
em condições parelhas. O fato de muitos serem veteranos exauridos da frente
leste, a pior frente de batalha da história, só podia prejudicar as coisas para
os adversários, pois o valor da experiência é fundamental, e nada como o clima
italiano, considerado ameno pelos alemães, para uma pronta recuperação,
sobretudo para quem veio das estepes geladas russas.
Nos
ataques iniciais de 24 e 25 de novembro, a FEB fez parte de uma força maior sob
comando americano, a Task Force 45. Foram operações mal planejadas e
executadas de modo ainda pior. No dia 25, por exemplo, um batalhão americano
recuou sem avisar, expondo assim o flanco esquerdo do III Batalhão do 6º Regimento
(Sampaio) ao fogo cruzado alemão, causando várias baixas. Uma vez que os
soldados brasileiros nem deveriam ter sido usados, pois estavam em ação havia
quase dois meses sem descanso, pode-se imaginar como foi difícil suportar essa
situação sem deixar o moral despencar.
A partir do terceiro ataque, no dia 29 de novembro, a
FEB estava por si, mas continuou a empregar táticas erradas, não contando com
apoio aéreo e, acima de tudo, atacando frontalmente. As baixas foram tais que
um capitão, comandante de uma companhia, teve de ser substituído por um tenente
no calor da luta. O moral, já claudicante, sofreu novo revés. O mito da
inexpugnabilidade de Monte Castello começava a nascer entre os pracinhas.
O ataque em dezembro foi o mais desastroso. A fim de garantir
surpresa, algo difícil com os alemães situados em posições mais altas e vendo
tudo, a artilharia foi dispensada e o mau tempo impediu o uso de aviões.
Teimosamente, o comando da FEB insistiu em repetir um ataque frontal. Mesmo
contra todas as adversidades, os brasileiros avançaram sem se importar com as
baixas, chegando mesmo ao centro das defesas alemãs, mas tanta coragem não
bastou, e quem não morreu ou não foi capturado recuou.
Graças
a intenso treinamento durante as longas semanas de inverno e a uma preparação
mais bem engendrada, a FEB partiu para o derradeiro ataque a Castello em 21 de
fevereiro, com suporte da artilharia, de aviões, e com a 10ª Divisão de
Montanha do U.S.Army avançando
ao lado sobre Belvedere. Sob pesado fogo dos canhões inimigos, o monte foi
enfim tomado no fim do dia, enquanto os alemães se retiravam ordenadamente. A
força brasileira tinha alcançado a maturidade.
Com a vitória, a FEB respondeu com sangue e bravura à
provocativa pergunta feita após o fracassado ataque de dezembro pelo general
americano W. Crittenberger, comandante do IV Corpo de Exército, do qual a FEB
fazia parte, sobre se a tropa brasileira tinha ou não capacidade ofensiva.
Luis Felipe da Silva Neves é professor da Universidade Federal Fluminense e autor da dissertação
“A Força Expedicionária Brasileira – uma perspectiva histórica” (UFRJ, 1992).
Nenhum comentário:
Postar um comentário